Caro Bandeira,


Não foi só o Brasil que parou durante as eleições, nosso blog aqui também. Por isso só agora, e creio que falo em nome de todos os nossos patrióticos colaboradores, venho parabenizá-lo pela sua expressiva marca nas urnas. Sei que detratores vão tentar minimizar seus 38.500 votos com argumentos rasos como “Ah, não dá nem meio Maracanã lotado”, ou, para os pevecianos, “Vale lembrar que o Eurico no pleito de 1994, quando mandava no Vasco, computou 56.743 votos, um baile”. Bobagem.


Fato é que os números não foram suficientes para o senhor se tornar deputado federal pelo partido “Rede” (ponto para o seu humor), com o número de chapa “1818” (o 81 invertido, né? Saquei essa também). Mas o resultado final só pode ser sinal de carinho da massa rubro-negra pelo seu presidente: ninguém merece passar os próximos quatro anos ao lado de eminências como Pastor Sargento Isidório (partido Avante), Nelson Barbudo (PSL), Celso Russomanno (PRB), o palhaço Tiririca (PR) e o mermão rubro-negro Alexandre Frota (PSL). Acredite, seria divertido no começo, mas não lhe faria bem.


“Bilhete a um candidato”, caro Bandeira, é o título de uma crônica antológica de Rubem Braga, em que o escriba confessa a um velho amigo por que não votou nele em outubro, e lamenta sua não eleição de modo gaiato e ferino – uma crônica decente, não isto que você gentilmente lê; de todo modo, tal e qual o Velho Braga fez, assumo que dei meu votinho para outro; e, diferente do Flamengo de 2018, o cara foi para as cabeças.


“Meu caro candidato: você deve ter notado que na 122ª seção da quinta zona, onde votei, você não teve nenhum voto”, admite mestre Rubem, na crônica escrita precisamente há 60 anos. “Palavra de honra que eu ia votar em você; levei uma cédula no bolso. Mas você estava tão garantido que preferi ajudar outro amigo com meu votinho. Foi o diabo. Tenho a impressão de que os outros eleitores pensaram a mesma coisa, e nessa marcha da apuração, se você chegar a 300 votos ainda pode se consolar, que muitos outros terão muito menos do que isso.”


Tal trecho me parece bastante atual, em especial quando percebo que em minha zona eleitoral, a 17ª, você teve muito mais votos do que o amigo de Rubem – quase 800! – bem à frente de respeitáveis concorrentes seus, como o Zé Bonitinho, Fabio da Padaria, Dudu Uga Uga, Lobão do Karaokê e o célebre Zerinho Zerinho, que não fez jus ao nome e teve, no total das urnas, 143 votos. Mito é isso.


Não dava mesmo para fazer milagre, ainda mais nessa eleição esquisita que consagrou as bancadas do altar e dos halteres, uma penca de fiéis e bombadinhos cuspindo suco biliar em quem passava. Nunca senti, caro Bandeira, um clima tão pesado quanto nas ruas no último dia 7 de outubro. Vi senhores de camisas amarelas arregaçando os dentes e clamando: “Recebi aqui no zap-zap e vou votar 20 para governador, não sei nem quem é o sujeito, rá rá rá.” Sim, certamente uma festa democrática bem estranha, com gente esquisita. Procurei abrigo no bar “O Caranguejo”, em Copacabana, onde também sentaram o rubro-negro Ruy Castro e outros mestres. (Não perguntei se ele votara em você, não tenho essa intimidade toda.)

Entre um chope e outro, fui até a banca ver se os jornais traziam algum alento em forma de boa notícia. Ledo e ivo engano – dei de cara com o Flamengo capengando na tabela do Campeonato Brasileiro, com as últimas pesquisas eleitorais e, pasme, a única manchete que no meio de tudo merecia berrantes três pontos de exclamação: “Karola é filha de Laureta!!!”.


Fosse outro o clima, o Mengão com a faixa no peito, sem tanta polarização, com a Karola feliz nos braços de Laureta, será que o senhor seria eleito? Não sou capaz de afirmar, Bandeira. Parafraseando um grande xará seu, poeta consagrado, sinto que a torcida rubro-negra reconhece seu denodado esforço ao comando do clube, mas está “farto do jogador comedido, do jogador bem comportado. Do jogador funcionário público com livro de ponto expediente”. Sobrou lucro e faltou alma à sua gestão, caríssimo Bandeira.


Repare que não concordo com a pecha de “Banana”, impingida por torcedores amigos e comentaristas respeitáveis, pois acho que essa reputação de fruto partenocárpico simplifica demais o que é falta de experiência, de competência ao contratar, de saber a hora de dar o algo mais na reta final. Se bastasse ser “casca-grossa” para ganhar no futebol, o Dunga seria o treinador ideal e o próximo presidente do Flamengo seria, sei lá, o Alexandre Frota (“apaga isso, bicho, nem dá ideia”).


(Falando em Frota, uma súplica: não deixe seu mandato acabar sem esclarecer um mistério que começa a fazer vento no remo da Gávea: onde estariam os famosos barcos Ingá e Itacoatiara, patrimônios do clube?)


Comecei recomendando a leitura do rubro-negro Braga, e termino com a dica do tricolor Jô Soares. Em sua biografia, Jô recorda brevemente uma figura fundamental da história rubro-negra, cujo espírito tem feito falta: a do paraibano Togo Renan Soares, o popular Kanela (1906–1992), técnico bicampeão mundial de basquete e treinador do Rolo Compressor rubro-negro. Kanela, que sabia extrair o melhor de seus atletas e mandava embora os desinteressados, era um ranheta com um gênio horroroso, mas na hora H, trazia o caneco. Como Jô conta no livro, seu tio não queria saber de perder nem disputa sobre a melhor goiabada:


“Na pensão onde ele morava, havia um senhor de bastante idade. Um dia, depois do almoço, eles começaram a papear sobre a goiabada. Titio falou:
– Gosto daquela goiabada cascão, aquela dura, que tem pedaço mesmo de goiaba.
O velhinho respondeu:
– É, é boa, mas prefiro a outra, a mais macia, porque tenho dentadura e aquela dura gruda nos meus dentes.
– Mesmo assim, eu acho que a verdadeira goiabada é a goiabada cascão.
– Mas a cascão eu não consigo comer.
Possesso, Kanela se levantou, começou a bater na nuca com a palma da mão direita e a gritar com o velhote:
– Nesse cangote aqui ninguém monta. Tá pensando o quê? Em mim ninguém monta! Goiabada é goiabada cascão!”


De seu eleitor (em 2012),
Marcelo Dunlop