Caro Diego Ribas,
Como vamos? Tudo bem com o senhor e família? Aqui fala Waldir Pereira, o Didi. Sim, o da folha-seca, bicampeão mundial nas Copas de 58 e 62, esse mesmo. Aqui em cima tudo na paz – a Guiomar, cá do meu lado (ela continua a me marcar forte, he he he) está mandando seus melhores votos de estima à dona Bruna Leticia.
Sei que você lembra de mim, de alguns lances e especialmente das histórias que meu chapinha Pepe contava para a molecada do Santos. Pois saiba que também sou fã de seu futebol, que só vi daqui de cima, de camarote. Infelizmente, precisei partir em 2001 – por acaso, meses depois de sua estreia com a camisa canarinho. Lembra do seu título sul-americano sub-17, com direito àquele arrepio para cima da Argentina? Poucos dias depois de vocês festejarem, dei um pulo no médico e descobri o diabo daquele câncer.
Decidi lhe escrever após a partida do Flamengo com o Ajax na Copa Flórida, um jogo como antigamente, aberto e cheio de gols. Sempre fui a favor dessas excursões na pré-temporada, um modo dos novos jogadores se conhecerem e que já rende um bicho gordo em janeiro. Ali pela minha época, para você sentir como eram as coisas, o Botafogo fez uma visita à Europa e deu de 6 a 1 na seleção da Holanda, acredita? Tem até uma rua Botafogo até hoje por lá.
Eu era camisa 8, você é 10, eu comecei no Industrial, você no Comercial, mas temos muito em comum, acredite. No fim das contas eu só tive a sorte de nascer antes, duas gerações antes da sua. Ou foi azar? Ah, quem dera se nos anos 1950 só existisse essa moda de descolorir a cabeleira… Eu, quando jogava no Fluminense, mandava era ver no talco, para embranquecer a pele e conseguir passar pela garganta e pela portaria (de serviço, claro) dos empolados sócios tricolores.
Mas a Guiomar está aqui, lendo por cima do meu ombro, dizendo para que eu pare de enrolar (he he he) e vá direto à vaca-fria. Olha, acredito que o Abelão, meu jovem zagueiro quando fui técnico da Máquina Tricolor de 1975, já tenha dito algo do tipo a você, mas o papo é o seguinte: meu craque, você talvez esteja se satisfazendo com pouco.
Não se ofenda. É que boto fé que você ainda tem vaga nesta seleção brasileira que vai disputar a Copa América, com boas chances de ser campeã no Maracanã, no dia 7 de julho.
Claro, jogar pelo Flamengo e ganhar bem por isso é esplêndido, mas por que você parece ter desistido de escrever sua história com a amarelinha? Anote o que vou dizer: ficar velho é uma porcaria. O que compensa são os tapinhas nas costas, a admiração dos netos e o carinho dos torcedores mesmo 30, 50 anos depois.
Reflita comigo: individualmente, o que hoje falta à seleção do Sr. Tite? Quase nada, a não ser um líder tranquilo e inteligente em campo e um cobrador de faltas afiado. Por que não correr atrás e tentar preencher essas duas, como se diz, carências? O que o impede? Os 33 anos? Oras, essa era a idade de Nílton Santos na Copa da Suécia, e olha que ele era lateral e nem existia a osteopatia ainda.
Para chegar lá, claro, não será mole. Você vai precisar provar ser o melhor da posição jogando aqui no país, ensaiar faltas todo dia como um pianista profissional e, de quebra, ser ainda mais líder em campo do que tem sido.
