Ontem o mundo rubro-negro foi sacudido por uma notícia bombástica. Um incauto trajado com o Manto Sagrado ameaçara se jogar do viaduto Oduvaldo Cozzi, no Maracanã. Segundo o noticiário, foi um protesto contra o técnico Renato Gaúcho. O iracundo torcedor terminou a noite traçando uma pizza, com os três policiais militares que o acalmaram. Dizem que o trelelê se deu mais ou menos como se segue.

– Eu vou me jogar!

– Torcedor, calma…

– Vocês não entendem? Renato não dá! Minha vida já é um caos, é pedir muito um Flamengo organizado? Sei que estou condenado a uma vida de plebeu, na mais pura correria, mas que ao menos a noite me traga um futebol majestoso. Cadê aquele Flamengo que a gente podia confiar, quando nada mais era confiável? Eu estou cansado de viver cercado de gente que só quer ver o país andando para trás! Que pelo menos o Flamengo jogue para a frente, pô.

– Melhor recuar, senhor.

– Recuar? Não me fala essa palavra! Não viu o Renato na quarta-feira?

– Não, eu quis dizer o senhor. O senhor está muito perto da mureta.

– Daqui eu não saio, ouviu bem? Se é para cair das nuvens, prefiro cair aqui de um terceiro andar. A verdade nunca foi pra gente frouxa, autoridade. Primeiro os caras prometem gestão moderna, organização e eficiência. Entregam crises de vestiário, picuinhas na imprensa e bicuda para onde o nariz aponta. Eu não aguento mais! Esse Flamengo não preenche aquele vazio que a gente sente, sabe? Minha ex-namorada falava que isso era papo de um tal Lacan, um fera aí.

– Se o senhor quiser a gente telefona para essa ex-namorada. Dê um passinho atrás, por favor.

– Tá maluco. Ela é tricolor ainda por cima. Mas sabia das coisas, a danada. Ela que me explicou o vazio. A angústia da alma. É um lance do desejo, que fica rondando a cabeça das pessoas. Qualquer pessoa, não é só no Brasil não, precisa lidar com a falta, o buraco que a gente tenta preencher ao longo da vida. É uma ansiedade que a gente tem de conquistar alguma porra, mesmo sem saber o que é. Para tapear esse buraco na alma, o povo precisa consumir, consumir – e tome do sujeito comprar carrão, tênis, cachaça, passagem aérea, camisa do Mengão, o que importa é o prazer do momento. O Flamengo é o melhor remédio para a alma por causa disso, é entretenimento, é universal, e tem toda semana – e o preço é justo. Jogo bonito, inteligente, inspirador, capaz de alegrar os enlutados e fazer dançar os embrutecidos. Até esse Renato chegar, claro.

– Olha, o Flamengo venceu na Argentina… E a comissão técnica nova só deu um treino, tudo vai ficar bem.

– Você só diz isso porque estou na beira do abismo, né? Como posso confiar? A primeira medida dele como treinador foi mandar um vídeo na praia para o general em Brasília. Você não acha isso coisa de baba-ovo? Gente de alma bolorada do caraio. Comandar o Flamengo é um ato revolucionário, mermão. É coisa para quem gosta de progresso para os atacantes, ciência tática moderna para os beques e amor à diversidade. Com Jorge Jesus havia tanto respeito às diferenças que até perebas tinham vez. O jogador, como as pessoas, não tem de ser igual ao outro. Devem ter liberdade de ser e jogar como eles são. E tem mais, né? Se o cara confia em quem governa por fake-news, como posso acreditar que ele manda a real nas entrevistas? Quem anda com cascateiros…

– Bem, senhor, sobre a questão do vazio…

– Manda.

– Tem uma pizzaria aberta logo aqui embaixo. Podemos continuar a conversa lá?

– Pode ser meia catupiry?