Outro dia, aqui no portal, o Arthur tentou fazer crônica mas fez poesia: “Quando as primeiras células rubro-negras procariontes começaram a se multiplicar como loucas, lá na sopa primordial darwiniana, o elemento perrengue já estava presente.” Glub, glub, pude até ouvir o som.
Sim, aqui é Flamengo. Aqui é perrengue. Mas afinal, por que cargas d’água tem de ser assim, e desde sempre? Por que diabos o martírio e as agruras estão agarradas no casco das naus flamengas, desde os primeiros dias de 1895? A culpa é das amebas?
Bem, de algumas. Mas não de todas, pelo que pude apurar ao longo desses dias. Estava tão sedento por respostas que virei minha biblioteca de cabeça para baixo, troquei sopapos e canga-leitões com ácaros e, no auge da aflição, liguei até numa mesa-redonda na TV.
Foi quando, a voz do Cereto ao fundo, me veio a luz: num ensaio de história medieval, encontrei a peça que faltava ao quebra-cabeças. A pista que enfim oferece sentido a toda História do Flamengo. E que, talvez, explica até as mais dolorosas derrotas, e os gols inconcebíveis sofridos contra times ridículos, como o Santo André, o América asteca e o Liverpool.
A pista: desde que o mundo é mundo, ali um pouquinho depois das amebas, dos dinossauros e dos avôs do Bolsonaro, a humanidade convive com uma maldição sinistra. A maldição das camisas listadas.
Hein? Não, não estou inventando nada, que em reta final de campeonato não se brinca. O ensaio e a teoria existem, descritas por um francês mestre em história medieval que provavelmente nasceu com a mamadeira na mão e um tomo de Victor Hugo na outra. Michel Pastoureau é seu nome, e o livro se chama “O pano do diabo”.
De acordo com Pastoureau, as roupas com listras sempre foram vistas como coisas malignas, impuras, e isso marca a história do nosso planetinha desde a Bíblia.
Era preciso ler e investigar isso a fundo. Corri nos sebos (virtuais), liguei para o Rodrigo da Folha Seca e, antes de tudo isso, desliguei o Cereto na TV. Mas nada feito. Por sorte, encontrei belíssima resenha do mestre dos mestres Sergio Augusto, que ao contrário do ataque atual do seu Botafogo, mata a pau.
E foi quando entendi tudo. O Flamengo, assim como outros times com mantos energizados pelas listras, não apenas acordam os deuses quando entram em campo. Ele os afronta, os desafia. E, vez por outra, os vence.
Sim, a resposta para nossos males e bênçãos está nela, nas listras.
“Listras. As Sagradas Escrituras já não as recomendavam”, esmiuça Sergio Augusto. “Está no Levítico: ‘Não levarás sobre ti uma veste que seja feita de dois.’ Dois tons, bem entendido. A fama, portanto, não é antiga, é antiquíssima. Pastoureau, contudo, fez do século XII o seu ponto de partida, por ter sido naquela centúria que os carmelitas causaram escândalo com seus primitivos mantos barrados. Nem um apelo do papa Alexandre IV, em 1260, conseguiu convencê-los a adotar uma veste lisa.”
Pedrada, né? Meu único lamento é que Pastoureau não deve saber nada de música popular brasileira, caso contrário teria escrito sobre “Camisa listada” (assim mesmo, sem R), grande sucesso de Assis Valente no carnaval de 1938 que também deu maior treta, ao ser gravado por Carmen Miranda. (Vá na biografia do Ruy Castro para saber mais.)
Sergio Augusto prossegue, deitando erudição e bom estilo: “Os muçulmanos sempre usaram mantos listrados numa boa; daí a pinimba da Igreja, avessa a qualquer parentesco com hábitos orientais. De mais a mais, os tecidos listrados eram então usados – em vestimentas, cintos, fitas, capuzes e barretes – por judeus, heréticos, bufões, saltimbancos, carrascos, prostitutas, leprosos e outros excluídos da sociedade daquele tempo”.
Sim, amigos e irmãos flamengos, a mulambada se vestia como você e eu. Quer coisa mais bonita? Calma lá, que mestre Sergio Augusto não terminou, não seja rude:
“Caim, Judas, Dalila e Salomé também haviam feito das listras um involuntário emblema de seu opróbrio. Nos países germânicos do século XIII, as roupas dos bastardos, servos e condenados eram obrigatoriamente listradas. Acreditava-se que eles perturbavam ou pervertiam a ordem estabelecida e precisavam ser reconhecidos a distância. Lúcifer e todas as criaturas satânicas eram quase sempre apresentados em trajes barrados, durante a Idade Média.”
