Se você veio até aqui em busca de sacanagem, pode dar linha. O papo é família, tradição e propriedade. E um pouquinho de religião. O erótico do título é só um clickbait safado em referência ao deus Eros, o deus do amor na mitologia grega. Segundo Hesíodo, um poeta grego do século VIII A.C. a quem os antigos creditavam, junto com Homero, a invenção dos costumes religiosos gregos, Eros é um dos deuses mais antigos, que atua no universo agregando os elementos e os seres.
Ora, meus amigos mulambos, desde 1895 que agregar elementos e seres é o job description do Mais Querido da Gávea. Tirem tudo do homem, sua casa, seu trabalho, sua liberdade, só não tirem o Flamengo (a capacidade de amar), porque sem Flamengo sobra quase nenhum motivo pra seguir vivendo. Sem forçar a barra, podemos afirmar com tranquilidade que o Flamengo é só um disfarce muito bonito e barulhento do amor.
Ateus, mal vestidos e quem não curte o Legião podem até dizer que o amor não é um deus. Caretas e sem um pingo de imaginação, dirão que o amor é uma dimensão interna ou estrutural dos seres humanos. Uma força que determina as modalidades de atração para a procriação e para a mera satisfação dos apetites. Um refresco pra amenizar a vida e deixar o gado (no caso todos nós) se ocupar da rotina dos afazeres diários e girar a economia. Foi essa linha de pensamento torto que moveu a galera que lutou tanto pro Campeonato Carioca voltar enquanto o Rio de Janeiro ainda tava no veneno. Puro desamor.
No famoso Banquete de Platão, um diálogo que descreve uma reunião de bacanas na caxanga do poeta Agathon, um discípulo de Sócrates que tinha vencido um concurso de tragédias e juntou só os brabos pra comemorar a vitória, o único assunto que rolou foi o Amor. Mora na filosofia.
Nesse banquete só tinha os linha de frente da sociedade ateniense, políticos, artistas, médicos, poetas e filósofos. Mas Platão, que tornou esse symposium famoso, não foi convidado pra esse pagode. Tudo que ele escreveu no seu livro quem contou foi seu X9 Apolodoro, um filósofo famoso pela sua cronologia em versos da Guerra de Tróia. Um simpático computador do capeta.
É a partir do relato em segunda mão que Platão faz do festim filosófico que nos inteiramos que na Grécia Clássica, assim como no Redação Sportv, no Toque de Bola, no Terceiro Tempo ou do Falha de Cobertura, neguinho só falava de Flamengo o tempo todo. Mesmo quando pensavam que estavam falando de outro assunto.
A festinha na casa do poeta rolava como se fosse uma roda de partido alto, com cada convidado versando sobre o tema do Amor. Um poeta mandava que o amor era o deus mais lindo, um médico entrava no breque e dizia que a arte do amor é a arte do equilíbrio entre as forças do bem e do mal, falando da diferença entre o amor carnal que faz nascer bebês e o amor etéreo, que faz nascer ideias.
O Aristófanes, dramaturgo, entrou na roda esculhambando geral, dizendo que nos antigamente os humanos eram auto-suficientes, mas que Zeus não gostou da marra humana e dividiu todos ao meio, conseguindo de uma vez só dobrar a população do planeta e fazer todo mundo passar a vida correndo atrás da sua metade perdida. Essa letra é a origem original daquele papo do Fábio Junior sobre as metades da laranja.
Antes que o bagulho descambasse pra música de corno, Sócrates, o mais brabo de todos os presentes, entrou desarvorando. Mestre Aniceto da época, Sócrates varava noites à vera e todo mundo se admirava. Pra versar com ele era preciso estrutura. Sócrates, que sempre dava moral pra Velha Guarda, abre o verso citando a sacerdotisa Diotima, para quem Eros não pode ser um deus, porque quem ama deseja algo que não tem. Logo, o amor é uma carência, um desejo. E que só desejamos aquilo que não temos.
Antes que o pessoal do louvor mandasse uma nota de repúdio Sócrates explanou: se o amor é desejo de coisas belas e boas, não pode ser belo nem bom, pois, como potência interna ao humano, não tem ou não é aquilo que se busca.
Dando uma colher de chá pros religiosos, Sócrates admite que os pais de Eros seriam as entidades Penia (pobreza) e Poros (recurso); mas, em vez de deuses, eles acabam se transformando em causas inerentes de uma nova concepção do amor. Não sendo nem bom nem mau, nem belo nem feio, nem sábio nem ignorante, o amor é um ser intermediário, uma potência na meiúca entre o divino e o humano. Agora presta atenção e anota essa letra, ela é a mais exata descrição filosófica do Flamengo.
No livro, Platão, que era fechamento de Sócrates, reforça esse parentesco do Mengão com Eros. Ele conclui que o amor é um sentimento de solidariedade civil, que move os indivíduos a se associar e a construir pactos pro bem. Um sentimento de amizade, reciprocidade, de cuidado com o bem estar do outro, um sentimento indiscutivelmente nobre. Onde encontrares um rubro-negro, se não for um rubro-negro do tipo rato, encontrarás um amigo.
