Eu tenho um amigo muito flamengo, morador da Rocinha, que viu a final do Brasileiro de 1992 da geral. Mal adentrou o Maracanã, todo suado e corrido da cavalaria, já tomou um mata-cobra pelo meio dos dentes, de um desconhecido botafoguense. Fim de jogo, Flamengo campeão. E meu amigo decidiu que, já que tomara um prejuízo, merecia ao menos tomar parte da festa. Foi até o fosso do estádio, pulou na coleira do cão policial, deu um puxão para dar impulso, e foi parar no gramado – enquanto o pobre pastor alemão e seu colega polícia tentavam escalar de volta para o campo. Meu amigo até hoje guarda dois troféus daquela tarde: um vídeo onde aparece correndo ao lado do Júnior e do troféu das bolinhas; e o sorriso com o centroavante faltando, na parte de cima da arcada dentária.
Eu tenho outro amigo que armou de ir de carro a Belo Horizonte, para pegar um Flamengo x Cruzeiro, mas na véspera, sabadeira, não resistiu: partiu, junto com um dos loucos, até a quadra da Mangueira. Manguaçados, os aventureiros só deixaram o morro de manhã, perto da hora de zarpar – com uma simpática foliã junto com eles. Convidada, a baixinha não titubeou: também queria passear em Minas. Foram os cinco apertados no carro. Lá, um acabou preso por porte de álcool pela carinhosa polícia mineira, os outros ficaram na maior ressaca, derrota total. Mas, arrá, terminaram salvos pela nova amiga, que assumiu o volante, e encarou seis horas de estrada, risonha, enquanto os quatro cochilavam. Para casar, diz aí.
Eu tenho um amigo que foi ao Maracanã, em noite de Libertadores, e voltava feliz da vida para casa. Ao parar num isopor para renovar a cerveja, um pedinte descalço o abordou. Dica para cariocas: se o Flamengo ganhar, fique na saída do estádio e peça qualquer coisa para sua torcida humildona. Meu amigo não tinha tanto trocado, então deu seu chinelo, um abraço de estalar ossos e, dizem, uma mordida no cocuruto do fera. E saiu descalço, sambando na lama e entre os cacos de vidro, até encontrar sua carona.
Eu tenho um amigo que ligou a TV para ver um Guarani x Flamengo decisivo (bons tempos), até que a campainha desatou a apitar. “Não estou para ninguém”, berrou. “Deixa tocar!”. O visitante no portão não desistia, e depois de mais um toque insistente, saiu gol do Guarani. Alguém rapidamente acorreu e desfez o mistério: era um de seus cupinchas mais próximos, ávido para lhe entregar seu convite de casamento, que foi recebido e 90 minutos depois repassado ao agoniado torcedor. “Hein? E isso lá é motivo de interromper um jogo do Flamengo? Pois não vou nesse casamento”. E não foi.
Eu tenho um amigo que estava no Clipper, vendo as garotas do Leblon a caminho do mar, quando um tricolor querido pôs pilha: vamos ao Maracanã? Hoje tem Fla-Flu! Eram os anos 1960. Banho rápido, e foram os dois. Um combinado apenas: a gente salta onde o taxista nos deixar e entra às cegas, sem escolher portão ou torcida. Onde pararmos, a gente entra e vê a partida junto. Beleza. Tocaram para dentro e, ao sair do túnel, meu velho amigo teve a visão: em meio à névoa de pó branco, lá do outro lado do Maraca, a massa rubro-negra em seu esplendor. Riram nervoso e se aboletaram no degrau de cimento. Ele, moita. O Flamengo tratou de meter 4 a 1 no Flu aquele dia. A cada gol, o tricolor cutucava, levemente vingativo: “Melhor tu não comemorar, hein…” Meu amigo se divertiu, mas não recomenda.
