Um dos valores humanos que fundamentam a vida em sociedade é o respeito. O respeito é essencial nas relações que estabelecemos com pessoas, animais, plantas, coisas, sentimentos e também em relação aos poderes instituídos. A etimologia da palavra respeito é incontroversa, veio do latim respectus, significa olhar outra vez. Assim, uma parada que merece uma segunda olhada é digna de respeito.
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Tem aquele respeito dispensado ao que julgamos ser superior a nós ou que tem mais bala na agulha do que nós, que é um respeito tipo obediência. Você respeita assim, ou pelo menos deveria respeitar, teu pai e tua mãe, as leis da terra, as forças da natureza, teu deus ou deuses, a polícia federal que tá sempre filmando no sapatinho e, acima de tudo, o Flamengo.
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Tem também o respeito que rola em relações de igualdade, onde as partes têm o mesmo poder e não rola hierarquia. Todo mundo é igual. Aí o respeito tem mais a ver com a lealdade, a honestidade e a justiça. Como o muito famoso e muito pouco praticado respeito ao próximo. Tudo bem se você não conhece, mas é o mesmo respeito que você deve ter pela sua mulher, pelo seu irmão, até pelo cara mala do seu lado na arquibancada que grita gol antes da bola entrar.
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Já nas relações em que você está numa evidente posição de superioridade hierárquica ou poder, o respeito do tipo certo tem a ver com a tolerância, a consideração, a não discriminação. É o respeito às minorias, respeito às diferenças, às crianças, às maluca, aos velhos, aos seus funcionários e servidores. Não adianta ser rico e poderoso se não respeitar o seu porteiro, a mina que dá aquela geral na sua casa, o motora do ônibus que tu pega.
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Nesses casos, a pessoa que respeita busca não impor a sua vontade de forma autoritária, ainda que tenha poder para isso. O Saramago disse que com os anos aprendeu a nunca tentar convencer ninguém porque o trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro. E nesse respeito às ideias do outro, mesmo que sejam as ideias do Tite, mesmo as ideias idiotas, sempre tem um pouco de submissão ao status do receptáculo do respeito.
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O Tite chegou no Flamengo grandão, num momento de grande sanhaço, com fama de exímio revolvedor de broncas e uma couraça invulnerável. Sua imagem projetada era sempre no enquadramento contra-plongée, aquela câmera que olha de baixo pra cima e dá um ar de superioridade e força ao objeto em quadro. É um recurso imagético que evidencia o poder e provoca aquele tipo de respeito que é meio admiração, meio medinho.
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Só que respeito, seja ele de que tipo for, é como um animal ameaçado na floresta, quando fica bolado ele dá um pinote, desaparece e fica um tempão sem ser avistado. Depois do apavoro que os bolívia dero no Flamengo ontem, sem nem precisar se esforçar demais, é muito natural que o respeito reverencial dispensado ao eminente Sr. Tite desde as colinas da imprensa até a planície da mulambada pagadora de impostos esteja agora ameaçado de extinção.
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A sequencia de vacilos praticados pelo outrora incriticável nos seis primeiros jogos do Flamengo na temporada à vera, três pelo Brasileiro e três pela Liberta, são inegáveis. Nem a verve e o talento no desenrole de Tite nas coletivas é capaz de esconde-los, diminui-los ou enterra-los sob a sua prosopopéia coach temperada pela sua polida prosódia pampera. Tite errou demais com essa parada de poupar jogador. A ponto de até influencers que geralmente fecham com a diretoria, com a comissão técnica e, se render uns likes, até com a CONMEBOL, darem um enquadro no treinador durante a coletiva no pós jogo em La Paz.
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Esse enquadro nem foi nada desrespeitoso, todo mundo foi muito manso e ponderado. Mas pelo seu ineditismo, que até então era sempre o Tite mandando a sua homilia e geral falando amém, ele tem significância. Ele é como aquele primeiro furinho na represa, ou no açude, começa a vazar um fiozinho de água pra fora e se não correr pra consertar logo a parada pode evoluir rapidamente pra um evento desabatório inundacional. E o conserto, importante frisar isto, não pode ser no gogó. Algo efetivamente deve ser feito, mudanças tem que rolar. Ficou bem evidente, até pro Tite, que não vale a pena morrer por ideias que não estão dando certo.
