Caro Marcos Braz,
Saudações de além-céu. Estou para lhe escrever faz tempo: fui apostar com Cyro Monteiro que o Flamengo custaria 50 anos para formar um esquadrão parecido com o de 1981. Pois é, você está a me dever uma garrafa de escocês legítimo.
Serei breve, pois como você sempre fui um supervisor sem firulas. Tampouco tenho o que lhe ensinar: você já aprendeu que ser diretor de futebol é a arte de estancar a sangria antes que vire hemorragia.
Nossa função é de retaguarda, e só o que a vida (e a torcida) quer da gente é dedicação incansável, um reforço de quando em vez e um ambiente de paz, para que os craques não tenham nenhuma espécie de preocupação fora do campo e bola. Lembra do dia em que saí da concentração de noite para comprar morangos pro Zico, certo? É isso.
Não quero aborrecê-lo aqui com passagens manjadas de minha trajetória no clube, de fevereiro de 1978 até dezembro de 1982, quando cantei pra subir com 51 anos. Não me cuidei, dureza. É que após ver aquele trelelê nos corredores do Maraca, no primeiro jogo da final do Estadual, eu na mesma hora lembrei que os grandes times nascem ou morrem ali mesmo nos vestiários.
Duas historinhas, que podem inspirá-lo:
Março de 1980 – oito canecos brasileiros atrás, portanto. Foi um jogo para esquecer, já que o Mengo perdeu no Maracanã e pra piorar o Junior saiu com 13 pontos no rosto, após choque infeliz com o lateral do Botafogo da Paraíba. Isso mesmo, aquela constelação de ídolos perdeu para o Botinha no Maraca, por 2 a 1, gol fatal de Zé Eduardo. Todo time tem um dia ruim. O caldeirão ferveu, caro Marcos, e parecia que estávamos diante do portão do inferno: se eu abrisse, viriam de tridentes flamejantes. O que eu fiz? Meu filho, se você acha que tem gelo no sangue eu tinha um iceberg entupindo minhas veias.
Ao caminhar para lá para cá, enquanto ouvia a turba lá fora, espiei o Zico meio atarantado no banho e decidi deslizar o ferrolho:
– Espiem isso! Escândalo: roubaram a roupa do Zico! Em pleno Maracanã. O Rei está nu! Como ele pode ir para casa assim?
Pronto, um rebu. Enquanto os flashes espoucavam e a imprensa se ouriçava, os jogadores puderam sair de fininho. Não se falou nunca mais na atuação pífia do time, que seria campeão nacional meses depois. E olha, acho que a calça Lee do Galo está no nosso armário até hoje…
A outra cena marcante foi em dezembro de 1978. Eu estava há semanas tentando renovar o contrato do Cláudio Coutinho, que voltara da Copa do Mundo com moral. Eu planejava oferecer cem mil cruzeiros (nenhum treinador ganhava isso no Brasil), mas ele não respondia se ia ficar. No vestiário do Vivaldão, momentos antes do Flamengo vencer um amistoso contra o Nacional de Manaus por 2 a coco, ele me chamou no canto, com um envelope misterioso nas mãos. Abri e descobri três páginas em branco, a última delas encerrada com a cobiçada assinatura de Cláudio Pêcego de Moraes Coutinho. Que me disse:
– Preenche como quiser, estamos juntos e vamos fazer história.
A história foi feita, Marcos, e valeu cada lágrima derramada, no Rio, em Montevidéu e em Tóquio. Dei até uma escorregada com o Coutinho, pois deixei vazar uma lista em que ele notava uma superposição de cobras no elenco, como Adílio e Carpegiani, e o clima azedou até sua saída. Vida que segue. Curei as feridas e chegamos até o caneco da Libertadores no estádio Centenário. Garanto-lhe: é uma experiência mística que você não vai querer perder. Você está preparado para essa viagem no tempo?
Tudo é possível, mas o sucesso dessa jornada passa pela final do sábado. A derrota pode causar traumas duros de cicatrizar, e como eu sempre disse: um grande time deprimido é pior que um pequeno time motivado. Quem semeia a paz colhe taças, amigo Braz. Sucesso sempre.
Saudações rubro-negras do
Domingo Bosco
PS: Nas internas, que você curte a resenha: sabe quanto pagamos de bicho, no dia seguinte do Flamengo x Liverpool? Eram tempos em que o Zico ganhava 20 mil dólares, quase dez vezes mais que os companheiros. Pois chamei um a um no quarto do hotel Takanawa Prince e paguei 4.600 doletas a cada jogador. O clube lucrou 150 mil com aquela partida, e eu nem levei nada, sabia que aquele título não tinha preço.
