Para os rubro-negros, o melhor momento da tragédia em cinco atos encenada na noite de ontem no amaldiçoado Estádio Casa Blanca, casa da Liga Deportiva Universitária, também conhecida entre os amigos tricolores como Liga dos Urubus, foi quando o juiz apitou o final do primeiro tempo. O Flamengo então perdia só de 1 x 0 e a torcida viu claramente que o placar parcial era tremendamente injusto.

Mas a mente coletiva rubro-negra é prodigiosa, o Flamengo ter sido categoricamente amassado durante a etapa regulamentar não abalou nossas convicções em nem um milímetro. Chegar até o intervalo sem ter levado mais uns dois ou três gols foi interpretado pela esperançosa mulambada como uma prova dos poderes sobrenaturais do Fuderoso Destruidor de Sonhos de Hegemonia do Lumpemproletariado.

Se não havia certeza, a esperança de que o time tomaria vergonha na cara e voltaria ao gramado cônscio da responsabilidade de zelar pelo bom nome do BI Campeão na América ao menos nos confortava. Ninguém estava feliz com o futebol vagabundo que o Flamengo pusera na roda, mas não havia pânico. Durante as tertúlias no intervalo apelamos para várias muletas do vasto catálogo de próteses esportivas para justificar o estado de pré-morte do time em campo.

A altitude foi a segunda muleta preferida, já que é ponto pacífico que jogar bola nos 2850 metros de Quito é uma atividade malsã, que agride violentamente os sistemas orgânicos dos times visitantes. Sem falar que a abundante oferta de O2 das paragens equatorianas, quando combinada com a superpopulação de hemácias que corre pelas veias dos jogadores locais, constitui-se em uma escandalosa modalidade de doping esportivo contra a qual as comissões médica e de arbitragem da proba Conmebol jamais se manifestaram.

Mas cadê a WADA quando marcam esses jogos no alto das pirambeiras andinas? Nunca se viu sequer uma reclamação formal por parte da Agência Mundial Antidoping. É provável que seus burocratas tenham descoberto que ficar xisnoveando os atletas maconheiros dá menos trabalho e rende mais manchetes do que bater de frente com as oligarquias rapaces que controlam o futebol na América.

O único cartola que brigou pela integridade física dos jogadores, deu xilique e ameaçou não disputar as partidas acima de 1500 metros, foi o eterno e sempre com a razão Márcio Braga. Não adiantou porra nenhuma o xilique, mas o Flamengo daquele tempo não se furtava a assumir posições, mesmo quando contrárias ao senso comum, aos costumes da época ou ao safado no poder da vez. Voltemos ao jogo de ontem.

A desculpa preferida para a catatonia dos nossos jogadores foi a presença, a atuação, a existência e a cara de pastel do supostamente imperdoável Domènec, culpado pelo crime hediondo de não ser uma reencarnação de Jesus. A aparente falta de talento do catalão em nascer português é considerada, por expressiva parcela da torcida, deletéria, inadequada e desagregadora. Dome é acusado de ter conseguido fazer, em apenas 60 dias e 11 jogos, o que Abel Braga não conseguiu em seis meses, isto é, destruir o Flamengo.

Não ganho um mísero centavo pra defender o catalão, portanto não o farei de graça. Ele que lute. Mas assistimos ao jogo com máxima atenção e tenho certeza de que não vimos o Domènec perder gols, levar dribles, perder duelos, desistir de correr atrás do adversário ou tomar frangos antológicos durante os 90 minutos. Mas vimos uma pá de jogadores fazerem isso de montão.

Jogadores como o Gabigol, que já deveria estar negociando com o RH do Flamengo a licença maternidade a que faz jus pelo regramento da CLT. O bebê que ele está gestando tem atrapalhado bastante a sua mobilidade e a precisão nos arremates. Parece ser uma gravidez de risco e sabemos que, tão perigosa quanto a pós, a depressão pré parto também tem o condão de baratinar a mente dos centroavantes prenhas. Gabriel tem que aproveitar o Setembro Amarelo, admitir a moléstia e se tratar. Todos pela vida!