Tenho um amigo que viveu uma curiosa história romântica num Flamengo x Vasco, quando foi com a esposa ao Maracanã. Final da Copa do Brasil de 2006. Fizeram uma pré daquelas com a rapeize e foram para o estádio. No Bellini, beijinho de despedida: ela ia de camarote com amigos, ele de arquiba. Marcaram ali na volta. O jogo foi tenso, mas terminou perfeito: gol do tampinha Juan, Flamengo campeão, tudo como mandava o figurino. Voltaram radiantes para a zona sul, e tome de cerveja no bar favorito, com direito àquela resenha sobre o jogo, todos comentando como viram cada lance, já pensando na Libertadores do ano que vem. Mas sempre tem um desmancha-prazeres, e um companheirão do cachaça levantou a lebre: “Aí, estava para te perguntar… Cadê sua esposa?”. No celular do cabeça de vento, 217 ligações não atendidas. Dormiu no sofá até o Hexa do Angelim.
Eu tenho um amigo que recebeu um telefonema do pai, grave, informando o inevitável: a avó, que vinha fraquinha, estava mesmo nas últimas. Família no hospital, e o corpo de médicos tratou logo de desenganar a parentada. Seria em poucas horas, não passaria daquele domingo. Ficaram por ali algum tempo, emotivos e solenes, no aguardo do imponderável. Até que o maluco chamou o velho: “Pai, e aí? Vovó morre ou não morre? Tá quase na hora do jogo. Posso ir ao Maracanã?” A avó faleceu ali pelos 25 do primeiro tempo, ele soube depois.
Eu tenho outro amigo que viajou para a Nova Zelândia, num intercâmbio estudantil, e lá ficou sabendo que Flamengo e Vasco fariam a final do Campeonato Estadual. O ano era 2001, e o amigo não queria ficar agoniado sem saber o resultado. Achou que telefonar para casa no fim da partida também seria pouco, e se preparou para “ver” o segundo jogo da final do jeito que dava. Primeiro, pôs o despertador para sete da matina da segunda-feira, horário de Wellington (a capital de lá, não o zagueiro). A seguir, esperou o alemão do quarto ao lado, Jacob, acordar – ele era o único que tinha internet, ou melhor, era o único que parecia saber o que era internet. Cabo conectado (não existia wi-fi, crianças), jogo rolando, o sinal da escola já batera e o valente site Pelé ponto net narrou assim:
> 42 minutos: Edílson recebe bola de Leandro Ávila do meio-campo e chuta para dentro da área.
> 42 minutos: Falta para o Flamengo.
(Computador carrega por três minutos)
> 43 minutos: Goleiro Helton ajeita barreira. Petkovic na cobrança da falta.
(Computador demora mais três minutos, vai desgraça)
> 43 minutos: Gol do Flamengo: Petkovic.
(Computador carrega dez minutos, jovem alemão quase fica sem o cabo, todo roído)
> Fim de jogo: O Flamengo é tricampeão estadual.
Meu amigo entrou pulando na sala de aula abraçando todo mundo, e até hoje tem fama de louco total, na Oceania e em mais três continentes à sua escolha.
E você, também tem algum velho amigo flamengo? Faça sua homenagem a ele e conte sua história aí para a gente.
Comentando só agora mais esse texto sensacional… ps. A história da Nova Zelândia eh demais rsrs
Voltando a este post pq me aconteceu um causo hoje (sexta, 13/9/2019).
No mercado, na hora do caixa, dois meninos, de uns 10 a 12 anos, pagam a compra. Um, mais gaiato, pergunta ao empacotador:
“Tu torce pra qual time?”
O cara, apático, só mexe a cabeça negativamente. Não torce pra ninguém.
Percebo a decepção do menino.
Pergunto, então:
“E vocês, torcem pra quem?”
“Flamengo, tio! E tu?”
“Mengão tbm! Vão ver o Flamengo e Santos amanhã?”
“Vamo!”
“Querem ver gol de quem?”
“Gabigol” (já fala lançando a comemoração do artilheiro)
Eu digo que quero ver gol do Bruno Henrique.
O outro menino diz:
“Eu gosto mais do Arrascaeta, pq ele faz a bicicleta bem bonita”
Os meninos saem, eu fico olhando, orgulhoso dos rubronegrinhos.
É isso, senhores.
Mengão tá fazendo a gente sorrir e sonhar como criança de novo.
(um pouco depois, já no carro, fico um pouco triste lembrando dos garotos do ninho, é verdade. espero que justiça seja feita logo para as famílias. essa é a nódoa no nosso – finalmente – ano mágico.)
