Chegamos ao México numa fresca noite de outubro, 500 anos depois de Hernán Cortés. (Diferente de nós, o sanguinário conquistador espanhol na certa escapou da escala no Panamá.)
No ônibus razoavelmente limpo e confortável que nos levou da Cidade do México a Puebla, repouso no joelho uma nova edição do livro de Erico Verissimo que nos serve de guia, o clássico de viagens “México” de 1957, e faço um comentário qualquer tentando impressionar a companheira de viagem.
A esplêndida ideia de um giro por terras e bodegas mexicanas partira dela, e viera acompanhada de um salutar conselho: “Aproveita esses dias e descansa a cabeça um pouco de Flamengo… Pensar em futebol o tempo todo não pode fazer bem – é final em Santiago, depois final no Paraguai, final sei lá onde… Isso pode prejudicar sua saúde”. Concordei, e lembrei de um certo poeta amigo de Erico, que já escrevera com sabedoria:
“Bem-aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranquilidade. Bem-aventurados os que, por entenderem de futebol, não se expõem ao risco de assistir às partidas, pois não voltam com decepção ou enfarte.” Chamava-se Drummond, vocês devem ter ouvido falar.
Atravessamos a praça principal de Puebla (o chamado zócalo) fintando doces bruxinhas, pequenos esqueletinhos e amáveis mortas-vivinhas, alguns juntos aos pais, outros, mais pobrezinhos, sozinhos a pedir moeditas ou chocolates, nessa ordem. Mesmo no Dia dos Mortos, os ainda vivos precisam se virar…
É ao lado da praça que fica a imponente Catedral de Puebla, e para lá nos encaminhamos. No livro de Erico Verissimo, havíamos lido sobre sua fama de ser a mais “hermosa catedral de America”, e não nos decepcionamos ao entrar. Na direção do altar impactante e único, o chão está coberto por um tapete de pétalas de cravos-de-defunto, a flor laranja-choque típica do feriado mexicano. “Algo me oprime o peito. É como se eu voltasse do enterro dum amigo”, escreveu Erico, ao deixar a igreja. Meu espírito é outro ao adentrá-la, o de turista curioso, achando tudo bonito e digno de uma espiada.
Ao avançar catedral adentro, percebo a presença de um padre velhíssimo, sentado num confessionário de madeira a escutar os pecados de uma devota. Atrás dela, uma fila considerável de locais pueblanos, turistas e cristãos de vários matizes prontos a confessar. O sacerdote também me nota, e fica a me fitar, com seu olho esquerdo mais esbugalhado que o direito. Procuro baixar a vista, e é quando percebo o belo chão da basílica: um piso de pedras frias antigas, com quadrados pretos e vermelhos de cerâmica alternados, como uma enorme, secular e sagrada camisa papagaio de vintém.
Basta aquela visão para que eu perceba que algo também me oprime o peito e precisa ser expelido: olho a face pergaminhada do padre, seu olho esbugalhado duro contra os meus, e desabo de joelhos, contrito.
– Perdón, viejo Padre! Estoy arrepentido y tengo de confessar… Si, Padre, eu fui contra a demissão do Abel! – e começo a desfiar meus pecados, aos borbotões.
– Si, Padre, yo admito! Mas como poderia imaginar que depois do colombiano Rueda, que terminou às turras com o elenco, um técnico estrangeiro iria conquistar esse elenco cheio de estrelas? E convencer todas essas feras a correr o triplo?
– Viejo Padre, o Filipe Luís me lembra um guitarrista vindo de Rio das Ostras, nem sabia que ele lia livros de anatomia e nutrição, Padre! E numa buena? Achava que bastava o Rafinha numa lateral para termos um grande time…!
– Imperdonable pecado, Padre! Pensava no Bruno Henrique e só lembrava aquele atacante do Santos que fizera um gol contra pra gente, quando o Flamengo jogou com o Peixe ano passado… Padre, eu achava ele um perfeito reserva pro Vitinho! Perdón!
– Ah, El Gabigol, seo Padre… El Gabigol, para mim, sempre foi um atacante que fazia dois goles e perdia dez, e não via nada de mais nele, usted compreende? Como podia crer que ele escutaria os mandamentos de Jesus (não esse aqui deitado, o outro) e passaria a chutar de primeira sem dar dois toques na bola? Perdón!
– E quando o Rodrigo Caio levou aquele gol de cabeza ridículo contra o Bangu, nos primeiros jogos do ano? Padre, yo fiquei preocupado!