O intervalo não pode durar pra sempre e o jogo recomeçou. Teria sido melhor pro Flamengo jamais voltar do vestiário onde tinha entrado pela última vez como o melhor time do continente. O segundo tempo não foi nem teste pra cardíaco, foi mais tipo um teste pra papel de masoquista em filme pornô de dominatrix. O Del Valle era um látego excruciante a vergastar o lombo alquebrado da massa rubro-negra ao exigir, e obter sem maiores negociações, a completa submissão do Flamengo.

A astenia dos rubro-negros era flagrante, os caras não foram capazes sequer de organizar uma batalha campal, que dadas as condições e o placar seria plenamente justificada, pra melar a porra do jogo. O bomcabritismo do Flamengo assustava e enfurecia ao mesmo tempo. Os caras chutavam sem serem incomodados por ninguém e o César. . . bem, vocês conhecem o César. Chutou entrou. O Dome ainda tentou umas mexidas, tirando os caras que estavam muito mal pra colocar os que estavam péssimos, mas a maionese depois que desanda não há quem a salve. Teve gente mais desesperada que entre o quarto e o quinto gol até Vitinho tava pedindo.

O Flamengo alcançou mais um recorde na competição, o primeiro do Dome. Foi a maior goleada que o Flamengo já levou nos 40 anos em que disputa a Libertadores. Agora, depois da enchente, não é sacanagem, ironia ou exagero dizer que o 5×0 ficou baratinho. Fora as bolas na trave que os equador mandaram, o Flamengo ficou na roda o tempo todo, foi tão dócil e mansinho que os caras nem precisaram apelar pra porrada como tinham feito no jogo de ida pela Recopa. Ganharam do Flamengo na moral e na bola. A bola, sabe aquela gordinha safada, volúvel, inconstante e filha da puta? Então, ela pune implacavelmente os bundões.

Os Del Valle, com merecimento, encerraram oficialmente os 12 meses de favoritismo do Flamengo. Depois dos cinco ovo que tomamos nenhum time vai nos enfrentar com aquela reverência que nos era devida. Agora que viram do que esse Flamengo é capaz vagabundo vai chegar babando pra cima da gente. Se o Flamengo continuar nessa chapação, nessa indolência, incapaz de reagir para recuperar o respeito duramente conquistado, outros vexames virão. Isso é muito certo.

A primeira atitude a ser tomada pelo elenco, que continua sem acompanhamento psicológico, é beber diariamente um copo de leite da humildade e cair na real. Com essa bolinha que está sendo jogada não se come gente. Nem pagando. Com essa disposição e essa gana de viver exibidas em campo não é seguro para os jogadores sequer atravessar as ruas internas dos condomínios em que vivem na Barra porque podem morrer de susto, bala ou vício. O favoritismo já era, morreu, é finito, caput.

Há quem diga que o placar bíblico foi um castigo dos céus porque teve muita gente blasfemando, maldizendo e torcendo pelo fracasso de Jesus. Até pra time grego torceram para atingir Jesus. Quem sacaneia o filho não pode estranhar quando o Pai fica puto. Essa moda de supostos seguidores de Jesus propagandearem ódio e intolerância tem tudo pra dar muito errado. Desejar o mal de terceiros não parece ser algo bom para a alma. Evitem porque o 01 é brabo. Ou não evitem e deixemos logo marcada uma resenha pra quando acabar a pandemia e nos encontrarmos no Inferno, ímpios.

Castigo ou não, a derrota foi dolorida, exagerada e fora de hora. Estamos muito tristes e decepcionados, mas não podemos ter medo de encarar a dura realidade. Lamentamos, mas a nossa Libertadores invicta vai ter que ficar pro ano que vem. Agora recomponham-se e Rumo a Tóquio, caralho!

Mengão Sempre