Um sábio de pé sujo me disse uma vez na Lapa que vida é tudo aquilo que acontece entre dois jogos do Flamengo. Na hora não tive disposição pra argumentar e foi muito bom eu ter ficado calado porque o douto pinguço era daqueles que nunca sentem frio porque está sempre coberto de razão. A centralidade do Flamengo no universo é irrefragável, se incontáveis multidões ciscam pelo planeta ainda inconscientes deste fato a culpa é exclusivamente da prevalência do ego.
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O hinduísmo ensina que os principais objetivos na vida são alcançar a libertação espiritual, seguir o dever moral e buscar a prosperidade material — Moksha, Dharma e Artha para os íntimos. Ora, se até nos Vedas, os textos religiosos mais antigos do mundo, encontra-se motivos para apoiar e bater palmas para tudo que o Flamengo vem fazendo nos últimos 129 anos, é mais do que lógica a conclusão do ébrio pensador na Lapa.
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Por isso suas palavras jamais foram esquecidas por mim. Aconteceu tanta coisa fora dos gramados entre os últimos jogos do Flamengo que pro ser humano comum, seduzido por Maya — a deidade das ilusões — à escravidão do dualismo do mundo sensorial, que os mais recentes grandes feitos do Mais Querido da Gávea sobre os quadriláteros relvados brasileiros podem mesmo parecer coisa de pequena monta. Mas não são, não cometa esse erro fatal de avaliação nem de brincadeira.
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Depois de roçar perigosamente o terreno árido da irrelevância continental o Flamengo, numa reviravolta típica em sua história, voltou a ser o fodaralho da América católica, confirmou os gato-mestres menos amalucados e se classificou com relativa facilidade para a fase de mata-mata da Libertadores. Tratando seus adversários no Maracanã com o desprezo e a altivez que lhes era devido o Flamengo conseguiu vitórias expressivas e calou, ao menos temporariamente, seus críticos mais mordazes. A herética sugestão de que o Flamengo seria incapaz de avançar à fase eliminatória da competição continental era ofensiva e comprovou-se descolada da realidade.
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Mas agora, pós sorteio, que já se sabe que o Flamengo voltará a terçar bigodes com os bolivianos do Bolívar (aliteração involuntária) nas oitavas, os mesmos mercadores do caos ressuscitam suas invectivas antirubronegras com o propósito de alarmar a torcida rubro-negra e dar algum alento aos arcoíristas de miolo mais mole. Que monumental perda de tempo.
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Como se o Flamengo, que categoricamente pisoteou o pescoço dos bolívia no Maracanã na fase de grupos, estivesse condenado a sucumbir diante dos perrengues causados pela altitude antiesportiva de La Paz no jogo de volta das oitavas. Até eles sabem que isso não vai rolar. O Flamengo meio que garantiu a sua passagem para as quartas de final, o que é uma das coisas mais naturais do mundo. E só digo meio por respeito aos coléricos deuses do futebol, que também curtem uma fanfarra, mas só até certo ponto. Jamais coloque em dúvida a capacidade desses deuses marotos em cagar a sua vida.
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E entre o último jogo do Flamengo na Libertadores e a volta do Campeonato Brasileiro a vida nos reservou surpresas surpreendentes. Quem poderia imaginar que um zagueiro de 28 anos e folha corrida sem muito brilho como de Fabrício Bruno receberia uma oferta para disputar a Premiere League pelo West Ham? E menos gente ainda seria capaz de prever que a oferta dos Hammers seria recusada pelo previdente e calculista Fabricio Bruno. Que simplesmente fez as contas básicas e concluiu que não fazia qualquer sentido sair do Flamengo para jogar num clube menor ganhando a mesma coisa. A decadência é até aceitável, desde que a recompensa financeira compense o downgrade.
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Na chamada vida houve também um formidável tumulto protagonizado por Gabigol, que se mostrou inábil não apenas pra chutar de direita, mas também pra se vestir nas horas de folga e mandou um figurino de mau gosto que provocou a ira da adorável torcida do Flamengo, ciumenta e vingativa como uma Medéia de chinelo de dedo. Fotos foram rasgadas, cartas de amor foram devolvidas, tiraram a camisa 10 do rapaz à força e organizou-se uma lista de espera para os interessados em pagar o Uber que levaria o jogador caído em desgraça para a casa do caralho. Gabriel descobriu da pior maneira possível que a torcida do Flamengo quando corneada é apenas insuportável.
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E Gabigol estaria até hoje no corredor da morte se o Flamengo não tivesse que cumprir um compromisso adiado em função da discutível, midiática e demagógica paralisação do Campeonato Brasileiro em função, não das terríveis enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, mas sim das irritantes eleições municipais em outubro. Malditos mil vezes os que instrumentalizam o sofrimento do povo por interesses subalternos. O fato é que o Clássico do Milhões inicialmente marcado para o dia 19 de maio só foi jogado no dia 2 de junho.
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A nova data da partida tornou-se histórica, entrou para o calendário das efemérides flamengas. No gramado do Maracanã o Flamengo aplicou uma surra de tamanha proporções no seu vice preferido que em São Januário debate-se a sério a desapropriação da SAF(ada) 777, a deposição do presidente Pedrinho, a aposentadoria da cruz de Malta (que na verdade sempre foi Pátea) e até mesmo a devolução das terras roubadas no Brasil aos povos originários.
