Como era de se esperar, após o parto prematuro do cabeçudo Heptacampeonato Brasileiro de Futebol Profissional Masculino, ocorrido na tarde do último domingo, o jogo do Flamengo com o Ceará foi uma autêntica festa da firma. Talvez tenha sido a maior festa da firma da história do Flamengo.
Mas ao contrário das últimas festas da firma promovidas no Maraca pelo Flamengo, todas elas, sem exceção, de infausta memória, a festa desta quarta-feira contra o Ceará apresentava risco zero. Nem se o Flamengo, numa plausível falseta dos brincalhões deuses do futebol, levasse uma pisa de meia dúzia de gol a zero a dos cearenses a bojuda taça de campeão nos escaparia das mãos. Era uma noite em que, literalmente, era tudo nosso.
Talvez por esse motivo o Míster contrariou seus próprios dogmas e colocou em campo um time misto pra cumprir o compromisso da 35ª rodada do Brasileirão. O início da partida foi meio devagar, o time não voava como de habitual. Jesus tirou Reinier ainda no primeiro tempo, no que me pareceu ser uma medida mais disciplinar do que tática e por uns breves momentos, ainda que com evidente domínio das ações, o Flamengo pareceu totalmente desinteressado da partida.
Eu que sou coroa sou mais emotivo, tenho o hábito de depois de ganhar Libertadores e Brasileiro em menos de 24 horas ver graça e beleza em tudo que o Flamengo faz. Nessa hora deu até uma saudadinha maluca do tempo em que o Flamengo jogava de sacanagem. Mas passou logo, porque o esforço da rapaziada era evidente aos meus olhos empáticos de quem também comemorou demais no fim de semana.
Em alguns camarotes, na Fla-Mureta e na Leste Superior, perto da grade que a separa da Norte, foi dita, sotta voce, sub rosa, a palavra ressaca. À socapa, gatos-mestres citavam um possível excesso nas libações promovidas no fim de semana mágico em honra das conquistas recentes do Flamengo no eixo Lima-Rio. Excesso que estaria se refletindo na atuação em slow motion do time em campo, na ausência de titulares e até mesmo na indumentária de Jesus.
Antes que as neo-ligas da temperança tivessem tempo suficiente para disseminar esse papo careta e moralista o Flamengo já estava perdendo pro Ceará. O que causou instantânea, porém fugaz, alegria em milhões de corações arcoiristas do Brasil inteiro. O Flamengo estava perdendo, a imoral série invicta de 26 partidas do rubro-negro original no Brasileiro estava acabada, nossos recordes seriam reduzidos a pó. Tudo indicava que os todos os pelasacos do país seriam enfim vingados.
Só esqueceram de combinar com o Bruno Henrique, certamente não o encontraram por ele estar em outro patamar. Aparentemente invulnerável à esbórnia, depois de uns três ou quatro dias de loucura total televisionada em tempo real, o melhor jogador da Libertadores jogou uma água na cara no vestiário, tomou uma caracu com ovo batida com casca e voltou pro segundo tempo. Que ressaca o quê! Bruno Henrique, com a óbvia ajuda dos companheiros, acabou com o jogo e deixou o Ceará no sal.
Bruno Henrique está impossível, sinistro, cascudo, sinônimo subversão. Como gritava um locutor colombiano no jogo de sábado, Bruno Henrique es imparable. Meteu três gols que sacudiram o Maracanã, igualaram o recorde de Zico de gols no Brasileiro e deixaram o neorasta Gabigol com os pelinhos da nuca arrupiados. Não deve ser muito legal a sensação do Bruno Henrique te cutucando por trás na disputa pela artilharia do campeonato. A diferença entre os dois perfuradores agora é de apenas um gol. No primeiro pênalti que marcarem pra nós — uma improbabilidade, eu sei, vamos ver quem é amigo de quem.
