Em mais um 13 de dezembro marcante para o clube, o escrete flamengo acaba de decolar rumo a, se minhas contas estão certas, seu 21º torneio no ano, fora a esnobada Copa Mickey.
Chego a bufar como um beduíno no deserto só de pensar em toda logística envolvida na odisseia até o Catar – pense comigo: desembarque, coletivas, hospedagem, exercícios, tirar o Rodinei do Free Shop, treinamento, venda dos cavalinhos do Flamengo, fabricação de camelinhos do Flamengo etc. Contudo, é preciso admitir que a coisa já foi bem pior.
A geração de ouro dos anos 1980, se era ainda mais genial que esta, ainda não usufruía de um ambiente tão profissional, mesmo porque o futebol ainda não contava com os recursos e a estrutura de hoje. Quem tem todas as histórias dessa época na cabeça – e agora nas páginas de suas memórias – é a jornalista Marilene Dabus, repórter pioneira, VP de comunicações de Marcio Braga e solucionadora de pepinos mil nos tempos românticos do Flamengo.
Por culpa do Arthur Muhlenberg e seus livros ainda não li “A moça do Flamengo” (Editora Museu da Pelada, 2019), mas algumas histórias clássicas tenho certeza de que lá estão. No gol de Rondinelli, por exemplo, Marilene pulava e se abraçava com companheiros na tribuna do Maracanã, quando foi brindada com uma das mais bizarras celebrações rubro-negras até hoje: o colunista Zózimo, cheio de birita, caiu no chão no meio da vibração e, vendo Dabus por um ângulo diferente, interrompeu o urro de gol para dar uma dentada nos glúteos da amiga, de marcar a carne e tudo.
Marilene, que tira onda de ter escrito a primeira matéria sobre o Zico, coleciona muitas glórias como se nota, mas a nação rubro-negra tem uma dívida palpável com “a moça do Flamengo”: não fosse ela, talvez hoje não teríamos em nossa vasta coleção de títulos um de seus mais imponentes e maciços troféus.
Em seu livro “Boêmios e bebidas”, o cronista rubro-negro Paulo Pinho narra a saga, ocorrida na longuíssima noite de 29 de maio de 1983, poucas horas depois do time treinado pelo ex-capita Carlos Alberto Torres enfiar 3 a 0 no Santos (Zico e Leandro no primeiro tempo; Adílio no segundo), diante de 155 mil pessoas. Mengão tricampeão brasileiro, e tudo liberê na boate Hippopotamus, perto da Praça da Paz em Ipanema. E o que é que só você viu, Paulo Pinho?
“Chegam todos – dirigentes, jogadores, esposas, namoradas, amigos e a imensa taça de campeão brasileiro, com quase dois metros de altura. A jornalista Danuza Leão, na época relações públicas da boate do Ricardo Amaral, separou para a comemoração uma mesa grande nos fundos da casa. Festança das boas. Muito uísque, champanhe, vodca, cerveja. Gritos de Mengo ensurdeciam o ambiente…”
Segundo o cronista, Sandra e Zico foram os primeiros a ir para casa, seguidos de Andrade, Raul e, altas horas depois, Leandro – amarradão em repassar 800 vezes o seu gol aos convivas. A farra só acabaria ali pelas quatro e meia da matina, quando Marilene pôde enfim se pirulitar para casa. Dez horas da manhã, seu telefone toca: era o presidente do clube, Antônio Augusto Dunshee de Abranches, aos berros, desesperado.
– Marilene, e a taça? Nós perdemos a taça, Marilene!
E a jornalista, numa ressaca tremenda:
– Não, presidente, nós ganhamos. O jogo foi 3 a 0! Eu, hein!
Pois é, em meio à zorra rubro-negra em Ipanema, foram todos indo embora e ninguém lembrou da taça. A qual Marilene, esfregando os olhos, enxergou ali, toda pimpona, enfeitando seu quarto.
Fomos salvos, altas horas da matina, pelo atento mâitre do Hippopotamus, que alcançou Marilene na porta e chamou:
– Dona Marilene, o que eu faço com isso?
A taça havia sido deixada entre as garrafas de bebida, e só conseguiu ser transportada para a casa da VP de comunicação com o auxílio do mâitre, dois garçons, um carro, um porteiro e um faxineiro, cinco figuras de suma importância para o Flamengo que infelizmente a história rubro-negra não registrou. Todas as honras, portanto, a Marilene Dabus, madrinha dessa intrépida trupe.
E bem que podíamos ter outra ressaca daquelas, né não? De preferência, ainda em 2019. Sim, a gente aguenta.
Ótimo artigo, contendo, além das aventura da Marilene, do Zózimo e de outros mais, alguns dados essenciais.
Destaco – mesmo que fora do tema central (óbvio, Marilene) – uma frase – ^mesmo porque o futebol ainda não contava com os recursos e a estrutura de hoje.^
Fundamental na tola discussão de se procurar afirmar se a Diretoria B é melhor do que fora, no passado, a Diretoria A, até mesmo se o time atual é melhor que aquele soberbo de 1981.
Fazendo uma comparação estúpida é querer comparar o Séc. XIX com o XX e assim por diante.
Não dá, simplesmente impossível.
Tudo bem, voltemos às aventuras da Marilene, que ainda não li.
SRN
FLAMENGO SEMPRE
Valeu, Dunlop, homenagem mais que merecida à nossa querida Marilene. Já tive a oportunidade de ler todo o livro, existem histórias sensacionais, desconhecidas do grande público. Marilene escancarou o coração e relatou até o famoso “affair” que teve com Manicera, na realidade, uma grande paixão.
No universo feminino, Marilene é uma lenda viva do Flamengo. Salve a Moça do Flamengo.
Que beleza! Marilene é uma lenda viva e, pra mim, tá no mesmo patamar de rubro negros ilustres como Rogério Steinberg e João Henrique Areias pela relevância dos serviços prestados.
Obs: Zózimo era danado!
SRN
Sesacional! Já mandou pra Marilene ler?