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Como se percebe, o Flamengo meteu meia dúzia de gols na baranga de fé e fudeu pra sempre com a cabeça fraca do vascaíners. Parafraseando um famoso loser, o desrespeito voltou. A hexahumilhação foi muito além dos sonhos mais malucos dos rubro-negros. Culminando com a reabilitação temporária de Gabigol, que de candidato pule de 10 ao pelourinho, depois que meteu o sexto côco no balaio bacalhau (num gentil oferecimento de outro proscrito, Wesley) voltou a ser o queridinho de quem fecha com o certo e não liga muito pra valores do século retrasado como honra, respeito e compostura. Os mesmos celerados que berravam a plenos pulmões Ô Gabigol, vai se fuder, o meu Flamengo não precisa de você! em questão de segundos cantavam maviosamente Ôôô o Gabigol voltou, o Gabigol voltouôô.
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Em outra palavras, a torcida do Flamengo não julga serem necessárias as exibições públicas de coerência, vergonha na cara ou bons modos. O tribunal da arquibancada absolveu Gabigol de seus terríveis crimes, com a empáfia e autosuficiência de um presidente safado e corrupto que indulta às canetadas seus parças criminosos. Gabigol está zerado. Desde que o insurgente atacante contrate imediatamente, às suas expensas, uma figurinista com mais de dois neurônios que trabalhe nos fins de semana e um assessor especial de vai dar merda para evitar constrangimentos análogos no futuro.
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Mas Gabigol nem é o personagem principal da epopéia que se desenrolou no Maracanã no domingo passado. O personagem principal foi o Flamengo enquanto espírito e corporificação. Quem estava presente jamais poderá se esquecer da montanha russa de emoções proporcionadas pela neurótica evolução do placar. O Flamengo só conseguiu manter a igualdade da partida até os oito minutos e depois de levar o gol de honra da baranga demorou 20 minutos inteiros até conseguir empatar com Cebolinha. Mas cinco minutos depois já estava na frente com o gol de peitoral de Pedro. Mais dez minutos e David Luiz fez o terceiro gol. Enquanto o Flamengo ia sorridente e vencedor pro vestiário o povo da baranga já deixava o Maracanã com ímpetos depredatórios em direção a São Januário e outros logradouros de má fama na cidade.
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No segundo tempo o ki-suco entrou em ebulição com o gol pictórico de Arrascaeta, que também foi o artífice principal do gol de Bruno Henrique e pra fechar o caixão dos vices até Gabriel Barbosa, que andava mais por baixo que barriga de jacaré, foi lá e fez gol. Um esculacho, um deboche, uma degradação. Mas a vasca não pode reclamar, foi jogar com o Flamengo porque quis. Se eles pretendem ficar na Primeira Divisão todo ano o risco de que a tragédia aconteça outra vez é enorme. Depois não venham nos culpar.
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Mas é incrível como o universo conspira contra a torcida do Flamengo. Depois dessa virada de chave sensacional, vivendo o puro clima realista do Rumo a Tóquio, o Flamengo é obrigado a refrear seu ímpeto desenvolvimentista por causa da irrelevante Copa América Cucaracha e das inúteis e desnecessárias datas FIFA. Como também disse em outra ocasião o sapiente bebum da Lapa, a torcida do Flamengo pode ter tudo, menos um dia de paz. Esses 10 dias sem Flamengo vão ser de amargar.
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Mas não sofram ainda. Não foi o sabe-tudo da Lapa quem disse que todo sofrimento psicológico é fictício, porque ou está armazenado na memória do passado ou na imaginação do futuro, porque ambos são apenas ilusórios, o passado já passou e o futuro ainda não chegou. E que o único momento real é o presente em que reside a eternidade. Quem disse isso foi o Buda. Falo do célebre príncipe Sidarta Gautama e não do gordinho vascaíno do Big Brother que resolveu voltar ao Maracanã justamente no domingo. Ô sorte.
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Mengão Sempre
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Arthurzão não sente frio!
Boa, Arthur!
Acordei bem, feliz, animado! Sou Flamengo! Sou assim!
Ótima resenha!
Hoje tem decisão de Brasileiro!
Flamengo x Franca.
Nós queremos respeito!
Temos comprometimento!
Nosso grupo é forte!
Isso Aqui é Flamengo!!!!
ô ôôôô ô ô ôôôô ô
Vamos Flamengo!!!
OOOOOO O URUBLOG VOLTOOOOOOU, O URUBLOG VOLTOOOOOUUUUUU
Parabéns Camarada!!!
Assisto muitas vezes o Arthur na ‘voz da torcida’ e no podcast campeão do maior rubro-negro! Às vezes indago a minha mente: será que essa turma do vídeo e redes sociais entende esse cara auto-astral, não exatamente concebido para telas e profundamente desvairado pela paixão flamenga em suas teses, comentários e projeções? Fico desconfio que não! Quando leio um texto como esse “A vida como ela é.”, então tenho a certeza que a citada turma, ainda não sabe quem é o Arthur! Quando essa geração aprender a gostar de ler, vão saber quem é a Voz da Torcida!
É um craque no texto esse sujeito. Não é a toa que se chama Arthur.