Já virou placar-comum.
Volta e meia, de tempos em tempos, o Flamengo endoidece e baixa o sarrafo, sem a menor sensibilidade, num time sem culpa nenhuma de nada. Muitas vezes, fora de casa.
Os mais antigos não esquecem do Flamengo 5 x 0 Santos de 1984, pela Libertadores, em pleno Morumbi – Ubaldo Fillol na nossa meta, o não menos lendário Rodolfo Rodrígues sob as traves deles. Ou do Fla-Flu de 1989. E os mais novinhos enchem a boca para rir do Flamengo x Corinthians do Brasileiro de 1994, ou do Flamengo 5 a 1 no Cruzeiro em 2016 – para não falar do jogo eterno de 2019 que deixaria nosso treinador tristonho.
Situação normal, tanto que a história rubro-negra periga contar mais cinco-a-zeros do que o vulgar OXO. Com um detalhe: normalmente, o Cincun Rubro-Negro surge por obra da malícia, graça e habilidade. Até hoje, não me lembro de ter visto um Flamengo tão brutal como o de domingo, em Salvador. Um Flamengo que fez lembrar Tank Abbott.
David Lee “Tank” Abbott, se você não ligou o nome à boçalidade, é um atleta (risos) dos primórdios do UFC. Foi o primeiro lutador a usar as luvinhas pretas clássicas da organização, para acolchoar seus punhos delicados. O estilo de Abbott, um beberrão assumido, era como se o Ted Boy Marino fosse treinado pelo Sargento Pincel dos Trapalhões, e em seu córner servissem generosos tragos de vodca. David Lee Abbott era pura truculência, emoldurada por uma pança obscena, a barbicha caprina e o meião cano longo.
Tank Abbott irrompeu nas artes marciais (novos risos) quando o fiel torcedor do Flamengo vivia certa carência. Era o ano de 1995, e o elenco rubro-negro formado por Kleber Leite era o seguinte amontoado: Paulo César, Fabiano, Agnaldo (Uéslei), Ronaldão; Lira, Djair, Márcio Costa (Rodrigo) e Pingo; Sávio, Edmundo e Romário. Podia ter dado samba, deu em lambada. E bem, já que era para tomar surra atrás de surra, era melhor ir direto na raiz e se entreter pelas fitas VHS que chegavam dos amigos, com as façanhas de Tank Abbott e dos mais técnicos Royce Gracie (tricolor) e Vitor Belfort (flamengo).
Hoje, aos 56 anos, Abbott tem um podcast, lançou um livro de memória e sobrevive após um transplante de fígado selva. Seu estilo, contudo, aparentemente segue vivo. Se não no Ultimate, ao menos no futebol brasileiro.
Se duvida, reveja mais uma vez os melhores momentos do Bahia x Flamengo, fiel leitor. Sim, pois aos 11 minutos já se iniciava a pancadaria, com um petardo de Arão do meio da rua, que resvalou o gol, tal qual um tabefe inesperado que quase acerta o queixo, mas passa no vazio.
Logo aos 20, o pênalti, que fez lembrar não um duelo de vale-tudo, mas uma cena de Terence Hill e Bud Spencer. O baixinho Michael partiu para cima sem espaço, bateu de frente com um marcador e caiu de cara na grama. Só que a bola sobrou para Arrascaeta, que baixou a cabeça e também disparou, até ser abalroado como um maratonista olímpico frente a um padre irlandês.
O jogo era bonito? Não, mas era divertido. Já tivemos o Flamengo dos toques rápidos, do “pula uma casa”, “entra no três”, como o áudio vazado do jogador do Boavista revelou. Em Salvador, o novo Flamengo mostrava seu apreço pela luta, pelo vrau de mão aberta em quem passar perto, pelo canga-leitão que derruba os abusados.
Sem crer no que via, o Bahia até pensou que era possível esquivar. Até os 40 minutos, quando Gabigol (de cabelo preto, diga-se) aplicou o primeiro knock-down, numa trivelinha de almanaque. Destaque para a assistência de força e classe do nada sonífero Isla.
Por um deslize das regras da CBF, o tricolor baiano não tinha a opção de continuar deitado na lona, ou pedir para o córner atirar a toalhinha. Foi obrigado a sair do vestiário para o segundo tempo, ainda desnorteado.
O Flamengo voltou cuspindo na luva e disparando mata-cobras ao deus-dará, errando a maioria. Tudo de guarda baixa, para o Bahia vir. Bola na trave de Diego Alves? Tranquilaço, o Flamengo não andou um centímetro para trás. Aos 16, nova pancada: o zagueiro cambaleou na frente do centroavante e Gabigol não perdou, mandando forte pras redes. O garoto do muque parecia se sentir bem com o jogo bruto do time de Renato Gaúcho.
