Que joguinho vagabundo. As duas equipes menos pobres do Brasil e que mais venceram as competições que importam nos últimos cinco anos foram incapazes de prezar pela sua própria imagem ao protagonizar uma pelada de apurado mau gosto. Enquanto esporte o jogo não trouxe nada significativo em termos de excelência atlética, seja velocidade, força, resistência, flexibilidade ou destreza. Muito menos no aspecto estético, um jogo feio, truncado e ordinário. Era uns caras lá se empurrando, dando pernada e, vez ou outra, dando uns chutes numa bola.
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No aspecto tático ou estratégico a mesma pobreza de propósitos. O anfitrião, visivelmente mortificado com a possibilidade de levar outro sapeca iá-iá do Flamengo dentro do chiqueiro, se amontoou em seu campo numa retranca medieval mantida na base da porrada e bola quebrada pra não deixar o Flamengo evoluir com sua natural malemolência pela avenida. Apenas mais uma forma dissimulada e covarde de violência. Com o agravante moral do beneplácito da arbitragem ao comportamento que deveria coibir.
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A galera mais da antiga deve ter lembrado na hora do Philip Stubbes, um escritor panfletário inglês do século XVI que não curtia muito o futebol da sua época: “Um jogo bárbaro, que só estimula a cólera, a inimizade, o ódio e a malícia.” Na real, Stubbes, que estudou na Universidade de Cambridge mas não completou o curso, era um puta de um mala. Sua obra de maior sucesso, The Anatomie of Abuses, de 1583, era um violento ataque aos costumes da época, incluindo o teatro, a jogatina, as bebedeiras, o futebol e a moda. Tudo que é maneiro e o povo gosta. Mas o tempo provou que ele tava certo na sua bronca contra o brutal mob football da época.
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Se em 1848, trezentos anos depois de Stubbes dar o vazari da facu deixando várias mensalidades em aberto, a galera de Cambridge não tivesse metido os peito e elaborado as regras do jogo valorizando a destreza em vez da força, proibindo o soco na cara e o chute nas partes baixas dos amiguinhos, regras então revolucionárias que evoluiram para o esporte que se pratica atualmente, hoje o futebol estaria sendo disputado pelas ruas das cidades por imensos arrastões formados por gente doida, armada de paus, pedras, correntes e o que mais estivesse à mão, dedicada a ferir, matar e roubar os não irmãos sob o pretexto de enfiar uma bola feita de bexiga de carneiro em algum lugar predeterminado.
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Como o Flamengo não é Cambridge, não fez nada de efetivo pra coibir o antijogo dos pormera. Pior, entrou na vibe errada deles, dando também umas feias botinadas e tentando umas simulações bizarras que encheram a torcida de vergonha alheia. Uns marmanjo, de barba na cara, ganhando a maior grana, se jogando no gramado pra tentar enganar o juiz como se todo mundo ao redor fosse otário. Otários são eles que parecem não perceber que todo jogo tem 2.458 câmeras registrando tudo que eles fazem. Já que não deu pra ser Cambridge o Flamengo podia ter sido, ao menos, Philip Stubbes e metido a boca, protestado, dado um xilique. Como não fez nada disso, foi conivente.
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Nem como produto da indústria do entretenimento a droga do jogo prestou. Aliás, se em São Paulo respeitassem a lei Palmeiras e Flamengo teriam que devolver o dinheiro de quem pagou para assistir ao show de horrores. A bola rolou por pouco mais de 50% do tempo de jogo. Isto é, os dois times não entregaram o que venderam, incorrendo em vários artigos do Código de Defesa do Consumidor. Nessa hora cadê o Russomano pra botar ordem na bagaça, chamar a PM, dar um calor nos malfeitores? Deputado é igual em todo lugar, quando a gente precisa não encontra um. E assim o Flamengo, por excesso de gentileza, deixou passar a chance de dar mais um sacode no freguês da Turiassu.
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O que foi até bom, mais uma vitória em sequência consolidaria o Flamengo na embaraçosa liderança do Brasileiro durante a matinê, que não é coisa de time gigante. Não que seja maneiro o Mengão perder pontos, o ideal mesmo é não perder nenhum, mas ficando ali nas imediações do G4, na contenção na subida do morro, só esperando a hora de tomar a boca dos alemão, já dá pra fazer uma graça. Aprendemos por experiencia própria que o bicho pega mesmo é nas últimas 10 rodadas.
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O Cumpadi Faulkner, outro escrevinhador, só que americano, disse uma vez que o que a literatura faz por você é como acender um fósforo no meio do mato à noite. Um fósforo aceso não ilumina quase nada, mas te deixa ter uma ideia de quanta escuridão existe ao seu redor. Forçando um pouquinho a barra na citação ao cadáver ilustre de Yoknapatawpha dá pra dizer que o Flamengo empatar com o Palmeiras em Porcoland não adianta muito o nosso lado em termos de classificação, mas deixa mais claro pra todos, principalmente pro próprio Flamengo, que ganhar esse Brasileiro é obrigação, sim.