Final do Brasileiro de 2009. Domingo. Na segunda-feira tinha uma audiência. Teria que viajar após o final do jogo. O único problema é que não tínhamos ingressos. Eu, um colega e seu pai.
Nessa época o ingresso era comprado com a apresentação de um produto Nestlé. Custava R$ 30,00. Eu acho.
Sai de Manaus na sexta-feira à noite. Os dois iriam no sábado. No sábado de manhã fui ao Maracanã atrás de cambistas. O local estava cheio de PMs à caça dos negociadores. Após um contato, combinamos para uma conversa em um bar próximo. Comprei os 03 ingressos. R$ 1.200,00. R$ 400,00 a unidade.
No domingo saímos cedo. 13 h. Ao chegar próximos a catraca, várias pessoas estavam sendo barradas por ingresso falso. E agora? Deu tudo certo. Entramos e nos posicionamos junto à Raça Rubro-negra. Atrás do gol onde p jovem zagueiro empatou o jogo. David Braz. Setor verde.
No intervalo, me despedi dos dois. Eles iriam na segunda. Me dirigi para me posicionar no meio-campo, de frente para a rampa que dá acesso à Estátua do Bellini. Saída estratégica.
Demorei mais de 20 minutos para descer. Era tanta gente que o caminho delimitado para a saída não existia. Enfim, cheguei ao local. Vi Ronaldo Angelim marcar o gol do título.
Faltando 5 minutos para o término da partida, desci a rampa e avistei um cidadão sendo agredido por pessoas que entram com a abertura dos portões. Se aproveitaram que estava só e tentavam furta-lo. E agora, José? Encaro as figuras? A minha sorte é que vinham descendo atrás de mim um grupo de PMs. Os indivíduos se posicionaram nas laterais da rampa. Aproveitei e na correria passei por eles. Peguei um táxi em frente à Estátua e me dirigi ao Aeroporto do Galeão. Hoje, Tom Jobim.
Para minha surpresa, o aeroporto estava apinhado de torcedores do Flamengo. O Brasil inteiro estava representado no jogo. Todos tiveram a mesma idéia e necessidade de chegar a tempo em seus locais.
Hoje, não sei se faria essas loucuras. Sem ingresso, quase assaltado e a despesa vultosa.
Valeu a pena.
SRN
O Chico, na frente dele a gente chamava de professor, por trás era Chico galo cego, baixinho, mulato sarará, cabelo carapinha meio avermelhado, autêntico mesmo, ainda não acaju, óculos fundo de garrafa à frente de um dos olhos de coloração meio azulada, saltado, além de rubro-negro fanático era metido a comer mulher, e contava as suas aventuras sem nenhuma cerimônia, ninguém duvidava, tamanha a riqueza dos detalhes, boquirroto dos bons, o nosso Galo Cego. O Chico como professor de curso noturno devia ter facilidade nas conquistas com as sua alunas já bem crescidas e ainda não havai a tal figura do assédio sexual, ele não fazia segredo e durante suas narrativas erótica mostrava uma língua gigantesca, dando a entender que ali estava o grande segredo que as mulheres caíam fascinadas por ele. O cretino era casado, nunca conheci sua mulher, deveria ser loura, não sei se oxigenada ou não, porque ele quando se referia à esposa, dizia “a minha russa, loura”, quase sempre com um “se ela sabe a metade disso”.Íamos sempre ao Maracanã, e eu praticamente irradiava o jogo pra ele, pois ele não enxergava bem lá do alto das arquibancadas, sem ser nenhum Oduvaldo Cozzi eu narrava o jogo a minha maneira, não chegava ficar rouco, pois alguns lances mais próximos ele até que enxergava. Esqueci de acrescentar, a cegueira aumenta na proporção ao teor alcoólico na corrente sanguínea, aí estou me referindo também ao locutor que vos fala. Um dia no final de uma chopada combinamos ir a São Paulo ver Flamengo e Santos no Pacaembu. Mais dois caras toparam, meu irmão e um amigo dele, claro, todos tremendos pés de cana. A porranca fora sábado, sairíamos domingo pela manhã. Cedinho, eu e Chico já estávamos na praça Mauá, lá era o terinal rodoviário, tudo quanto é ônibus saía dali, tinha até topônimo, o edifício até hoje está lá não sei se com o mesmo nome. Perdemos o primeiro ônibus, pois meu irmão e o outro cara passaram a noite na esbórnia e chegaram atrasados, para variar, viraram redondo. Dentro do Pacaembu os quatro já devidamente de porre, um dilúvio, não sei como consegui irradiar o jogo para o Chico através daquela chuva, primeiro pela cortina de água que quase impossibilitava de se ver o gramado, depois pela rapidez de Pelé e companhia, impossível de ser acompanhada a olho nu. O resultado bem normal, parece que o Santos goleou de 5 a 2 ou 5 a 1, não me lembro. Na volta eu e Chico roncando nossa ressaca no ônibus, os dois outros ficaram por lá perdidos, desvairados na pauliceia.