No fim do jogo, depois de algumas tentativas malsucedidas, o Sr Vitor, do RH, também fez o gol dele, muito comemorado, e fechou o placar. Festa da Firma total. 4 x 1 tá bacana, ainda mais numa partida disputada sob condições extremas, físicas e mentais. Na parte física o Flamengo chegou à reta final de um campeonato longo e extenuante naquele estágio que se melhorar estraga.
O cansaço provocado pela viagem à Lima, o desgaste do jogo em si e depois a totalitária e polpotiana carreata na Presidente Vargas esbagaçariam o condicionamento físico de qualquer time comum. Mas não do Flamengo, que vem se notabilizando por chegar ao final de suas partidas inteirão, prevalecendo sobre seus adversários no prego e ainda correr pro vestiário de pau duro.
O que deve ter pegado pro Flamengo não meter uns 14 x 0 no Ceará foi, provavelmente, o desgaste mental. Não é fácil reprogramar mentes que vem trabalhando em alerta total há meses, para a brusca interrupção na cota de preocupações, neuras e nóias, que são super necessárias para manter a fera interior de cada um desperta. Interrupção decorrente do fato de que o Flamengo já ganhou a porra toda. É duro lidar com este fato. O racional entende logo, o emocional demora um pouco mais. Por isso é bom que se repita: o Flamengo já ganhou a porra toda.
Se nós, torcedores, também impactados pela mesma interrupção, percebemos o vazio que a ausência de preocupações com o Flamengo deixou nas nossas vidas de uma hora pra outra, imagina os jogadores. Deve ser um tédio mortal. A vontade pra jogar hoje com o Ceará devia ser nenhuma. Os caras só foram ao Maracanã porque são obrigados por força de contrato. Exatamente como acontece em toda festa da firma.
E a festa foi maneira. A torcida, que é quem paga todas as patuscadas, se amarrou. Depois que o jogo acabou, e antes do churras, rolou a farta distribuição de medalhas, com a luxuosa participação de Júlio Cesar, e a cena clássica do time levantando a taça e a salva de tiros do canhão de papel metalizado. Bonito de ver a equipe toda que trabalha no futebol comemorando no palco a conquista do Heptacampeonato.
Um título perseguido no Flamengo há 10 anos e finalmente conseguido de forma épica com várias voltas de vantagem sobre os retardatários que nos acompanham, de longe, na tabela. Um exemplo de meritocracia violentamente educativo. Tem que comemorar para caralho. Mas enquanto Diego Alves, Diego Alelek e Everton Ribeiro erguiam o troféu bateu uma certa tristeza nostálgica de que essa temporada incrível e o ano mágico estão acabando. Uma tristeza indriblável que se repetirá nas derradeiras três partidas. Com o tempo só restarão as nossas memórias e as fotos.
Mas a foto dessa comemoração do Brasileiro 2019 traz uma mensagem oculta muito importante e muito positiva. Uma mensagem trazida por quem não está na foto. É a primeira vez que o Flamengo conquista um título nacional sem a presença na equipe de algum integrante da vitoriosa geração que conquistou o Mundo em 1981 sob as asas de Zico & Cia. A foto de hoje é um marco, uma fronteira que foi conquistada.
É a confirmação de que 1981, uma das pedras angulares da Catedral Histórica Rubro-Negra, já não ameaça desabar sobre as cabeças de seus pósteros e nem de seus fiéis. Essa garrida ausência, física e não espiritual, era o que faltava para que pudéssemos ter a certeza de que o Flamengo finalmente iniciou um novo ciclo vencedor. A era Flamengo realmente chegou. Evoé, jovens artistas. Evoé, Heptacampeões!
Mengão Sempre
Foi só o VARmeiras sair de campo, que o porco desmoronou !!..
Por favor faça o livro do Hepta, como fez o Hexagerado!
Junto com o Bi da libertadores
Top !!!
No futuro direi: se fui triste em 2019, foi quando acabou.
