Uma raposa felpuda da Gávea teve acesso, ao ler por cima do ombro, a alguns trechos do diário do atual técnico do Flamengo. (A tal raposa nega com veemência, inclusive, que haja no Ninho do Urubu a seguinte plaquinha: “Estamos há _ _ dias sem demitir treinador”. Diz que é boato, e o inventor da mentira já foi demitido.)
Parece que o conteúdo do diário chegou a ser oferecido aos mais diversos blogueiros, mas nem o Venê topou publicar. Em nome da informação séria, o República Paz & Amor facilita o serviço ao povo flamengo e, de mão beijada, entrega mais um puro do mais furo jornalismo investigativo. Bem, vocês entenderam.
* Dia 21:
Hoje à noite li um pouco e vi uma mesa-redonda mais chata do que eu falando. Na madrugada, vitrola rolando, enfim consegui paz para parar, sentar e criar novos treinamentos. Desenhei uma linha de passe bem promissora, em formato de losango. Aí me empolguei, fiz mais um cilindro, um cone e uma linha de passe com uma hipotenusa. Amassei e joguei fora. Depois até que a coisa rendeu, e de uma às três da manhã bolei quatro novos treinos específicos. Ainda não sei se os jogadores gostaram: fiquei sonadão e na hora do treino dormi no banco. Lembrete: comprar guaraná em pó. Lembrete 2: pedir pro Diego Ribas me acordar antes do treino.
* Dia 28:
Tentando ignorar as críticas maldosas. Até quando os treinadores e os raros bons comentaristas terão de repetir: no futebol, trabalho sério exige tempo. Tempo, tempo, tempo. Sem tempo, os jogadores não captam os conceitos do treinador, nem o treinador conquista a confiança dos cobras. Tento aprender com a queda do Dome, e acho que já saquei: o lance é não tomar goleada. Derrotinhas de pouco para o Ceará e o Fluminense a diretoria atura, pois a cartolada não toma dura de torcedor na rua. Coitado do Dome, achou que feijoada era paella e se estrepou. Gente boa, o espanhol. Só não precisava ter perdido os dois jogos pro Atlético, vai ser osso lá na frente.
* Dia 4:
Ainda me adaptando ao jeito carioca. Encontrei outro dia no supermercado com o Marcio Braga, e ficamos conversando meia hora em frente aos vinhos. Ele me explicou como o Rio de Janeiro funciona, numa história que escutou do arquiteto Marcos Vasconcellos, no extinto bar Antonio’s. Contava o arquiteto: “Fui levar uma planta na prefeitura para o habite-se e perguntei para a funcionária quando é que saía. Ela, com toda a calma do mundo, olhou no relógio e disse: bom, segunda-feira, quatro e meia da tarde, essa semana tá praticamente perdida.” Rimos muito. Depois cheguei em casa e fiquei na dúvida: era mesmo o Marcio Braga por trás da máscara, ou fiquei de lero com um senhorzinho desconhecido? Sei lá, eram duas e meia da manhã. Tenho que parar com isso.
* Dia 9:
Preciso botar para fora. Ainda não sei como pude dar aquele vacilo. Quando me entrevistam, eu falo bonito: “Foi um risco, não propriamente um erro. E foi um senhor aprendizado.” A imprensa curte, o torcedor respeita. Mas que outro nome posso dar, querido diário, para o que fiz ao deixar o Thiago Maia em campo, manquitolando, até o bicho estourar? Tenho 1.200 jogos como profissional, pombas. Tudo bem que no gol, mas pombas… Ainda não me recuperei. Sigo triste por perder mais um bom zagueiro no elenco.
* Dia 12:
O campeonato está indo bem, e nossos planos também. Prometi aos dirigentes que faríamos tudo para ser campeões da Libertadores, mas não disse de qual ano, né? Tempo, precisamos de tempo. Se o São Paulo for campeão não será nada mau, tou focado ali no quartão lugar, e terceirão vai ser luxo. O que não aguento é ver o Abel Braga campeão. Aquela final da Libertadores de 2006 ainda não desceu, admito. Falhei no gol, e perdemos para o Internacional com aquele 3-5-2 safado, a gente com um jogador a mais desde os 20 do segundo tempo. Na área abelina, Bolívar, Índio e Fabiano Eller chutando até pensamento. É como dizia o Maradona, o futebol tem que ter mais Chaplins e mais Zero Zero Setes, menos Robocops ou Freddy Kruegers de pé quadrado. Não, atrás do Abel de novo eu não fico!
* Dia 22:
Saí da cama empolgado. Estou convicto das minhas ideias e agora sinto que tenho o time na cabeça. Vou recuar o Filipe Luís um pouco, afixar o Arão na zaga e fazer um cafuné no Gustavo Henrique, tadinho. Ando pensando em criar alguma posição diferente para o Gabigol, talvez pendurado no travessão. Liguei, na euforia, para conversar com o Arão sobre a mexida. Não entendi bem sua resposta: “Hein? Porra, são quatro da manhã, professor!” OK, respeito, não faço mais.
* Dia 28:
Muito feliz com o Victinho. O atacante anda compondo muito bem nos treinamentos, e nos entendemos. Hoje mesmo no vestiário fizemos um samba e um funk melody.
* Dia 6:
Muitas críticas pelo posicionamento do Filipe Luís. Não consigo me comunicar bem com o lateral. nossos narizes se esbarram e ficamos espirrando meia hora. Vou ter de mandar um recado pelo zap, não quero telefonar mais pra ninguém.
* Dia 10:
Fui comentar com os atletas sobre os treinos que bolei com meu velho auxiliar inglês Michael Beale, que veio do Liverpool. Maior climão. Bola fora. Rapidamente disse que o Beale nem gostava tanto assim do clube inglês.
* Dia 14:
Armei um treininho de saída de bola diferente. Saída de bola no Maraca. Saída de bola contra o Fernando Diniz. Saída de bola fora de casa. Saída de bola na chuva, com pneus biscoito. Boleirada curtiu.
* Dia 20:
Não adianta, sigo acordando às quatro e meia para estudar. Hoje li que a grama curta, de cerca de 1 centímetro, permite que os times do Klopp andem 120 metros por minuto. Isso é um dado bacana. Lembrete: apurar quantos metros por minuto anda o Barcelona, o Íbis e a seleção de Madagascar. Pode ser útil nas coletivas.
* Dia 23:
A verdade é que cheguei ao Flamengo mal informado. Me disseram: no clube você pode tentar tudo, menos jogar atrás. Pombas, achei que tava pra mim! Hoje descobri que substituir feito maluco tampouco cai bem com a torcida. Foi um risco, não um erro, mas um aprendizado etc.
* Dia 29:
Brother, que vitória espetacular contra o Grêmio! Mermão… agora eu quero ver, até aquele Urublog vai ter de me elogiar. Acho que estou me adaptando ao jeito carioca. Terminei de ler o livro do PVC e vou pegar agora o “Histórias do Flamengo”, do Mario Filho. Agora vai, porra. Sinto que vai dar liga. Agora eu me adapto de vez ao Flamengo futebol clube! Rapaz, que horas são?
Ele já é carioca!
Excelente, Dunpa!