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Se tirando nós, que estamos em oto patamá, o Palmeiras é mesmo o segundo time mais pika do campeonato, não se pode esperar do Flamengo no Brasileiro nada menos que uma campanha tranquila e sem maiores sobressaltos, passando o rodo em geral, até a 38a rodada. Porque pra empatar sem gols com a gente os cara precisaram jogar na retranca safada e nos enfiar a porrada o tempo todo.
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Quer dizer, o tempo todo que sobrou descontando o tempo em que não estavam reclamando, intimidando desnecessariamente o juiz, que já entrou intimidado e deixou eles baterem à vontade, ou rolando no chão em constrangedoras exibições de canastrice e falta de jeito pras artes dramáticas. Foi uma tremenda demonstração de respeito e temor ao Flamengo.
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O que trouxemos de São Paulo de mais valioso não foi o pontinho safado, mas a matéria prima bruta pras nossas cornetadas, que além de alimentarem nossas paranoias e embasar nossas reclamações sempre justas, são úteis pro aperfeiçoamento do time. Um tema que é promessa de sucesso nos próximos recitais de corneta é a esqualidez do ataque do Flamengo. Bastou uma rodada para deixarmos de ser o ataque mais positivo do Brasileiro pra cair pra 11o lugar. Alerta vermelho, Tite. O time tem que chutar mais.
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O outro tema cornetífero que trouxemos do passeio é mais comportamental e envolve uma questão de percepção. É fundamental combater a ideia errônea, difundida com entusiasmo malsão pela imprensa da ponta feia da Dutra de que o Palmeiras é o maior rival do Flamengo. Não é! Nunca foi! Jamais será! Obviamente que o maior rival do Flamengo é o Liverpool, que apesar do 3×0 a nosso favor no placar agregado dos nossos últimos confrontos (gol em prorroga não entra na estatística), empata com o Mengão em disputas de Mundial. O Pormera nem sabe o que é Mundial.
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Ainda assim, os porcolinos se deram melhor no fim de semana, forçoso admitir. Tirando a providencial saída da liderança extemporânea não há nenhum motivo pra júbilo ou comemoração do lado do Flamengo. Na base da madeirada o Porco controlou o jogo o tempo todo, jogou pra não perder e conseguiu seu objetivo. Se alguém ficou devendo foi o Flamengo Alegria e Esperança do Povão Humildão.
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O Tite preferiu abrir mão de uma vitória que renderia três pontos por considerar, lá naquele cabeção inescrutável dele, que o preju de perder o jogo seria maior que o lucro com uma vitória. Quem sou eu pra discutir com um cabra que traz pra coletiva pós jogo um preparador físico capaz de meter serinho, pra estupefação da jornalistada, que a contusão do Cebola foi uma lesão miotendínea do gastrocnêmio? Porra, Tite e sua comissão técnica são muito diferenciados. Não dá pra bater de frente se não tiver bala na agulha e, no momento, eu não tenho.
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Fico puto com essas paradas de poupação de jogador. Quero ver os melhores em campo em todos os jogos. Mas sei que isso é delírio. Quarta-feira vamos subir os Andes pra jogar com os bolívia. Os critérios pra definir quem vai jogar e quem não vai são arcanos e os pobres argumentos da torcida estão sempre sujeitos a serem esculachados com minutagens, gestões de carga e outras mumunhas fisiológicas de dificílima compreensão pra quem não tá no fechamento dos caras.
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Pra encerrar esse choroso alô só digo que a presença em campo de certos malandros faz muita diferença. O De la Cruz, por exemplo. Ontem depois que o cara entrou no segundo tempo parecia até que o Sol tinha saído de trás das nuvens. O maluco joga e faz os outros malucos jogarem, conecta os setores, ilumina os caminhos do time. Por isso que a massa bem vestida tá in love com ele. Já chamam o baixinho de De la Croix, De la Croos, De la Cruijf. Nico De la Cruz foi caríssimo, é bom demais, insubstituível e faz de mim uma pessoa muito mais feliz. Por mim deveria se chamar De la Xota.
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Mengão Sempre
Matando a saudade dos tempos do urublog! Que volte a ser rotina e fazer parte dos meus pós jogos ler os seus textos ! Abraço
Gostei do texto, Arthur!!
Foi bom ter ouvido o GE.COM para saber dos seus textos aqui. Sou do tempo do Urublog e já venho te prestigiando tem um tempo, desde que veio pra Brasília para lançar seus dois ultimos livros.
SRN
Espetacular! Especial…… um pouco machista .
Eu temia que isso um dia acontecesse. Exaltar um recurso exclusivo das mulheres seria considerado machismo.
Maria Luisa, não é machismo, é reverência. 🙂