Como sabem os que não perdem tempo lendo este cronista e vão direto à fonte, nas escrituras sagradas de Mario Filho, o primeiro time do universo a adotar o uso de máscara nos treinamentos foi – bidu! – o Flamengo.
O episódio, folclórico, deu-se há precisos 85 anos, e está em “Histórias do Flamengo”, na crônica “Baiano, o barbeiro”. Como conheço o tipo que me lê, capaz de alegar preguiça ou lumbago para não ir buscar o livro original, tentarei resumir aqui o saboroso relato mariofilhiano.
O ano era 1935, e pasmem: nossa torcida estava insatisfeita com a zaga. Pois é. Flávio Costa não arrumava a defesa, o presidente Bastos Padilha não contratava, e um humilde barbeiro do centro do Rio de Janeiro pressentiu ter a solução: ele. Ele próprio era o beque que resolveria a crise na Gávea.
Baiano, o tal barbeiro, trabalhava perto do café Rio Branco, ali pela rua São José, reduto de velhos ídolos como Galo, Candiota, o goleirão Kuntz e até o Dr. Celio de Barros, bom de papo, que nem pensava em virar pista de atletismo. Confiante, o barbeiro passou a se oferecer ao técnico Flávio Costa, que lhe deu uma oportunidade rápida num coletivo e o dispensou. Foi aí que os sacanas do café Rio Branco bolaram a maldade: por que Baiano não aparecia na Gávea de máscara, daquelas de esquiador-ninja, alegando, sei lá, um problema de pele? O treinador se renderia à sua inegável habilidade, ele tiraria a máscara, e pronto, estaria dentro do time, rumo ao estrelato.
A comédia, claro, terminou mal para o barbeiro. O elenco todo já estava avisado, e o Baiano virou chacota. Treinou mal, suando em bicas, sem enxergar direito, e ainda saiu da Gávea em disparada, invadindo mascarado o primeiro ônibus que passou – por sorte, o revólver, o assalto e a miséria ainda não existiam no Rio, ou o pobre Baiano terminava por levar um tiro por engano.
Se deu ruim para o Baiano, deu certo para o Flamengo, que acabou indo buscar o xerifaço Domingos da Guia no Boca Juniors, e fomos felizes para sempre.
Mas por que mesmo estou contando isso? E eu lá sei!
Ah, lembrei. Do alto de toda nossa experiência mascaresca, com 85 anos de vanguarda, não admiraria que a Conmebol viesse se reunir com o Flamengo e seus especialistas para bater o martelo nas regras, convenções e protolocos para a reabertura da Copa Libertadores da América de 2020.
Pois foi precisamente o que se passou. Pelo menos de acordo com o VP de Xisnovismo da Gávea, que bateu com a língua nos dentes e me entregou uma fotocópia, para lá de borrada, que antes ele tentou enviar para o Tozza, o Diogo Almeida e o Venê Casagrande, sem falar no clássico cambista de gorrinho. Como ninguém levou fé no papel, selado, registrado e carimbado (se quiser voar) com o timbre da Confederación Sudamericana de Fútbol, publico eu mesmo, a seguir. Se o documento paraguaio é legítimo eu não sei, só sei que veio assim:
* Reabertura da Copa Libertadores 2020 *
1. Está proibida a troca de camisas entre jogadores. Na saída de campo, os uniformes serão depositados em cestos, imunizados, à beira do gramado – de preferência autografadas para o Chiquinho, um sobrinho tarado por futebol.
2. Distanciamento: jogadores não poderão peitar e juntar o árbitro a menos de um metro e meio de distância. Cusparadas, dedos no olho, dedos no fiofó e cotoveladas na boca estão temporariamente vetados. Quando surgir a vacina, tudo poderá voltar ao normal. Rasteiras e rabos-de-arraia seguem liberados.
3. Objetos atirados no gramado deverão ser limpos, anteriormente, com álcool 70% ou bem lavados com sabonete (eu gosto de Phebo). Do lado de fora, bambus, porretes e cassetetes das polícias militares locais deverão ser imunizados antes de descer nas costas dos cidadãos.