Acha a missão complicada? Deixa eu te contar o que passei, então. Quando cheguei ao Botafogo vendido pelo Fluminense (por 15 mil dólares, o que hoje deve dar umas 200 mil verdinhas), encontrei um gênio amalucado que gostava de driblar todo mundo nos gramados e, no vestiário, ficava ameaçando me patolar. Quem poderia domar Garrincha e fazê-lo render o que sabia? Eu que não iria esperar um técnico entendê-lo. E tratei de motivá-lo eu mesmo, especialmente quando eu via que estava totalmente no mundo da lua no Maracanã:
– Já ouviu o que os homens estão dizendo, Mané? Que você já foi bom, mas hoje é bananeira que já deu cacho. E que, se não fosse pelos meus lançamentos, nossos avantes nem iam ver bola.
– Ah, é? Tão dizendo isso? Quem tá dizendo? – respondia ele, matutão.
– Quem, não interessa. Eu, se fosse você, calava a boca do povo.
E ele prontamente começava a aquecer, antes de botar os zagueiros rivais para jambrar.
Agradeça toda essa estrutura que vocês têm atualmente, que bota a nossa delegação científica de 1958 no chinelo, e persista nos seus sonhos. No meu tempo, com perdão pela nostalgia, eu usava chuteira com um número menor para ter um passe mais justo, e ainda perdia a unha do dedão do pé direito a cada 45 dias, de tanto castigar o dedo contra os gomos da bola para executar a folha-seca.
Se eu posso dar um conselho final, aja sempre como se estivesse em campo: cabeça erguida, olhar no horizonte, atento a tudo o que acontece em volta. E, se o time sair atrás no placar, tome a bola nas mãos, caminhe para o meio-campo devagar, tranquilizando o grupo – e esmague o oponente até virar o placar. É só isso que o torcedor quer ver.
Um abraço do
Didi
PS: Vou aliviá-lo, mas o Garrincha já bolou uns 18 apelidos depois que viu seu último corte de cabelo. É, o Mané segue uma peça rara.
PPS: Você deve se lembrar que fui eu quem inventou a paradinha na cobrança de pênaltis, certo? Dito isso, minha recomendação: segurem o Henrique Dourado até o fim da temporada. Ele há de ser útil.
PPPS: Se puder, no próximo jogo procure ver se a plaquinha do primeiro gol marcado no Maracanã está bonitinha no lugar? Como você sabe, o gol foi do papai aqui…
Bela homenagem ao Didi, ótimo texto. Também me lembrou muito do Elio Gaspari. Volta e meia ele “psicografa” mensagens de grandes figuras para figuras terrenas. Muito bom ver uma versão futebolística. Abs e sds rubro-negras!
Este texto faz rodar um filme em nossa cabeça que começa em 1958 e termina em 1962 com aquele incrível bi-campeonato. Que seleção! Que craques! Que Didi!
Show de bola… Parabens.
Espetacular!!
Que texto!
Nossa, que saudade que bateu desse tempo. Não era preciso muito dinheiro pra montar um time campeão e os europeus tremiam de medo dos nossos atletas, que dentro de campo eram gigantes intocáveis e fora dele eram pessoas muito simples.
Exato, Daniel. Lendo a biografia do Garrincha a gente repara como os olheiros, mais que empresários, eram fundamentais naqueles tempos. Será que ainda são? Ou serão? Tema para uma próxima crônica, quiçá. SRN
Muito legal. Mande outras dessas Dunlop. Tem mais gente no nosso elenco precisando.
Abraços e SRN
Roberto
Excelente texto!
Bom pra danar, como diria Gonzagão! Só lima esse “PPS” aí do rodapé porque não há meio que justifique a presença do Douradão em meio aos profissionais. SRN
Belo texto, que nosso camisa 10 entenda que ainda existe lenha para se queimar. Os ídolos são marcados pelos títulos.
Kkkkkkkkk e da boa
Não sei não! Mas creio que rola uma erva no céu.
SRN!
Kkkkkkkkk e da boa
Sensacional o texto! Parabéns!
Muito bom! Adoro histórias assim
Adalberto, se curte mais histórias antigas do nosso futebol, não adie a leitura de “Estrela solitária – um brasileiro chamado Garrincha”. É sensacional.
Ótimo texto como sempre