PPS: Tive seis treinadores em quatro anos: Jaime Valente, Joubert, Coutinho, Modesto Bria, Dino Sani e o Carpa. Não sou o melhor exemplo, mas segure o Ceni. Depois que a peste passar (a viral e a que mora em Brasília) a onda de otimismo será grande e você vai poder escolher treinador onde for. Se quiser ler mais sobre minha trajetória, há um belo artigo no blog do garoto Pedro Migão.
PPPS: Em 1979 eu dizia na revista “Manchete”: “O importante para o Flamengo é termos adversários à altura. Com cinco clubes disputando o título, as arrecadações só vão subir. Caso o Flamengo fique sozinho, as rendas caem”. Por isso os Estaduais secaram. É tempo de união e quebrar o gelo com outros supervisores e VPs.
PPPPS: O Grande Otelo diz que se eu seguisse vivo a gente ganharia nove Brasileiros só na década de 1980. Discordo: o Bahia do Bobô em 1988 era mesmo muito bom. De resto, concordo com ele.
Que ótima “psicografagem”, Dunlop! Perfeita mesmo.
Maravilha, Dunlop!
ESSA MENSAGEM É SÓ PRO HENRIQUE, O IMPLICANTE.
“De caordo com Sofascore, comparado com 151 defensores da fase de grupos da Libertadores da América, Filipe Luís lidera os seguintes quesitos: desarmes (18), duelos ganhos (90%), duelos aéreos ganhos (100%), eficiência no passe longo (87%) e eficiência no drible (100%).
Ainda no ranking dos defensores, o lateral esquerdo fica em segundo lugar na eficiência de passes (91%).”
Henrique sai do armário e confessa tua paixão pelo idoso. 🙂
* De acordo
que texto bacana !
só discordo do deixar o ceni como treinador…ai já é D++++++
SRN !
Dunlop, sempre acreditei em alma de outro mundo, em fantasmas e que tais, por isso fico meio cabreiro quando leio seus textos, que, como bom escritor que você é me faz acreditar que realmente esses diálogos aconteceram. Mas agora vem cá, me explica, como é que o Flamengo conseguiu empatar com essa bosta de time que é o florminense?
Genial!
Sobre o PPPS: Os estaduais é que estão matando o futebol brasileiro, eles deveriam ter sido extintos em 2003. Já passou da hora de eles serem como no resto do mundo: a 5ª divisão. Os times grandes precisam de um calendario melhor e sem estaduais para pode se preparar melhor para as competições que realmente importam (alem claro de poder parar nas data-Fifa) e os pequenos precisam ter um campeonato que dure o ano todo e dê vagas para a Serie D e a Copa do Brasil (que deveria ser ampliada, com fases pre classificatórias com times pequenos do Brasil todo). Se os grandes quiserem participar, deveriam fazer como na Espanha, Alemanha, Portugal, onde o time inscreve um time B (mas B mesmo, sem obrigação de vencer) pra dar rodagem a jovens da base, contratações que nao chegam como titulares absolutos e jogadores do time A voltando de contusão.
Ótimo, mas, como estou com preguiça aguda concentrada, não vou comentar agora, a não ser o …
PPPS, pois, há uma porrada de anos, venho dizendo a mesma coisa. Até por estas bandas já escrevi. Não consigo entender o porquê dos torcedores vibrarem com os rebaixamentos cariocas. Estamos matando o nosso futebol carioca (se já não matamos, corrigindo o tempo do verbo). Irá, fatalmente, atingir, em poucos anos, o nosso Flamengo.
Fiquei puto com a mutreta final de 2013, APESAR de entender que, em relação ao futuro do Flamengo, o sacana do Wallim estava certo.
Vasco e Fluminense não poderiam rebaixar juntos. Vamos ver agora, com Vasco e Botafogo, além do Cruzeiro.
Preocupadas SRN
FLAMENGO SEMPRE
Carlos, tenha compaixão da infinita estupidez humana, como dizia o primo Einstein. Só mesmo isso pra explicar a vibração com a decadência do futebol do Rio.
PS-O Flamengo bem que podia atravessar o São Paulo e contratar o Benitez. Tá baratinho.