Deixa contar minha história…
Sou de família baiana mas nasci no Rio. Um dia minha mãe liga de lá pro meu tio, em Santaluz-BA “vem pro Rio ser padrinho de Heric”. Meu tio chama um amigo “Burica, vamos pro Rio de Janeiro que vou batizar meu afilhado” (eu fui o primeiro de muitos). Burica topa. No dia seguinte meu tio tá arrumando a mala no fusca e chega Burica de calça, sandália de dedo e uma sacolinha de papel embaixo do braço.
São 1.600Km de Santaluz pro Rio de Janeiro. Estamos falando em uma viagem de fusca em 1975!!!!
Os dois pegam a estrada com tanque cheio. Param pra tomar café. Seguem pela estrada. Depois param pra almoçar às custas de Burica… mais estrada. Gasolina… quanto chegam perto de Vitória da Conquista-BA Burica pergunta “falta muito?”. “Falta. Por quê?”. “É que tô ficando sem dinheiro. Aquele almoço foi caro”.
Pensem em uma merda no resto da viagem inteira!!!!!
Eles chegam no Rio, tudo lindo. No sábado tem FlaxFlu. Meu pai, meu e Burica tio vão ao Maraca. Não sei o resultado. Sei que meu pai toma umas e vai pra casa. Meu tio e Burica seguem o rumo deles.
No dia seguinte era o meu batizado. Meu tio ainda estava tão bêbado que saiu da igreja pra vomitar e meu pai acabou “me batizando” 🙂
Hahahahahahaha muito foda, tava fazendo falta Dunlop…. está “cuellando” pra ser negociado para outro blog? SRN
Final do Carioca 1999. O Vasco tinha um timaço e a gente se virava com o que tinha. Pra se ter uma ideia, o Maurinho era titular ABSOLUTO da lateral direita… Eu já estava roendo o osso do dedo indicador direito, pois a unha e a carne já tinham ido embora no final do primeiro tempo. 0x0 que dava o título para os caras e tudo indicava que iam fazer um gol a qualquer momento – tornando a virada (impossível) obrigação para evitar a tragédia. Falta pra gente, batida seca de Rodrigo Mendes e desvio na barreira, bola morrendo mansa no canto inferior direito de Carlos Germano e intermináveis 15 minutos para o fim do jogo. O juiz apita, eu abraço a tv e começo a chorar convulsivamente. Minha mulher entra na sala, me dá um esporro – “onde já se viu chorar por causa de futebol” ; e eu respondo ” me deixa em paz, mulher insensível”.
Eu tenho um amigo que certa feita deu de cara com o hotel do Mengo em um jogo contra o Flu. Foi de carro acompanhando a caravana e por fim ele percebeu que aquilo não havia dado certo. Fla perdeu. Passou um tempo, Fla e Bota decidem a final do turno do Carioca. O que ele fez? Claro, ficou lá encarando os jogadores do Bota entrar um a um no ônibus. Pegou o carro e foi atrás do ônibus. Gênio. Flamengo campeão.
Dunlop, tu tá parecendo o Arrascaeta: passa o jogo inteiro chupando manga e de repente, não mais que de repente, aparece e marca um golaço.
srnp&a
Outra ótima. Parabéns pelas histórias, daquelas que só acontecem com rubro-negros. Beijos
Excelente como sempre
Abracos