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Se no Flamengo houvesse mais cuidado com a gestão do conhecimento adquirido, nunca que jamais uma diretoria permitiria que sequer se mencionasse a ideia de poupar jogadores em função de outras competições em detrimento da Libertadores. Ano passado mesmo o Flamengo se fodeu cometendo essa barbeiragem no seu primeiro jogo na fase de grupos. Um errinho que o efeito borboleta do caos fez desaguar na ignominiosa desclassificação levando coça do Olympia nas 8as e a porra do Fluminense ganhando a Liberta. Tudo culpa nossa.
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Mas quando Tite começou com essa maluquice cientificamente comprovada e fisiologicamente recomendada de poupar os caras as únicas vozes a se levantar contra a evidente mancada foram os ogros e primitivos torcedores, que como sói acontecer quando os clubes possuem organizações sólidas e hierarquizadas, foram devidamente ignorados ou tratados como cloroquiners que desprezam a ciência.
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O resultado dessa poupança científica foi o Flamengo tomando um pau feio dos bolívia, perdendo uma invencibilidade promissora e provavelmente tendo que cagar sangue nas próximas três rodadas pra conseguir terminar em segundo lugar num grupo molezinha que só tem time da terceira prateleira do futebol hispano-americano. Para que não nos afastemos por demais do tema é importante salientar que durante o jogo os bolívia não demonstraram nem um pingo de respeito pelo Flamengo.
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Claro, o Flamengo descaracterizado não foi sequer reconhecido com aquele uniforme absurdo em mais um flagrante atentado à integridade das nossas marcas. Um tremendo desrespeito à embalagem de um produto que é sucesso de vendas há mais de 120 anos. O Flamengo jogou de preto e branco e naqueles andrajos era impossível atemorizar o adversário, evocando visualmente as façanhas pregressas do Mais Querido em suas aventuras e muitas conquistas no Cone Sul. Jogar sem Manto, onde já se viu.
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Desfigurado, o Flamengo era só mais um time de camisa e meião pretos com uns caras sem fôlego que não conseguiam dar em bola. Foi muito fácil pros bolívia fazerem com o Flamengo o que o Flamengo deveria ter feito com eles, trata-los com desrespeito arrogante, aos pontapés (figurativos, por favor). O desprezo do bolívia foi tamanho que nem a porrada eles nos enfiaram. Deixaram que a bola espancasse aos nossos e meteu os seus três pontos em casa como se não estivessem fazendo nada além da sua obrigação. Aulas, meus amigos, aulas.
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Se no Flamengo houver alguma capacidade de aprender com os próprios erros certas ideias toscas tem que ser extintas antes até que o respeito ao Tite feneça. Poupar jogador em Libertadores, três zagueiros, um atacante só contra o mundo e fardamento nada a ver que disfarça o Flamengo de timinho simplesmente não podem mais acontecer neste século.
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E a proibição da escalação de três zagueiros em todo o território terráqueo não é intolerância, conservadorismo ou pirraça. É só uma questão de respeito necessário à tradição mística. Na Mangueira, por exemplo, a bateria não tem surdo de resposta. Todas as coirmãs tem, mas na Manga não tem e tudo certo. Na Surdo1 não cabe. Da mesma forma, no Flamengo não cabe essa moda de 3 beques. Não cabe não é porque eu tô velho, desmemoriado e não quero decorar o nome de três malandros em vez de só de dois. Não cabe porque nunca, em tempo algum, essa porra de três beques deu certo no Mengão.
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Mas isso é só um probleminha ínfimo diante do problemão que o Tite tem pela frente. Como a chance dele ser demitido é zero, ele vai ter mesmo que trabalhar muito pra poder mudar essa mentalidade. Não falo da mentalidade do time, mas da mentalidade dele mesmo. O Flamengo é o maior emprego que ele já teve na vida, o maior desafio, a maior das honrarias e o maior dos perigos. Tite não pode admitir (Pareto) que seja também o seu maior mico.
