Se a crônica é a literatura de bermudas, como diz Joaquim Ferreira dos Santos, a crônica rubro-negra é a literatura de bermudas, camisa raiz da Fla-Angola e um latão nas mãos. Era assim que o Arthur Muhlenberg estava quando o vi pela primeira vez a caminho do estádio, cruzando o rio Maracanã rumo a mais uma épica pelada do Flamengo.
Naqueles tempos, o vulgo “Urublog” jamais poderia supor que, anos e anos depois, estaria hoje lançando seu sexto e melhor livro, “Libertador – a reconquista rubro-negra da América”, pela editora 7 Letras, que em homenagem ao torcedor meteu uma promoção cabalística: quem comprar no site 7Letras.com.br paga só 38 reais, um tostão para cada ano em que aguardamos em pé, impassíveis, na fila da glória eterna.
E nós também não podíamos crer, logo a gente que se acostumou a cantar o clássico “Libertadores, qualquer dia tamo aê…”, que o “qualquer dia” chegaria assim sem nos avisar. Que sorte que não demorou mais 38 anos, ou não teríamos aí o Arthur firme e lúcido para nos narrar com seu talento o que vimos com os próprios olhos e ainda não acreditamos.
Da Bolívia ao Peru, de Oruro a Lima, a epopeia rubro-negra é contada no livro em 23 crônicas – desde o jogo com o nanico San José (“uma baba, baba elástica e bovina”, na verve do cronista) até a colisão titânica contra o River Plate. De brinde, ainda traz detalhes de arrepiar – ou alguém aí lembrava que a campanha começara logo com um gol de Gabigol? E o nome do estádio do San José em Oruro, quem sabe? Estádio Jesús. É, estava escrito.
Enquanto nos faz rir e faz chorar, a crônica de Muhlenberg também brinca de ensinar sobre temas variados, para nos lembrar que o Flamengo também é muito mais do que futebol. A saber:
* Moda:
“Por pior que seja o Peñarol, e segundo os próprios peñarolenses esse Penãrol está entre os seus piores, eles sempre terão a camisa. Uma camisa feia, deselegante e provavelmente malcheirosa, mas cheia de história, com cinco Libertadores nas costas.”
* Psicologia:
“Há apenas duas semanas uma grande parte desses rubro-negros sorridentes estava enfurecida, pichando muros, exigindo cabeças como jacobinos no Terror e jogando suas toalhas nas redes sociais como se o ano já estivesse irremediavelmente perdido. Não tem nada de esquisito em nossa bipolaridade, o Flamengo é assim mesmo desde 1895. O rubro-negro só conhece dois estados mentais, a Crise e o Oba-Oba.”
* História:
“Quando surgiu em 1977 a Raça foi um sopro de criatividade nas arquibancadas. A proposta da torcida era radical e revolucionária: assistir aos 90 minutos do jogo em pé, apoiando sem parar. Os habitués do Maraca ficaram escandalizados, acharam aquilo um absurdo. Xingavam, tacavam bolinha de papel, lata, garrafa, o que estivesse à mão pra fazer aqueles caras de camisa vermelha sentarem e assistirem ao jogo como gente de bem. Não funcionou, os caras desviaram das garrafas e das bolinhas, mas não sentaram, continuaram apoiando os 90 minutos e cantando sambas-enredos inteiros em pé.”
* Valor de mercado
“O herói segue adiante, com a fronte erguida, o ingresso na mão e uma esperança que nem os 38 anos na fila imensa da Libertadores parecem capazes de arrefecer. Lá vai ele, rampa do Bellini acima, vestido de vermelho de preto, imune ao descrédito com que agora nos julgam, munido de uma certeza mística de que o Flamengo tudo pode. O torcedor herói, esse tipo humano inesquecível, guerreiro, mártir, fanfarrão, não é o maior patrimônio do Flamengo. É o único.”
* Espírito esportivo:
“Saber perder é legal no esporte amador, no Campeonato Carioca. Na Libertadores é o beijo da morte.”
* Filosofia:
“Compartilho uma única certeza, o Flamengo nasceu para nos fuder.”
Mas chega de spoiler, e deixemos o cronista que é molambo até no sobrenome tabelando suas ideias com “a astronomia copernicana, a dinâmica newtoniana, a minissaia de Mary Quant e a Teoria da Relatividade do cumpadi Einstein”, enquanto a gente aqui vibra e abre mais uma. Por falar em vibrar, o mais incrível: enquanto você e eu estávamos em total transe graças aos acontecimentos ali aos 46 do segundo tempo, o autor e os editores davam o último tapa no livro, que saiu perfeito. E a capa do Mario Alberto ficou brincadeira!
Confira lá, na Amazon ou no site da editora, e você vai acabar por concordar: o Arthur um dia foi o melhor cronista esportivo do Rio de Janeiro. Em três minutos, tornou-se o maior da América.
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Foi só o VARmeiras sair de campo, que o porco desmoronou !!..
Eu poderia estar roubando mas estou aqui no RP & A prestigiando mais essa crônica/jabá genial e hilariante do Dunlop.
Viva Muhlenberg!
Legal que a criatura nem promove o livro. Avisar que estava publicando nada neh?
SRN