Na essência, o amor (e o Flamengo) é uma parada à qual temos acesso por meio da inteligência. À medida que ela é pensada essa parada passa a ser uma referência, algo divino, que vai além da mortalidade humana. Um objeto que atrai e orienta o amor e a linguagem. Não é um objeto perfeito ingenuamente idealizado, nem uma projeção que nasce da carência. O objeto, no caso o Flamengo, é algo pra ser pensado, conhecido e amado em função de uma construção racional e progressiva. Todo mundo quer e merece um Flamengo sempre melhorando, sempre evoluindo. Sem patriotadas, um Flamengo grande significa um Brasil maior. Um Brasil pra todos.
Ser Flamengo e ser racional não são condições excludentes. Vestir o Manto é importante, mas não é tudo. Ser Flamengo à vera é buscar consciência e conhecimento máximos. O amor filosófico ao Flamengo é exigência de beleza pura, mesmo já ligados que ele é finito e limitado, mesmo que desejando sempre mais. O Flamengo, assim como o amor, só cresce e melhora quando nós, que o amamos, crescemos e melhoramos com ele.
Platão não tava de bobeira, não. Sócrates era foda.
Mengão Sempre
Excelente texto! Observem que os gatos pingados dos ‘gado-torcedores’ que se dizem rubro negros debandaram daqui após ler uma crônica que exalta, além do Flamengo, o amor, a inteligência, solidariedade e um Brasil unido pela diferença:
“Na essência, o amor (e o Flamengo) é uma parada à qual temos acesso por meio da inteligência. À medida que ela é pensada essa parada passa a ser uma referência, algo divino, que vai além da mortalidade humana. Um objeto que atrai e orienta o amor e a linguagem. Não é um objeto perfeito ingenuamente idealizado, nem uma projeção que nasce da carência. O objeto, no caso o Flamengo, é algo pra ser pensado, conhecido e amado em função de uma construção racional e progressiva. Todo mundo quer e merece um Flamengo sempre melhorando, sempre evoluindo. Sem patriotadas, um Flamengo grande significa um Brasil maior. Um Brasil pra todos.”
Orgulho de ser rubro negro e que só aumenta lendo um texto desses.
Você (e todos os outros do RPA) é gigante.
Obrigado por nos proporcionar essa leitura.
SRN
Sim, é necessário um bom estudo, leitura e releitura atentas do tema, um maravilhoso trabalho. Adoraria saber uma coisa apenas: quanto tempo, desde a ideia para tal texto até o ponto final? quantos dias?
Uma hora dando un vistazo no livro, duas horas googlando e escrevendo.
Eu não sei aonde o Arthur encontra tanta inspiração para escrever. Você também é foda!
E quanto a diferença entre os outros amores e o amor pelo Flamengo, é que o Flamengo ninguém trai.
SRN!
Várias verdades. A gente tá na fila de qualquer coisa e se de repente começa a falar de Flamengo é como se fossemos amigos há anos. A outra verdade está no livro A Nação. Quando tiraram a capital do Rio e surgiu a TV a cabo a imprensa virou pra São Paulo. Todos os comentaristas cariocas …e a maioria era Botafogo…morreram…mas eles lutavam pelo futebol do Rio…agora tem está paulistada toda politicamente correta …só o Barreto e o Mauro flamenguistas, que tem mais ódio do Flamengo que o Vuaden…mas vomovdixia a minga mãe…nós somos o trem pagador…
Não sei se também tinha essa intenção, mas não deixa de ser um lindíssimo réquiem ao Rodrigo Rodrigues, que nutria esse sentimento.
Quando comecei a ler a crônica, sem saber o que esperar, um mosquito sedento começou a picar minha canela. Me foi impossível parar de ler para dar um bofetão e matar o inseto, que ficou ali, abanando as anteninhas e chupando meu sangue, até agora. Piscou pra mim e voou. A pena de Arthur salvou o chupa-sangue. SRN
No comments. Speechless.
srn p&a
concordo!
Não, não vou comentar.
Há uns duzentos anos atrás, tínhamos um grupo, liderado por um gênio que se chamou Leandro Konder, morto tem uns quatro ou cinco anos, que pretendeu fazer estudos filosóficos.
Entre eles, não podia deixar de estar Platão e sua tese do AMOR, o badalado AMOR PLATÔNICO, onde ausente o sexo, próprio das paixões.
Não fomos adiante, pois a vida nos chamou para coisas corriqueiras, entre elas a necessidade de sobreviver.
Essa do Grão Mestre de trazer à baila um tema tão intrincado surpreendeu-me.
Não me arrisco a comentá-lo.
Platônicas SRN
FLAMENGO SEMPRE
Clickbait mesmo, fala nada de Flamengo. Perdi maior tempão lendo essa caozada.
Fodástico e monstruoso texto!
o Flamengo é hoje pra mim, uma paradoxal PAIXÃO RACIONAL.
belo texto.
#srn✌
A capacidade do Mulão de desenvolver temas que nas mãos de outros seriam apenas pieguice é incomensurável. Monstro
SRN
Você também não está de bobeira: “Você é foda!”