Discutir futebol é sempre divertido e prazeroso, ainda mais para quem torce pelo Flamengo. Mas há certas coisas que eu não discuto.
Um dia, aqui na agência de propaganda em que trabalho, um amigo são-paulino disse que o Cafu tinha sido melhor lateral do que o Leandro. Mudei o rumo da prosa na mesma hora.
Um tema sobre o qual não há chance de debate é o Campeonato Brasileiro de 1987. Qualquer ser humano com o mínimo de bom senso sabe que o campeão foi o Flamengo – e não existe esse papo furado de dividir título com ninguém. É por isso que não tenho paciência quando voltam – e elas sempre voltam – as notícias de que um desses tribunais da vida aceitou o recurso do Flamengo e a questão será reaberta. Entendo que, em termos institucionais, nossa diretoria se sinta obrigada a lutar pelo reconhecimento da verdade, mas, por mim, deixava esse blá-blá-blá tribunalesco pra lá. Nosso título foi conquistado dentro de campo, de forma irrefutável e em grandes duelos contra os maiores clubes do Brasil. O resto é contenda causídica.
Óbvio que ficaram sequelas, e todo rubro-negro tem a obrigação de sentir o mais profundo desprezo por alguns personagens daquela triste palhaçada. Exemplos: Emerson Leão, que após uma derrota para o Flamengo, quando era técnico de um timeco qualquer, declarou que em 87 o Flamengo tivera medo de enfrentar o Sport. Como se fosse crível que um time com nove jogadores que já tinham estado ou viriam a estar em Copas do Mundo – Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho, Leonardo, Zico, Renato Gaúcho, Bebeto e Zinho – pudesse temer qualquer outro do futebol brasileiro, e ainda mais um cuja escalação contava com Betão, Zé Carlos Macaé, Ribamar, Neco, etc. Conta outra.
Também devemos desprezar o atual presidente do São Paulo, Carlos Miguel Aidar. Líder do Clube dos 13 e maior defensor da posição contrária ao bizarro cruzamento entre módulos imposto pela CBF, Aidar fraquejou e não manteve sua palavra. (Em novembro do ano passado, no programa “Bola da Vez”, da ESPN, Carlos Miguel Aidar foi correto ao responder uma pergunta bem direta do jornalista PVC, então na emissora: “Quem foi o campeão brasileiro de 87?” Resposta de Aidar: “O Flamengo”. Entretanto, devido a questões internas do São Paulo, ele sempre preferiu se fingir de morto e jamais moveu uma palha para que essa verdade fosse restabelecida.)
Mais um a merecer nosso desprezo é o ex-goleiro Zetti. Quando um desses tais tribunais declarou o Sport campeão – sempre de forma definitiva, até que chega alguém e diz que não é tão definitiva assim –, Zetti e Rogério Ceni pagaram um orangotango posando ao lado da Taça de Bolinhas. Rogério Ceni a gente entende, é demagogo e adora jogar para a plateia, mas o caso de Zetti é muito pior: era ele o goleiro titular do Palmeiras no Brasileirão de 87, e sabe perfeitamente que, se o seu time tivesse sido campeão, não disputaria cruzamento algum. Entretanto, abusando da falta de memória e do cinismo, aceitou tirar a ridícula foto ao lado do troféu. Papelão.
(Temos outros desafetos, com destaque para Vampeta e Mano Menezes, mas eles não vêm a esse caso. Embora não mereçam, é possível que sejam as estrelas de outro post.)
Ontem foi divulgada a informação de que a ministra do Superior Tribunal de Justiça, Laurita Vaz, acatou o recurso extraordinário do Flamengo para que a querela seja levada ao Supremo Tribunal Federal. De novo: compreendo a postura da diretoria rubro-negra, mas estou babando e andando para o que a Justiça irá decidir. E a não ser aqui no RP&A, onde somos todos humildes, bem-vestidos e – como não cansa de repetir o patrão – fechados com o certo, não aceito discutir o assunto.
Simplesmente pelo fato de que sobre ele não cabe discussão.
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PS: Em maio de 2007, Ubiratan Leal publicou, na décima-quinta edição da revista Trivela, a matéria “Crise, revolução e traição”, com a versão definitiva sobre o Campeonato Brasileiro de 1987. Não consegui encontrar o artigo na internet para disponibilizá-lo aqui, mas tenho o texto completo em minha máquina. Se alguém quiser, posso copiar e colar na caixa de comentários.