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Mas a torcida tem que fazer sua parte, principalmente cornetando. Quem não chora não mama. Se não deixarmos patente o nosso descontentamento, se não formos capazes de demonstrar com clareza o nosso desprezo a esta maneira vil de enxergar o Flamengo, crime ocorre, nada acontece, feijoada. O malucão Friedrich Nietzsche, filósofo, filólogo, poeta e corneteiro em tempo integral, dizia “Quem não sabe desprezar não sabe respeitar.” Mãos à obra, mulambada. Libertadores não é bagunça, respeitem.
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Mengão Sempre
Artur, é uma pena, mas discordo de você, pela primeira vez na vida. Mas com todo respeito, do tipo do primeiro respeito, sabendo que você é superior.
Primeiro que não valia a pena escalar os melhores nessa pelada bizarra a 3000 metros de altura, como diria Pelé. Tinha que ir era o Sub-20. Na fase de grupos, jogo contra os sherpas é sempre assim. Lembro de times brasileiros fazendo jogos bem piores que esse do Flamengo e perdendo com golzinho de cabeça no final. Não vale a pena.
Segundo, o Flamengo, aprendi aqui, foi criado no perrengue. Classficar-se em primeiro na Libertadores é um erro. Tem que fazer qualquer coisa para passar de fase e ir passando aos trancos e barrancos e ganhar na final. Isso é humildade e mulambagem.
Libertadores só é legal se for assim. Agora temos Arrasca e Pedro fresquinhos querendo afastar a crise. Domingo é dia de chororô.
Para de show!
formidável homilia, meu douto mulambo. essa ficou redondinha como la pelota…
eu não suporto ouvir a ladainha do coach tite nas vitórias, que dirá nas derrotas. infelizmente os colegas jornalistas talvez não tenham sido incisivos o suficiente em confrontar o treinador com a incoerência de suas escolhas escalatórias, inversamente proporcional à grandeza dos torneios e diretamente proporcional a pequeneza dos resultados.
onde já se viu? faltou respeito à torcida, faltou respeito à tradição, faltou respeito à competição, sobrou respeito ao minúsculo botafogo.
meu respeito a esta comissão técnica (que nunca foi dos maiores) agora encontra-se por um fio.
Eu sou o cara mala do seu lado na arquibancada que grita gol antes da bola entrar. Estarei em Buenos Aires profetizando o TETRA. SRN!
(Pensei que o RP&A tinha sido extinto).
Ainda ontem antes do jogo cheguei a comentar, iludido e bem intencionado, que confiava e apoiava incondicionalmente Tite e sua estrelada comissão técnica. É pra aprender a usar o “incondicional” com parcimônia e dependente das circunstâncias, o que estabelece limites e, portanto, já não é mais incondicional. Parece contraditório, e é.
Mas, ao mesmo tempo, não há como negar que, como disse o BH pós-jogo, “é desumano” jogar naquela altitude pornográfica, fato que se repete ano sim, ano também, sem que ninguém berre mais que o John Textor da insanidade que é nivelar o espetáculo por baixo, embora nas alturas – outra contradição.
Mesmo agora, confirmado o placar dos sites de apostas, tenho dúvidas de que Pedro, Arrascaeta, Pulgar e outros titulares fariam alguma diferença. Delacruz, ppor exemplo, errou tudo que tentou e foi o responsável pela perda da bola ao tentar um passe pro Gérson que teria que atravessar o intestino do adversário pra chegar no seu destino, proporcionando o contrataque que culminou no gol dos caras, com o Rossi caindo meia hora antes da bola chegar jurando que ela vinha rasteira. Naquele momento o guia espiritual dele, cuja missão precípua é lhe soprar a coisa certa a fazer, tava no balão de oxigênio.
No final das contas, por mais que os dados científicos tenham o seu valor – e têm -, a teoria na prática é outra. O gigante FBruno ficou grudado no chão incapaz de subir pra impedir o 1º gol e no 2º o próprio Rossi ficou puto consigo mesmo porque sabia que era um chute defensável.
Mas, contrariando as previsões sinistras, talvez por estar todo mundo preparado, embora orando fervorosamente, o mundo não acabou. Ainda.
Mais um que endosso da primeira a última linha.
Qualquer comissão técnica que escala (e mantém) Wesley em campo não merece respeito.