O Flamengo, como até as crianças de colo sabem, é uma entidade cósmica que atrai tudo pra sua órbita com sua força gravitacional imensa. O Flamengo é uma singularidade. Daí que se algum infeliz em busca da paz de espírito cogitou não pensar na semifinal de hoje é absolutamente certo que não conseguiu. Porque há dias o Flamengo está presente em todo e qualquer assunto. E nas raríssimas ocasiões em que citar o Flamengo realmente não tem nada a ver logo aparece um flamenguista pra mudar de assunto e falar do jogo.

Não é mole não. A emoção é muito grande, maluco. E a ansiedade maior ainda. Faltam apenas algumas horas para começar o jogo das nossas vidas dessa semana. Até aí, tudo bem, estamos habituados ao protagonismo. O que fode com tudo é que estas poucas horas estão inseridas no dia mais longo da história. Um daqueles dias em que o tempo simplesmente se recusa a avançar na velocidade correta. O relógio está nitidamente de sacanagem com a nossa cara.

O cumpadi Einstein (ex-Gerasamba) já deu a planta sobre essas deformações na malha do espaço-tempo. Se você perguntar com jeitinho a Teoria da Relatividade Geral explica tudo aos inocentes. Um jogo como o de hoje é um buraco negro, uma região na imensidão do cosmo que tem tanta massa, é tão densa, que nada, nem as partículas que se movem à velocidade da luz, é capaz de escapar. E sabem onde é que os buracos negros começam? Numa superfície esférica, que os astrofísicos chamam de horizonte de eventos, que é o que marca a região a partir da qual, se algo a atravessar, não poderá regressar.

O Flamengo está a tão somente 90 minutos de cruzar esse horizonte de eventos e adentrar em uma região na qual não coloca os pés há 38 anos. Treinta y ocho años, muchachos! Daqui pra frente, teoricamente, não tem mais volta. Sabe-se lá onde podemos chegar, sabe-se lá quando o nosso bonde vai parar. Me dá uma água com açúcar, um uíscão, um cigarrão e uma meiota de Rivotril porque eu tô tinindo, trincando.

O Flamengo pisar no gramado do Maracanã com, no mínimo, 50% de chances de voltar à uma final de Libertadores depois de um aparentemente interminável exílio é, por si só, um fato histórico transcendente, ao qual já estou aplaudindo desde aquele jogo de ida no Uruguay del Norte em que nos surrupiaram 3 gols na mão grande do VAR. Mas aqui é Flamengo, só choramos de emoção ou picando cebola.

Chegar até onde chegamos já é motivo de um orgulho imenso, desmedido. Aos pragmáticos materialistas pode parecer que tamanho orgulho seja muita vela pra pouco defunto, afinal, uma semifinal é uma semifinal, mesmo de Libertadores é só uma semifinal. E o Flamengo ainda não ganhou nada. Acontece que esse orgulho tem menos a ver com conquistas materiais e lauréis esportivos e mais com a peculiar noção de justiça que os rubro-negros compartilham.

Uma enorme parte da torcida do Flamengo nunca viu o Flamengo bater tão forte, voar tão alto, chegar tão longe. A despeito disso ouviram durante suas vidas inteiras que o Flamengo tinha que jogar a Libertadores todos os anos e vence-la em alguns deles. Com alguns times com que já disputamos a Liberta isso era ficção científica surrealista. Mas aquela parte que dizia que esse era o destino manifesto da Nação onde o Sol nunca se põe era a mais pura verdade.

Ou seja, tanto os jovens descobrindo a sensação de sobrevoar a estratosfera nas asas do Flamengo, quanto os veteranos mais churriados, que já tinham até esquecido de como o ar é rarefeito nessas altas altitudes, sentem no seu íntimo (ui, eles tem íntimos) que o Flamengo está voltando a ocupar um lugar ao qual sempre teve direito. É uma volta pra casa, mesmo pra quem nunca nem passou pela frente da casa.

Não foi papai que deu, mas se hoje o Flamengo está de volta ao topo da cadeia alimentar para ocupar o posto de predador máximo que sempre foi seu é porque mereceu. O Flamengo ralou, trabalhou, se humilhou quando necessário, mas voltou a ser imenso só jogando bola e encantando as massas proletárias, o clero e a burguesia. Só quem não gostou foram os arcoiristas safados. A justiça, na acepção mais nobre do termo, foi feita. Quando a justiça é servida o povão se regozija. E o povão é nóis mesmo.

Agora as cartas estão todas na mesa. Já sabemos até a quem enfrentaremos numa final de Libertadores caso tenhamos a competência de lá chegar. Boca x River mostraram um futebolzinho bem mixuruca, mas quem assiste Boca x River esperando bom futebol? Pra isso se assiste aos jogos do Flamengo. Do embate entre os hermanos esperamos apenas deslealdades, indisciplinas, expulsões e algumas fraturas.

E até nisso decepcionaram, é quase inconcebível uma semi de Libertadores emasculada, que termina sem um mísero cartão vermelho, sem uma camisa rasgada, sem um ou dois corpos estendidos no chão. Era papo até de devolverem o dinheiro dos ingressos pela falta de empenho dos contendores. É por isso que o futebol feminino está entre as modalidades esportivas que mais crescem no mundo. Pelo menos as meninas se entregam.

Mas deixa os argentina pra lá, hoje é pra enquadrar a gauchada, começando pelo Renight vacilão. Pros nossos caras nem precisamos falar nada, estão todos jogando demais, com a raça, o amor e a paixão que a torcida exige, que o Manual do Funcionário do Flamengo recomenda e que o Mister cobra com extrema severidade. Eu adoro Jesus dando esporro em todo mundo quando já está 3×0 pra nós. Faz com que eu pareça ser um cara calmo e equilibrado.

Mal posso esperar pra ver um dia Jesus dando uma volta olímpica de dedo em riste, descascando a rapaziada: – Segura isso direito, cara! Levanta os braços, a taça tem que ficar acima da sua cabeça! Ô Renê, vem aqui, ó pá!  Pega essa taça, mas pega que nem homem, não larga!

Enquanto a nossa hora não chega mantenham o controle e sigam as regras. Principalmente a regra numero 01 do rolê: NAO HÁ REGRAS!  Cada um se acalma como preferir. Um amigo meu se tranquiliza contabilizando quantas pessoas usando camisa do Flamengo passam por ele durante o dia, eu escrevo longos textos sem o menor sentido, um outro se diverte causando panes nas redes elétricas dos hotéis em que nossos adversários se hospedam. É Libertadores, vale tudo.

Segurem as ponta aí. Lembrem-se que nossa meta número 1 é ficar vivo pelo menos até as 21:30. O que rola dentro de campo é responsabilidade de Jesus, que inclusive exige que os caras se matem. Na torcida ninguém precisa morrer. Mas se quiser, pode. Desde que não atrase o início da partida.

Disciplina, Amizade e Família.

Mengão Sempre