SUPERIORIDADE E SUPREMACIA
Como torcedor, coaduno com a forma com que o ilustre Jorge Murtinho encara o resultado do campeonato brasileiro de 1987, uma vez que o título conquistado dentro de campo foi inquestionável, esportivamente falando. No entanto, foi devido ao pouco caso que o Clube de Regatas Flamengo deu ao caso, como tão bem destacou o Áureo Rocha em seus comentários, que perdemos a supremacia e, até mesmo, a superioridade que detínhamos na cidade do Recife.
Apenas para ilustrar, na aviação militar considera-se superioridade aérea quando se possui aviões mais modernos e em maior número que o inimigo. Porém, quando essa superioridade é muito acentuada, capaz de impedir que a aviação inimiga chegue, sequer, a levantar voo, diz-se que há supremacia aérea. É o que ainda ocorre aqui no Nordeste com o Flamengo, que ainda detém supremacia na preferência do torcedor.
É exatamente sobre isso que desejo falar, uma vez que o assunto sobre o título de 1987, que é nosso e ninguém toma, já foi devidamente esgotado nas objetivas palavras do Áureo Rocha, a quem já me referi. Deixei o Recife, onde morava, cidade na qual o Flamengo deixou de ser amado pela grande torcida do Sport em função de uma batalha que para nós não fazia muito sentido mas, para eles, foi a única grande oportunidade que lhes foi apresentada para fazerem história no futebol brasileiro, em que pese terem vencido uma Copa do Brasil há poucos anos.
Vim para João Pessoa, onde o Flamengo detém absoluta supremacia, contudo fiquei impressionado com a quantidade de pessoas usando camisas e abrigos do Corinthians, suplantando em muito o nosso mais histórico rival, o Vasco. Na época em que o Rio de Janeiro era a capital do país, a influência política e social carioca asfixiava a importância econômica dos paulistas. Hoje não, excluindo as emissoras da Rede Globo, no restante dos programas esportivos, tanto na TV aberta quanto na paga, passam mais de 80% do tempo cobrindo os clubes paulistas.
Como dizem os românticos, o amor é como uma flor, precisa ser regado. Gostaria muito que esse meu apelo fosse ouvido pelos dirigentes do Flamengo e que, por conseguinte, medidas fossem tomadas para que a torcida do Norte e Nordeste fosse mais aquinhoada para ver o Mengão de perto. A simples presença do time master, com ou sem Zico e Junior, mesclado ou não com profissionais em atividade, já seria algo de grande efeito mobilizador. Não há risco de prejuízo, desde que a organização seja comandada por um homem de confiança do presidente.
Além disso, no primeiro semestre de 2016, quando Maracanã e Engenhão estarão fechados em virtude das Olimpíadas, haverá uma grande oportunidade de fazer jogos oficiais nas cidades que nos são mais favoráveis. Há oportunidade de venda de ingressos antecipada e vasta promoção do Programa Sócio Torcedor. Não sou economista, mas as possibilidades de faturamento são invejáveis, não há outro clube brasileiro capaz desse tipo de empreendimento obtendo tanto lucro quanto o Mais Querido.
A par desse bom negócio, o Flamengo estaria massageando o ego de seus torcedores. Fui a dois jogos do Flamengo aqui em João Pessoa, pela Copa dos Campeões, e fiquei emocionado com a festa que foi. Veio gente de todo canto do Nordeste, os hotéis lotaram, os restaurantes e quiosques faturaram alto. Para chegar ao estádio, a Estrada de Cabedelo engarrafou por vários quilômetros e as pessoas transformaram aquele inconveniente num verdadeiro carnaval.
O Flamengo não pode negligenciar seu prestígio nacional, ainda mais em época de grande influência do gigante Estado de São Paulo, sob pena de abalar esse grande patrimônio potencial que é a sua incomparável Maior do Mundo. SRN
Eu sempre ficava me perguntando por que o Flamengo perdeu a questão do campeonato de 87 na justiça, se todos os fatos sempre estiveram do seu lado? Se o direito lhe era favorável?
Afinal, o Conselho Nacional de Desportos, que era a palavra final em questões jurídicas na esfera esportiva na época (ainda não havia o STJD), já havia reconhecido o Flamengo como o legítimo campeão de 1987. E notem que o CND era presidido por uma vascaíno, Manoel Tubino.
Posso estar equivocado, mas depois de inúmeras pesquisas, foi que eu entendi que o Flamengo somente perdeu a causa, em decorrência de muita negligência na defesa dos seus interesses.
Desde o início da propositura da ação em 1988, no Estado de Pernambuco, até sua decisão final em 1999 , no Superior Tribunal de Justiça em Brasília, o Flamengo cagou e andou para este processo.
Qualquer estudante de Direito sabe sobejamente que é elementar contratar-se um escritório de advocacia com escritórios na comarca onde tramita ação, para nele atuar.