Aos 28, Victinho cruzou para o lindo coice de Pedro, coiçaço-aço-aço, e o camisa 11 fechou a goleada chutando meio ajoelhado, mascado, para dar números finais à grosseria: 5 a coco.
No vale-tudo, o estilo de Tank Abbott aposentou-se com seu criador, já que o velho David perdeu mais do que ganhou, em 25 lutas profissionais – sem contar os sururus em hotéis, coletivas e elevadores. É que o valentão sentia o gás quando batia de frente com um rival mais rápido, ou mais inteligente, ou mais bem treinado do que ele.
Quarta-feira é noite de Libertadores novamente, evento tão estranho quanto o UFC, só que com mais ameaças e menos regras. Para seguir vivo lá dentro, a regra é clara: manter o sangue quente e a cabeça fria – sem falar nas máscaras na posição adequada (se liga, torcedor).
A expectativa geral, para meados de julho, era que o Flamengo estivesse na maior paz, jogando um futebol tranquilo e infalível como o outro Lee, mais famoso. Mas se tiver de ser ao estilo “Are you ready”, goleando de novo com requintes de crueldade, a diversão será a mesma.
Porrada neles! Burp.
Vi essa estatística aqui no Twitter e lembrei que aqui tem uma pessoa que não gosta do Filipe. A fonte é o SofaScore Brasil
Filipe Luís (35 anos) entre todos os jogadores do @Flamengo na @LibertadoresBR 2021:
1º em toques / j (95)
1º em passes certos no terço final (94)
1º em passes certos (452)
1º em bolas longas certas (48)
1º em desarmes (23)
1º em duelos ganhos (83%!)
Sou eu! Aqui, ô ! Aussumo !
O Filipe tem todo um grupo, expressivo, tenho que dizer, que sao fa-zaoes dele.
Nao tenho a minima do por que. So sei que futebol jogado nao pode ser.
Efetivamente, bem, nao é que nao “gosto”, mas acho ele totalmente ineficiente.
Gosto quando ele é “preservado” e sai pra entrada de um outro.
Isso dito- vou adicionar que ele jogou – pra qualidade que estou habitudado – bem contra o DyJ.
Parabens, Filipe!
Nao cometeu as coisas bishonhas de quase todo jogo.
Sera que o Remanita cuidou disso?Ai receberia um ponto de mim!
Depois desses numeros dai, me passa os numeros do seguinte:
– passes pra FRENTE (nao pro lado ou pra tras, nao vao sobrar muitos, vou ja dizendo …)
– centros que chegaram no jogador do mesmo time
Entre esses “duelos ganhos” deve ter muito duelo contra a bola. Contra adversarios na corrida é que nao foi. Bem que voce colocou um ponto de exclamaçao. Eh pra colocar um mesmo.
Quer dizer que – segundo essa fonte dai – ele desarma mais que um Diego ou um Arao? Como, se ele mal ve a cor da bola jogada nas costas dele? Isso me cheira mal.
Mas como so temos esses numeros dai – nao da pra comparar com outros laterais. Né. Concorda?
Assim ficamos nao sabendo se os numeros sao bons ou – nao tanto.
Ve nessa fonte sua numeros de outros laterais nossos e de laterais bons de outros times, para podermos avaliar corretamente o desempenho do idoso.
Por final aquela de sempre, quando se fala de estatisticas:
“Nao confie em dados que nao foram manipulados por voce mesmo.”
Boa, Henrique. Quero dizer que acho irado que você se dedique a defender sua opinião, ainda que minoritária. E onde mais, além daqui, a gente pode se dedicar a discutir a qualidade de um lateral esquerdo?
Eu gosto dele sim. Acho que o jeito que ele tenta tomar a bola é efetivo, porque ele sabe que na corrida não vai rolar. E acho que ele passa pra frente! Ao contrário de muitos jogadores. Ele passa pra frente muitas vezes, mesmo a jogada sendo difícil.
Mas longe de mim querer convencê-lo!
Dados são complicados mesmo, mas eu vI esses e lembrei de você.
SRN!
“até ser abalroado como um maratonista olímpico frente a um padre irlandês.”
Hahahahahaha
Muito bom
Texto Genial. Você está afiando a pena. Até vou procurar assistir alguns segundos desse maluco. Porque sou avesso a pancadaria sem bola. Escreva mais! SRN.
Esse lente! Bons tempos do Ultimate raiz.