Comprovando que o Campeonato Brasileiro disputado no sistema de pontos corridos e partidas ida e volta é o derradeiro sepulcro das emoções esportivas, o complemento da sua rodada 34 não apresentou uma mísera surpresa. Os chimangos do Internacional, com os pelinhos da nuca eriçados pelo bafo quente do aproximativo Flamengo, claudicaram em Curitiba, deixando pelo caminho dois pontos que julgavam já possuir.

E o Flamengo, monótono, passou a vara na Vasca com comovente facilidade, encurtando ainda mais a distância para o líder provisório e deixando todas as torcidas do Brasil que ainda tem um pingo de vergonha na cara boladonas e matematicamente desesperadas porque o papai chegou.

O primeiro tempo do jogo no Maracanã foi brincadeira. Luxemburgo armou a baranga tipo Bangu. Falo de Bangu II, claro, com os camisa-feia tudo preso no próprio campo, seguindo ordens estritas de não tumultuar o bagulho. Os cara ficaram na disciplina e até que tentaram conter as abordagens da rapaziada bem vestida, que trocava passes em alta velocidade, sem apelar pra violência.

O jogo estava sendo jogado na moral até o apitador começar com a palhaçada e punir Diego com um amarelo pela falta gravíssima de levar uma cabeçada de um malandro da vasca. Aí virou zona e quando vira zona o poderio econômico desiquilibra a balança.

Resiliente e com sede de justiça o Flamengo continuou martelando o martelão, o bacalhau só na bicuda, e nada de sair o gol. O ataque do Flamengo, o mais positivo do Brasil, perde gol como se fosse o filho estroina de um bilionário com uma boquinha no governo, sem a menor preocupação com o amanhã. Até que lá no fim da etapa regulamentar o Filipe Luiz iniciou uma linha de passe na área bacalhoa. Bolinha levantada na cabeça do Arrasca, que toca também de cabeça no lugar certo pro Bruno Henrique meter aquela testa abençoada e fazer 1×0.

E isso teria fatalmente acontecido se não fosse o beque da camisa feia dar um totó nas costas do BH e mandá-lo pro fundo do barbante, enquanto a bola apenas resvalada pelo atacante do Flamengo executava uma parábola perfeita e ia pra fora. Pênalti escandaloso, hediondo, explicito e grandão que o apitador não se julgou capaz de validar e pediu ajuda pro osamers do VAR antes de apontar para a fatídica marca da cal. Reestabelecido o estado de direito Gabriel correu, bateu, guardou e acabou o primeiro tempo.

No segundo tempo a parada foi um pouco diferente. Com muito pouca coisa a perder além dos próprios grilhões a vasca voltou do vestiário assanhada, elétrica e agressiva. Viero pra cima mesmo, atacando e disputando o meio de campo. Mas eles não se deram bem, porque no meio do caminho tinha o Gerson. Caraca, Gerson tá jogando muito, é o ponto de equilíbrio do Flamengo. Nosso oito é um déspota esclarecido, absolutista demais, não perde uma disputa e manda na porra toda. É como se ele a cada jogada em que impõe seu domínio afrontoso estivesse glosando Luiz XIV – O estádio sou eu!

Se fosse só Gerson até que dava pé pro Vasco. Mas imaginem a situação, dos 35 jogadores do elenco do Flamengo o único que já vivenciou a bizarra experiência de perder pro Vasco foi o Arão. E isso naquele tempo em que ele ainda lutava pra extirpar da pele a murrinha de perdedor adquirida na sua breve e bíblica passagem pelo Foguinho. Fica realmente complicado bater de frente, tanto que o Luxemburgo no final do jogo foi taxativo: “Jogo do Flamengo você descarta, claro que você quer ganhar pela rivalidade, por tudo que envolve um clássico Flamengo e Vasco, mas o Flamengo está brigando por outro patamar.” E a assim a promotoria encerra o seu caso.

Em um jogo como esse a diferença brutal da qualidade dos elencos não proporciona o que convencionamos chamar de disputa equilibrada, o que salva o troço e mantém um resquício da dignidade de outrora do Clássico dos Milhões é a rivalidade ancestral entre as camisas históricas e as dívidas impagáveis originadas no passado. Como no segundo gol do Flamengo, uma assombrosa demonstração da impulsão vertical de Bruno Henrique Pinto, atualmente o Rei dos Clássicos cariocas.

Bruno Henrique, que é um cruzamento muito bem sucedido entre Little Richard, Usain Bolt e Dadá Maravilha, subiu espantosos dois metros e setenta e cinco centímetros antes de parar no ar como beija-flor e com um polido cumprimento de cabeça lá do outro patamar mandar a nega pro filó. Mais ou menos no mesmo espaço aéreo em que Rondinelli teve que ir em 78 para mandar a vasca do Titio Fantoni pra casa do caralho e iniciar a Era de Ouro rubro-negra.

Um absurdo, o Campeonato Brasileiro não merece Bruno Henrique. Essa que é a foda de se viver em um país célebre pela desigualdade. Quem não é Flamengo se fode. O que é muito bem feito.

Como deve estar se fudendo agora a sofrida torcida do Sem Drenagem. Acuados no meio do caminho, tão pertos do topo, mas já paralisados pelo medo e pela certeza de que o Flamengo vai alcançá-los antes mesmo do duelo marcado no Maracanã para a penúltima rodada do campeonato. É feio pra caramba ficar com medinho antes do jogo, mas errados eles não estão. Como certa vez disse o Abel, vai ser lindo.

Nessa hora que que mussarela começa a derreter a longa espera na fila imensa do Brasileiro, 41 anos de humilhações, espezinhamentos e vergonhas diversas cobram seu tributo e mexem com a mente da rapaziada de vermelho. Até mesmo entre aqueles mais veteranos que ainda lembram que o Inter um dia, no tempo do regime militar e em que se podia atrasar a bola com os pés pro goleiro, foi campeão do Brasil. O Flamengo é o terror, cumpadi.

Faltam só quatro jogos pro negócio acabar e conforme alertamos anteriormente começaram a surgir as mais variadas molecagens tribunalícias para obstaculizar o avanço imparável do Mengão rumo ao rumo. Amparados nos termos teratológicos do Grande Acordo Nacional Para Fuder o Flamengo, Com VAR Com Tudo, sabujos de anel no dedo encomendaram sentenças para vários julgamentos sumários de atletas do Flamengo que foram rapidamente marcados para os tapetões do tribunal Playmobil do STJD.

Tem jogador do Flamengo que vai ser julgado por trocar camisa no fim do jogo, outro porque pintou o cabelo de loiro pivete e um outro porque esqueceu de rebobinar a fita do Rei Leão que alugou quando tinha 9 anos. Para tentar parar o Flamengo não existe prescrição penal, tudo isso será julgado como se fosse em flagrante. Ainda bem que temos plena confiança na idoneidade dos nossos capa-preta. Quem fecha com o certo tem a consciência tranquila, ninguém é mais inocente que o Flamengo.

Deus é 10, Romário é 11 e só faltam 12 pontos. Paz, Justiça e Liberdade.

Mengão Sempre