Aqui eu parei um pouco. Fiquei um pouco na dúvida se já existia a cor vermelha nessa época. Olhei o Cereto no mudo na TV. Preferi seguir adiante, que a aula do SA estava ótima. Na Renascença…
“Esse rígido esquema sinalético arrefeceu um pouco no Renascimento, mas a reputação do pano listrado só mudaria substancialmente do final do século XVIII em diante, depois de representar, na França, a vitória do bem (burguês) contra o mal (aristocrático), o triunfo da marginalidade, e, no Novo Mundo, a implantação da democracia moderna, raiada de stripes forever.”
Eta, francesada boa da porra! Mas o Pastoureau não fica só de lero sócio-cultural não, ele fala de quadrinhos e bola:
“Negativas nos uniformes dos campos de concentração nazistas e dos presidiários do cinema e dos quadrinhos, as listras expandiram-se positivamente por outros corpos: de crianças, banhistas, marujos e esportistas, seus mais benignos usuários. A semiologia das listras é infinita e encontrou em Pastoureau um hermeneuta de ampla visão. Ampla o suficiente para incluir em seu inventário até as riscas do calção do Obelix, do dentifrício Signal e das camisas do Racing e do Juventus”.
Aqui é Flamengo, porra. Não é fabuloso? Quando os primeiros remadores, há 125 anos, tiveram a brilhante ideia de trajarem listras, não imaginavam que quantidade de energia – e de cultura – estariam atraindo para as vestes flamengas. Um manto sagrado que, antes mesmo do Flamengo existir, já combatia preconceitos, visões tacanhas e maléficos religiosos medievais, inspiração para muita gente hoje aí no Twitter.
Isso é Flamengo. Isso é manto sagrado. Isso é perrengue. E, de mais a mais, quem se vestia igual Caim não vai agora dar mole para Abel, é ou não é?
É reta final, é Copa do Mundo, amigo. É hora, enfim, de largar o chá com torrada e ir beber Parati. Vamos, Flamengo!
Texto magnífico! Não bastam as cores, que apavoram os de camisa feia (obrigado Arthur), mas também as listras…
Maravilha!!!
É de fato admirável a paciência da torcida do vasco. Eu torci pelos caras por alguns segundos naquele pênalti (tudo bem q mal marcado) e já desenvolvi um ódio terrível. Imagine quem torce a vida inteira por isso que insistem em chamar de time.
Não acho que o vasco mereça ir pra série B. Não mesmo. Depois de ontem, eles tem mais é que ir pra série D…e por lá ficar um bom tempo.
A primeira poeira levantou.
Jogo esquisito, gols mais esquisitos ainda, nao deu nem pra soltar o grito de verdade, mas seja.
O importante sao os 3 pontos.
Muitos sustos, fontes principais desses: Filipe e Hugo.
Proximo domingo tem que ser vitoria, empate seria sofrimento sem fim, nao quero.
Varios jogadores se arrastam em campo, depois de 30 min de jogo: Gerson, Arrasca e a ilha.
Parece que nao conseguem de jeito nenhum ganhar fisico, mesmo depois de semanas de descanso razoavel.
Com o Gerson virou modinha bancar o machucado quando nao quer mais correr. Esse garoto tem 22 anos, é profissional, como nao ganha força fisica?
Bem, jogo muito razoavel, mas o que importa é somente a vitoria.
Mas temos problemas a serem resolvidos para a proxima temporada. Varios.
SRN
Um detalhe: quando o FLAMENGO tem uma semana livre de treino e descanso…parece que o time retrocede física e tecnicamente. É fato. O time parece jogar e ser mais intenso em intervalos menores de um jogo pro outro. Vai entender???!!! Sendo assim…será que não dá pra arranjar um joguinho com o Bangu ou Madureira pra quarta-feira à noite não???
Texto foda, meu irmão! Cada dia melhor.
Abração
“E, de mais a mais, quem se vestia igual Caim não vai agora dar mole pra Abel, é ou não é?”
Fodis! O cara é muito fodis!
Se for assim, estamos fú.
Perderemos para Corinthians (todo de branco) e Inter (todo de vermelho) e lá se foi o título.
Pé de pato mangalô três vezes !
Vade retro, Satanás !
Assustadas SRN
FLAMENGO SEMPRE
Pô seu Carlos viressa boca pra lá
Fica tranquilo que parece que os jogadores tomaram vergonha na cara em cima da hora. E com eles querendo jogar o que sabem não tem pra ninguém.