Neste instante, escuto uma voz vinda de cima: “Oya a fila, cabrón!”, mas sigo em frente:
– Oh Cielos! Eu tinha uma fé impura que o Cuéllar era a base do time, que o Pablo Marí era um Réver de barbicha, o Gerson não passava de um Toró 5G e, Padre, ó Padre, yo confesso: un dia, foi solamente un dia, eu xinguei o Arão! Hoje busco perucas do Arão para comprar na calle Uruguayana ou na loja do Fla, e ninguém me vende, chuinf…
– E Padre… Padre! Yo já tive temor do Grêmio, Padre!
Penso em descarregar outros pecadilhos, como os gibis antigos que surrupiei na primeira série do Alu (foi mal, Alu!) e aquela noite na boate Circus em que me aproveitei de um banho de espuma para bolinar uma… até que recebo um cutuque.
“Você está bem?”, pergunta a companheira de viagem. “Voltei do altar e encontrei você aí em transe, ajoelhado, o que houve?” Desconverso: “Deve ser a altitude. Preciso de uma margarita de tamarindo, vamos?”
Ao seguir caminhando, contudo, espio com o rabito dos olhos o velho pároco, que enfim sorri, e piscando o olhão esbugalhado, dispara em bom latim:
– Yo te entendo, hijo! Reze 81 Padres-Nossos, 19 Aves-Marias e, ainda como penitência, aguarde uns perrenguitos contra Goyas, Corinthios, Botafuego e Basco… Vaya con Dios e con San Judas Thadeo, el único santo que ostenta medalhas!
E saímos, com a alma leve, o coração puro e a fé renovada no bom Jesus, e em todos os seus 32 apóstolos de chuteiras. Amém!
Show….. E Ufa q bom q está perdoado e purificado para o jogo mais importante de nossas vidas. E ainda bem q ninguém te ouviu sobre o Abel rsrs
Se o negócio é confissão, sugiro a republicação de um texto de um tal de Ladrilheiros, postado neste blog após uma foto do Braz com o Presidente da República.
Quem aplaudiu efusivamente aquele absurdo deveria ajoelhar no milho também.
Quem aplaudiu e defendeu aqueles dois vigaristas na aba do Flamengo é que precisa muito se ajoelhar no grão-de-bico, se arrepender e se chicotear. Penitenziagite.
kkkkkkkkkkkkkkkkk Toma!
As partidas mais difíceis foram contra times dados como barbada. Em contraposição, os duelos “do século” foram passeios (!).
Se a escrita for mantida, o Flamengo dará um baile no River.
Torçamos com a devida fé na estatística…
Se no começo do ano um diabinho viesse até mim propondo uma aposta: Te darei um milhão de euros caso Bruno Henrique, Gabigol e Rodrigo Caio arrebentem, se eles não fizerem isso você me paga 100 reais. Eu teria recusado a aposta.
Hilario e inspiradissimo texto!!! E se eu la estivesse, tambem cairia contrito de joelhos e confessaria todos os pecados futebolisticos citados! Parabens!!
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Texto postado pelo Grão Mestre, Muhlenberg, nos idos de 2011. Escrito por Braz, meu compadre, sobre…um Encontro inesperado em Lima!!!
http://amigomamute.blogspot.com/2011/04/eu-to-aqui-em-lima-eu-to-do-lado.html?m=1
Quem assina é o atual vice Marcos Braz ou é um xará? Bela história!
É um xará!!!
Perfeita quase toda a ‘confesión’.
Exceto, pra mim, pelo Gabigol cujo na maioria do tempo, me faz chamar de GabiBosta.
O cara erra passes ridículos e perde gols de montão. Se o time não o deixasse na cara do gol, sei não…
Mas, é o artilheiro, conquista a torcida, etc, etc.
Na verdade, isso não importa.
Segue o baile!
Caçaroletas Flamjantes, Batman!!!! Dunlop épico! Magistral.
Paguei mico rindo alto no curso de inglês dos meus filhos….
Mas já to programando pagar essa penitência contigo.
Obrigado, Mestre!
Outra brilhante! Mas lembrar do Abel em plena Catedral é pra pagar esse e outros pecadillos. Valeu!
Antes ele do que o irmão Caim, que não é lá muito bem visto até hoje.
hahahahahahahahhahahahahahahahahaha genial, as usual!
Poorrraaaa…… Parabéns Dunlop!!!!! Top demais!!! SRN….
Bueníssimo maestro!
Demais, demais!
caralho bicho que texto foda !
essa da boite circus foi hilário,fui frequentador assiduo.
na verdade duvidei tbm do português e pensava exatamente a mesma coisa do cuellar,arão…etc
SRN !
A gente não presta, bom Chacal.
Heptacular!