Ora, o processo tramitava em Pernambuco e os advogados do Flamengo moravam no Rio de Janeiro. A verdade é que cagaram e andaram.
Foram 11 anos de presidências diversas, sem que ninguém se interessasse de verdade em defender o Flamengo. Todos esses presidentes também cagaram e andaram para o processo.
Para se ter uma ideia da falta de zelo, da omissão da defesa nos autos, quando o Flamengo foi derrotado na primeira instância, os advogados contratados não entraram com nenhum tipo de recurso, ou seja, cagaram e andaram. Você acredita nisso, meu amigo, Carlos Moraes?
E alguém defendeu o Flamengo, no STJ, em Brasília? Eu respondo: não. Cagaram e andaram.
Enfim, o departamento jurídico do Flamengo, representado por todos os advogados que nele atuaram nesses 11 anos, deixou a coisa correr solta, ou seja, cagaram e andaram para o processo.
Então, que me desculpe o Murtinho e todos os que têm o mesmo entendimento dele, mas foi por cagarem e andarem para o campeonato brasileiro de 1987, é que perdemos juridicamente um brilhante título conquistado no campo.
Eu penso diferente, eu penso como o Edvan, devemos lutar sempre, com o máximo vigor, em todas as áreas, para não permitir que prejudiquem o Flamengo.
Por isso bato palmas de pé, para o presidente Bandeira de Melo, que contratou um dos melhores escritórios de advocacia aqui do Rio de Janeiro, a fim de defender o Flamengo nesta questão.
Podemos até não vencer a demanda, porque uma causa dificílima, mas o presidente Bandeira de Melo, só por isso, já merece a admiração de todos os flamenguistas.
Tivessem aqueles presidentes do passado adotado esta mesma atitude do nosso Bandeira de Melo, o Flamengo não teria perdido absurdamente, na esfera judicial, o título de campeão brasileiro de 1987.
Presidente Bandeira de Melo, meus sinceros parabéns pelo empenho demonstrado na defesa dos interesses do Flamengo.
Tudo pelo Flamengo.
Ótima argumentação, Aureo.
Esclareço: em momento algum eu defendo a atitude omissa das diretorias anteriores, que você denuncia. E reforço: em momento algum condeno o esforço da diretoria atual, que você aplaude. Apenas acho que o tempo se encarregou de transformar o assunto, que àquela época seria de uma justa luta pelo reconhecimento de um direito conquistado dentro de campo, em algo tribunalesco.
Morro de medo de dar espaço para a arcoirizada nos colocar no mesmo escaninho da turma das Laranjeiras, que se jacta de resolver fora de campo o que não consegue fazer lá dentro. Óbvio que o caso é totalmente diferente, mas acaba ficando a imagem.
Parabéns, Aureo. A sua posição sobre o assunto é bacana, e o seu comentário é magnífico. Grande abraço.
Parabéns Jorge!
Ótimo texto!
SRN!
O link para a matéria citada é esse:
http://trivela.uol.com.br/crise-revolucao-e-traicao/
Encontrei o texto que você se referiu na Internet.
Realmente é bem elucidativo.
SRN
Jorge, copia e cola aqui o texto, ou me manda por email por favor. Obrigado.
SRN
Concordo em grau, número e gênero com você não pode haver duvidas de quem foi o campeão brasileiro de 1987. Aquele módulo era dos times de maior investimento no futebol brasileiro. E digo mais, deveria ser reeditada aquela organização, criando-se uma Liga, para gerir um campeonato nacional, deixando a CBF responsável apenas pela Seleção Brasileira. Sobre o campeonato de 1987, outro dia ouvi o Zico falando no Jogando em Casa da Esporte Interativo, que se tivesse sido outro time (Inter) campeão, ninguém estaria contestando, prova mais do que inequívoca que as demais torcidas no Brasil, tem inveja de nós. SRN
Ainda não li o texto a que vc se refere, mas não preciso. Nunca precisei. Esse assunto já deu o que tinha que dar e já encheu o saco mais do que ele (saco) pode suportar. Mas tem uma coisa que não abro mão: a diretoria do Flamengo não pode, DE JEITO E MANEIRA ALGUMA, aceitar que o título seja dividido. Se fizer isso, perde a força da integridade moral. E mais, ainda dentro dessa visão, deve cobrar publicamente que o Aidar confirme sua posição assumida naquela epoca. Fim de papo.
André, atendendo ao seu pedido, com palavras simples, fugindo dos jargões jurídicos, vou procurar explicar a questão do Brasileiro de 1987, de forma resumida.
