Talvez o Flamengo tenha batido o recorde mundial de contratar técnico. Demitiu o Ceni às duas e meia da madruga e às sete da noite já tinha assinado o contrato com seu sucessor. Ponto pra Braz e Spindel pela velocidade. Verdade que eles deram muita sorte, Renight, por coincidência, estava no futvolei com a rapaziada em Ipanema e foi fácil marcar uma conversa. Escreveram um contrato rapidinho e foram encontrar com o estrategista só pros finalmente. Depois de 23 anos de exílio Renato Gaúcho deu a canetada fatídica e está de volta à Gávea.

Óbvio que as conversas preliminares com o Renato já estavam rolando há muito tempo. Só estavam esperando o Rogério estar oficialmente desligado pra cercar e abordar o elemento procurado. É aquela novelinha que todo mundo sabe que é caô, mas finge que acredita para dar aquela demão de ética comercial ao nebuloso negócio do futebol profissional.

Teve gente que não gostou da contratação, teve gente que adorou, mas isso é normal. Qualquer unanimidade rubro-negra é uma abstração. Agora que é um fato consumado nem fica estranho dizer que havia uma certeza cósmica que Renight um dia seria o treinador do Flamengo. E a cada dia que passava Renight ficava mais perto da Gávea, numa aproximação lenta e inexorável. A marcha dos acontecimentos na flamengosfera criaram as condições para a formação da tempestade perfeita: Flamengo sem técnico na hora que não pode ficar sem, torcida na revolta, Renato na pista, ano eleitoral. Bingo! Profecia cumprida.

Parece cornice, mas é uma tarefa impossível falar em técnico do Flamengo sem citar Jorge Jesus, que foi o cara que estruturou o único time que sossegou a periquita da torcida nos últimos 40 anos. O parâmetro para qualquer comparação sempre será o time de 19 e os dois treinadores que substituíram o Míster se dedicaram com afinco, embora sem sucesso, a desmontar aquele time e imprimir sua própria assinatura tática. Ou seja, se meteram a consertar o que não estava quebrado. Deu ruim pros dois.

O próprio Rogério Ceni, com suas limitações, defeitos e absoluta falta de carisma e identificação com o povo bem-vestido foi capaz de levantar taças com esse time que ele tentava destruir. O clube até poderia ter apostado na continuidade do trabalho, segurar a onda da fase ruim, se comportado como um time europeu sério e mantido o treinador durante toda a temporada. Mas esperar tal atitude em ano eleitoral do Flamengo é viagem de ácido.

Renato enfrenta resistências das mais variadas, a torcida do Flamengo curte muito cultivar vendetas com ídolos que vestem camisas rivais e há quem ouça a expressão gol de barriga e vidre os olhos, agonize e sangre como um César apunhalado. Outros o consideram apenas primitivo taticamente, um retranqueiro com mais sorte que juízo que se notabilizou pelo feio e bruto jogo da fronteira que se pratica no Uruguai do Norte.

E tem também uma galera que teme o pouco traquejo de Renight nas disputas em pontos corridos, que o faz privilegiar as copas. Bem, isso de prestigiar copas em detrimento das ligas é que fazem os times com elencos curtos. No Flamengo Renight vai encontrar uma mentalidade completamente diferente, a começar pela nossa característica mais distintiva em relação aos outros 19 participantes da competição: — no Flamengo, Brasileiro é obrigação. O resto dos defeitos do Renato, que certamente são inúmeros, terão que ir sendo neutralizados à medida em que se tornem problemas. Agora é só lazer.

O Flamengo tem os mata-mata pela frente e só mais 30 jogos pra confirmar o ENEA, o que mais precisamos é de um técnico da escola vamoláporrista que seja capaz de não atrapalhar ao que restou do time de 19. Alguém que seja capaz de distribuir os coletes e deixar os melhores jogarem o que eles já sabem jogar. Se esse técnico já tiver alguma identificação com as massas incultas que alicerçam o Flamengo, melhor ainda. Tem alguém com esse perfil na pista que seja muito superior ao Renato?

A contratação de Renato significa uma agenda positiva por algum tempo pro Flamengo. E o cara é sortudo, chega num momento aparentemente cabuloso, de crise, mas se olhar direitinho o primeiro trabalho de Hércules não chega a ser uma façanha. Basta não ser esculachado por ABC e Defensa y Justicia, tarefas até reles com a volta dos reféns da Copa América. Se não perder esses jogos, a paz, ainda que transitória, se instalará automaticamente no Ninho do Urubu e permitirá um primeiro mês de trabalho sossegado.

Mais do que o futebol propriamente dito, Renato vai dar uma levantada no astral do time. Que andava refletindo a personalidade do Ceni, sorumbática, de mão no bolso e sempre com pinta de quem tá contando os minutos pra voltar pra casa. Vai ser bom ver alguém vibrando na frente do banco do Flamengo. Sem falar nas coletivas ao fim dos jogos, que finalmente despertarão algum interesse. Futebol é esporte, mas também é entretenimento. Não há discussão sobre o fato de Renight, enquanto produtor de conteúdo, está anos luz à frente de seus competidores no Brasil.

O estilo do Cláudio Coutinho era castrense, Carpegiani era reservado, Carlos Alberto Torres era simpático, Carlinhos mais na dele impossível, Andrade sapato blindado, Jesus verboso e Ceni, goleiro do São Paulo. Renight poderá ser o primeiro técnico 100% fanfarra campeão brasileiro pelo Flamengo.

Como isso tudo vai acabar ninguém sabe. Mas é certo que o folclore em torno de Renato, o seu soft power, sua identificação verdadeira com alguns valores cariocas tradicionais como praia, chopp, apreciação ostensiva do sexo oposto, zoação e uma maneira muito rubro-negra de expressar modéstia e humildade farão nossa jornada rumo ao ENEA muito mais divertida.

O jogo contra a Chape nesse domingo, um primor de inadequação ao calendário da crise rubro-negra, acabou ficando meio imprensado entre a necessidade de recuperação na tabela e a desimportância por marcar o fim de um ciclo não muito feliz. Mas tá tudo certo, se o Flamengo ganhar dirão que os jogadores estavam felizes com a mudança e mostraram capacidade de autogestão. Se empatar vão dizer que o time lutou muito, mas sentiu falta de comando e se perder é porque Rogério Ceni deixou o time em frangalhos.

Vamos em frente, no sapatinho habitual, que o caminho é bonito, mas é ladeira. O mais prudente é ficar sempre contra o novo treinador no primeiro momento. Se por acaso o cara for bem diremos que ele evoluiu muito no Flamengo. Se der qualquer merda ainda temos a carta do Eu avisei!

Mengão Sempre