Baita orgulho desse time e de todos os envolvidos.
Obrigado, Flamengo, obrigado.
AMO ESSE RP&A!
ARTHUR MUHLENBERG, O MAIOR, O MELHOR, O MAIS CRIATIVO E MAIS HILARIANTE CRONISTA DE TODOS OS TEMPOS.
PS-Por favor, qual o nome da beldade ilustrativa que ainda não consta do meu caderninho?
srn p&a
Diane Lane
Como adquirir teu livro?
Salve Rasiko, tem no site da 7Letras por 38 mangos! 38, tem a ver?
Não vou comprar em porra de site nenhum. Como fã number one mereço, ou melhor, exijo, um exemplar autografado, mando a grana direto na conta-corrente sem precisar pagar pros editores a baba que eles levam. Não tem acordo: ou é assim ou é assim.
srn p&a
Calma. Não deixe a Babilônia dominar sua mente. Queima um lá que tudo se resolve.
Dunlop, meu querido, esqueci do kkk, hahaha, hehehe, emoji com carinha de riso, etc. Fiquei preocupado que pudesse parecer agressivo, quando foi apenas uma tentativa de mostrar a minha enorme admiração pelas crônicas do Arthur. Um beijo
Mais um artigo maravilhoso.
Quanto ao jogo, mesmo considerando que o adversário era o apenas simpático Ceará, achei simplesmente ótimo.
No segundo tempo, um verdadeiro show de bola.
Sem má vontade até em razão da boa partida na final de Lima, , mas foi preciso o capitão 01 sair para o time deslanchar e golear.
Esse negócio de 01 não dá certo em lugar algum.
SRN
FLAMENGO SEMPRE
Maravilhas, o time e os textos do Arthur e dos demais escribas. Ano de imensas alegrias, jogadores sérios, comprometidos e, acima de tudo, bons de bola (com algumas poucas exceções, deixa quieto…).
Que se possa terminar o ano da melhor maneira possível lá em Doha.
Valeram demais a torcida de todos e os textos espetaculares aos quais tivemos e estamos tendo acesso por aqui.
Os vaticínios são entusiasmantes!
Bora Mengão!
Como disse o amigo Tanaka acima, ambos time e escriba estão no topo do topo, e sem tirar de dentro desde que Jesus aportou por essas terras flamengas.
Evoé, artistas da bola e da pena!
SRN
Isso aí Arthurzão!!! Esse equipe quebrou todas as escritas e sinas possíveis!!!!
A última delas ontem, a superação do oba-oba e da rebordose do dia seguinte das festas flamengas! E olha que os outros oba-oba eram por cariocas com gols de Obina (que não custa nada lembrar que era melhor que o Eto’o).
O quadro tava todo pintado novamente, 3 bolas na trave, tóquinhos de classe, bad hair-moustache day, 1 ataque 1 gol… Enfim, aquela força do buraco negro contendo nosso avanço ao infinito, querendo nos trazer de volta para uma dimensão que faço questão de esquecer. Mas aí que novamente tudo foi mudado, propulsionados pela força e velocidade da luz de BH, conseguimos superar mais uma sina e nos laçarmos ao infinito! A última escrita caiu! “Pai, foda-se o oba-oba!”
E bem como disse a reencarnação do Gazela Negra, “estamos em outro patamar!”, em outra dimensão!!!
SRN!!!
P.S. Belo podcast com o coxonildo Rica!!!
Tão marcante quanto a campanha no brasileirão foi a qualidade da resenha. Tanto o time quanto o escriba já chegaram ao nível épico que serão cantados e lembrados pelas gerações futuras.
Agora me bateu uma dúvda, escalar força máxima e esculachar o palmeiras em sp, ou direcionar o foco para os desafios do mundial ? Afinal a volúpia desta equipe parece tão inesgotável quanto a criatividade dos textos.
PS – As fotos que abrem as resenhas também são uma diliça.