Conforme sentença que transitou em julgado (não cabe mais recurso) em 05/04/1999, a CBF foi obrigada a reconhecer o Sport como campeão de 1987. Entretanto, muito antes mesmo de sair a sentença, a CBF já havia reconhecido o Sport como campeão, tanto que ele foi um dos representantes da Libertadores de 88.
Agora, no ano de 2010, a CBF entendeu que diversas competições, mesmo não sendo designadas como campeonato brasileiro, tinham a força de um verdadeiro brasileirão, e, em decorrência, declarou Santos, Cruzeiro, Fluminense, Palmeiras e Bahia como campeões brasileiros.
Posteriormente, seguindo a mesma linha, a CBF entendendo que a Copa União de 87 também possuía a força de um campeonato brasileiro, declarou o Flamengo, juntamente com o Sport, campeão brasileiro de 1987.
O Sport recorreu argumentando que a justiça (na linguagem técnica: o Judiciário) lhe concedeu o titulo de ÚNICO campeão brasileiro de 1987.
A Ministra Nancy Andright, que foi a relatora do processo no STJ, observou que a sentença de 05/04/1999 teve como objetivo obrigar a CBF a reconhecer o Sport campeão de 87. Entretanto, como a CBF espontaneamente em ato materializado em 1988, já havia reconhecido o Sport como o campeão, a sentença perdeu o seu objeto. Por outro lado, o Sport não pediu o cumprimento da sentença, ou seja, não deu ciência do seu teor para que a CBF a obedecesse.
Resumindo, na CBF constava o Sport como campeão não por uma determinação judicial, mas por um ato espontâneo da própria CBF.
Dessa forma, a Resolução da CBF que declarou o Flamengo campeão não poderia jamais macular a citada sentença, repito, da qual a CBF não foi intimada oficialmente para o seu cumprimento.
Ora, o Sport quando viu a Resolução que declarava o Flamengo também campeão de 87 foi que pediu o cumprimento da sentença, ou seja, 12 anos depois da sua publicação.
Com esse entendimento, a Ministra reconheceu que o Sport utilizou-se do procedimento inadequado, para pedido de cumprimento de sentença, com fins de obter a revogação da Resolução, alertando ainda que somente agora, passados mais de 12 anos do trânsito em julgado da sentença, é que o Sport vem requerer o seu cumprimento, e por meios inadequados, repito.
Entretanto, o Ministro Sidnei Beneti, entendeu de forma contrária, argumentando que a sentença quando afirmou que o Sport é o campeão de 1987, a sentença quis dizer o ÚNICO campeão. Afirma também que a sentença já transitou em julgado, não cabendo mais discussões sobre a matéria, já que é coisa julgada.
Conclui o citado Ministro, após exaustivo trabalho de 13 laudas, que a Resolução da CBF contrariou a coisa julgada.
Votaram contra os Flamengo os seguintes Ministros:
Sidnei Beleti, paulista, Ricardo Villa Bôas, paulista, João Otávio de Noronha, mineiro, e Paulo de Tarso Sanseverino, gaúcho.
O Flamengo entrou com um recurso extraordinário, que foi aceito, pela Ministra Laurita Vaz, e que será julgado no Supremo.
Como eu não tive acesso ao Recurso Extraordinário do Flamengo, não sei as questões que serão analisadas pelo Supremo. Mas, eu pressuponho que devem ser as seguintes:
1. O Sport se utilizou do meio adequado para requerer o cumprimento da sentença?
2. A CBF ao declarar o Flamengo campeão de 87 contrariou a sentença da qual não tinha ciência oficial?
3. O que prevalece, a sentença que declarou o Sport o campeão de 87 (coisa julgada) ou a autonomia constitucional da CBF de decidir em questões esportivas?
O importante de se destacar neste último item é que não existe hierarquia entre normas constitucionais. Assim, tanto os argumentos da coisa julgada (a sentença que declarou o Sport campeão de 87), quanto os argumentos da autonomia constitucional da CBF, (que por Resolução declarou o Flamengo também campeão de 87), são válidos.
Porém, eu creio firmemente que enfim a Justiça será feita, com a definitiva declaração do Clube de Regatas do Flamengo como campeão de 1987, pelo Poder Judiciário, no caso, pelo Supremo Tribunal Federal, porque agora estamos com o bom direito.
Na esfera esportiva, ninguém tem dúvida de que o legítimo campeão brasileiro de 1987 foi o Flamengo.
Sempre Flamengo.
Muito bem explicado Aureo …. valeu!
Entendi o andamento do Processo perfeitamente agora.
Aguardaremos o desenrolar dos fatos.
SRN