4. Devido ao risco provocado pelos perdigotos, certos palavrões da língua portuguesa estão sumariamente vetados, como “safado”, “patife” e “pérfido” (arcaico). Serão multados jogadores que usarem no gramado palavras com “F” como “Fifa”, “farofeiro” ou “farfalhar”. O comentarista Mauro Cezar deverá evitar, nas coletivas, o adjetivo “pífio”, de alta periculosidade.
5. Invasores de campo, nus ou vestidos, só poderão correr enlouquecidos pelos gramados se estiverem de máscara. Viralatas no estádio estão liberados.
6. É expressamente proibido beijar a bola, escudos da camisa, alianças, o companheiro que deu o passe, e especialmente, a minha esposa, carajo.
7. Policiamento posicional: é obrigatório que o estafe de segurança em campo fique a um metro e meio dos pastores alemães; os cães, por sua vez, devem ficar a dois metros dos cinegrafistas da TV Conmebol; já o povo da TV Conmebol deve ficar a um metro e meio dos médicos e massagistas, que também devem manter o distanciamento. Com isso, os bandeirinhas vão ficar ali pelo círculo central do gramado, quem jogar por ali é bom ter cuidado.
8. Grupos de risco: o clube mandante deve oferecer recintos isolados para idosos, hipertensos e malas que falam cuspindo. Na sala ao lado, deve ficar trancado o Vitinho. Grandes mestres do rádio, por segurança, deverão narrar jogos de cabines exclusivas, de preferência ali perto do Museu do Índio.
9. Etiqueta nos gols: serão multados os times que comemorarem gols com abraços coletivos, com mais de três colegas de equipe. Em caso de pilhas humanas após gols aos 43, a Conmebol vai montar beliches à beira do gramado. Simulações de tiros e metralhadoras nos gols serão permitidas, mas sem “pou, pou”, que libera saliva.
10. O time campeão não poderá, em hipótese nenhuma, beijar e passar o troféu de mão em mão. A Conmebol estuda, para solucionar a questão, manter no gramado um jovem especializado em borrifar álcool nas mãos, boca e olhos dos jogadores. (Hein? Tá bom, Chiquinho, pode ser você, deixa o tio trabalhar, moleque).
11. Lei de Branco: fica terminantemente proibido ceder ou emprestar a garrafa de água aos adversários. Drones, em fase de testes, poderão fazer a reposição hídrica sobrevoando e despejando água direto na goela dos jogadores. Se funcionar, os drones no futuro hão de servir aos torcedores na arquibancada, com comandos de buscar cerveja, entregar o troco e, em caso de derrotas, jogar mijo nos outros. Tudo com o padrão de qualidade e segurança que a tradição da Copa Libertadores exige.
Estou seguindo a tática de 2019, amigos flamengos: escrever besteira enquanto o treinador ajeita o time. Espero que funcione, não posso ficar limpando a barra de Jorge Jesus e do Dome o tempo todo, é ou não é? Abraços a todos : )
É, brilhante Dunlop !
Desta vez, não funcionou.
Ou melhor, funcionou às avessas.
Caicedo !, que sapatada.
Acabrunhadas SRN
FLAMENGO SEMPRE, apesar da traulitada.
Salve, Dunlop!
Que texto foi esse? Caramba! Acertou a mão, heim? Parabéns!
Só algo dessa qualidade para aliviar um pouco nossa tensão de véspera do desafio de amanhã.
Espero que o Dome tenha acesso a esse texto e siga corretamente a instrução de manter o Vitinho trancado lá na salinha sugerida.
Novamente, parabéns pelo ótimo texto! Obrigado pela oportunidade de leitura!
SRN
Assino embaixo !!!!!
Que história saborosa a do Baiano. Tempos românticos ainda de um futebol semiprofissional. Agora, eu não consigo parar de pensar no Mauro perdigotando o bairrismo pailista no Linha de Passe a cada pífio, patético e pofexô.
As regras do protocolo da esterilizadíssima Conmebol estão muito bem postas, Dunlop. Impressiona o fato de Venê, o Tozza e este tal Diogo Almeida não se mostrarem interessados em documento de tal importância.
Dunlop, parabéns pela excelente crônica. Que tal ceder os direitos de imaginação para o nosso técnico?Nem precisa ser todo.
Xisto, já estamos providenciando um tradutor catalão. SRN!
HEPTACULAR!
SRN!
Pra cima deles, Flamengo!
Mauro Cesar evitar o pífio é muito bom!
Arraso!
Abração