Seguinte: no post que publiquei em 22 de dezembro de 2019, escrevi que deixaria o texto sobre nosso último jogo do ano reservado para o livro Festa na Favela, feito em parceria com a minha querida amiga Nivinha. Agora, com o livro já lançado e à disposição de quem quiser ter em casa um registro do que foi a fantástica temporada do futebol do Flamengo, coloco o texto aqui, para as leitoras e os leitores, amigas e amigos desse incansável RP&A. Tomara que você goste. SRN, sempre.
2019. O ano para rubro-negro algum jamais esquecer.
O cidadão vai ficando velho. Filhos crescem. Netos nascem. Parentes e amigos queridos já não estão mais aqui. Tudo colabora para que se vire um sujeito babão, choroso e cheio de manias.
Na verdade, elas sempre existiram. Só que, agora, encorpam. Passam a fazer parte da personalidade. Natural que assim seja. Como disse Carlos Drummond de Andrade, às vésperas de completar oitenta anos, se há alguma vantagem em virar um oitentão é a de poder dar uma banana para o mundo.
Longe dos oitenta, porém tiete do craque maior da nossa poesia e autor de um dos mais espetaculares textos já escritos sobre futebol – a crônica publicada em 7 de julho de 1982, no Jornal do Brasil, dois dias após a eliminação da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, com o belo título “Perder, Ganhar, Viver” –, tenho ensaiado, aqui e ali, o arremesso de minhas primeiras bananas ao planeta.
Digressiono. Bananas não são o mote do último capítulo, já que jamais houve emoção em seu desfrute. E o assunto, nestas páginas finais, é emoção.
Lá nos dois primeiros parágrafos, estava eu a falar de manias. Tenho-as, e muitas, sobretudo no que envolve o futebol. Já citei o monástico silêncio com que assistia aos jogos do Flamengo no Maracanã, criando uma intransponível barreira entre mim e os cantos e refrões de mais de 100 mil pessoas. A partir do advento das transmissões ao vivo e da mudança para São Paulo, as manias sofreram adaptações.
Uma delas: durante muito tempo, assisti aos jogos sem áudio, algo que imagino ter herdado de um dos meus tios, torcedor do Fluminense, que implicava com quem levava radinho de pilha ao Maraca. “O cara não está aqui no estádio? Precisa que alguém lhe diga o que ele vê? Ora, ficasse em casa.” O fim da esquisitice ocorreu em 28 de agosto de 2011, durante o clássico entre Flamengo e Vasco em que o então treinador cruz-maltino, Ricardo Gomes, sofreu um AVC. O pau cantando no gramado, e a câmera não parava de mostrar o banco do Vasco. Eu não entendia a razão, só que não queria passar recibo. Até que minha mulher estrilou, exigindo que eu aumentasse o som pra gente perceber o que acontecia. Capitulei. De lá pra cá, as partidas pela tevê passaram a ser acompanhadas com áudio.
Chego a uma das manias atuais: não gosto de pré-jogo e tenho o hábito de sintonizar o canal só na hora em que a bola vai rolar. Até compreendo que uma das funções dos narradores é vender o produto, destacar a rivalidade, o disse-me-disse, o fulano provocou e o beltrano respondeu. A questão é que eles costumam exagerar, por vezes deixando de ser jornalistas para agir como publicitários. Não cuspo no prato em que comi por mais de quarenta anos, só acho que, por falar em bananas, cada macaco no seu galho.
Apesar dessa rejeição pós-moderna, liguei a tevê quinze minutos antes do início da decisão do Mundial Interclubes. SporTV, com Gustavo Villani, Lédio Carmona e Petkovic na cabine. Villani chamou a matéria com a Orquestra Maré do Amanhã interpretando “Primeiros Erros” – ou, como prefere a Magnética, “Em Dezembro de 81”. A emoção passada pela música fez rodar um filme em minha cabeça. Lembrei do pai dispensando a siesta que ele adorava tirar, após os almoços de domingo, para me levar ao Maracanã. Da irmã mais velha, tão tricolor e apaixonada por futebol quanto ele, e seu inconformismo com os cariocas que torciam contra os times da cidade. Nenhum dos dois está mais aqui, como não está o irmão do meio, também tricolor e que, junto com outro irmão, esse felizmente vivíssimo da silva, substituiu meu pai na tarefa de me carregar ao estádio. Lembrei da mãe, superando seu nenhum interesse por futebol e se declarando flamenguista, apenas para não me deixar sozinho entre as feras. E da irmã dela, Tia Isa, rubro-negra doente, uma doce e inesquecível professora de Flamengo.
Sozinho em casa – minha mulher estava trabalhando –, lembrei de tudo e de todos, e da importância que o futebol e o Flamengo tiveram para que eu me tornasse a pessoa que sou, e chorei feito criança, enquanto os sopros e cordas daquela garotada heroica e talentosa valorizava cada acorde da linda canção de Kiko Zambianchi.
Perder, ganhar, viver. Agradeci a todos, ao futebol e ao Flamengo. E vi um jogo diferente, que começou muito antes das 14h30 de 21 de dezembro e durou bem mais que os 90 minutos do tempo normal e 30 da prorrogação. Durou o ano inteiro, ainda que tenha começado, pra valer, no momento em que os responsáveis pelo futebol rubro-negro decidiram convidar Jorge Jesus para o comando técnico do time. E esse jogo nós vencemos.
Vou discordar do nosso treinador sempre que, seja pelo motivo que for, ele tirar do time, ao mesmo tempo, Arrascaeta e Everton Ribeiro. Vou esbravejar contra a estupidez do nosso calendário, que consegue aumentar a já enorme distância que nos separa dos endinheirados clubes grandes da Europa. Vou admitir, mais uma vez, nossa necessidade de reduzir a diferença de qualidade entre alguns dos titulares e seus reservas imediatos, para que estes possam ser lançados sem susto e aqueles não sejam obrigados a jogar quase ininterruptamente.
Tomemos como exemplo Willian Arão – escolhido por sua formidável atuação na final com o Liverpool. Nas 74 partidas oficiais disputadas pelo Flamengo na temporada, Arão participou de 62, além de ter entrado no finzinho um par de vezes. Os caras não são máquinas.
Três ou quatro horas depois do jogo, percorri alguns sites de esportes, a fim de tomar o pulso das opiniões e ver se a leveza e o orgulho que eu sentia eram frutos de paixão cega ou faziam algum sentido. Assim que entrei no UOL, vi a chamada para a coluna elogiosa do cara que mais admiro na imprensa esportiva brasileira. Tostão. Pra mim, bastava. Mas quase todos os comentaristas de quem eu gosto seguiram na mesma toada. André Rocha, Carlos Eduardo Mansur, Juca Kfouri, Mauro Beting, Mauro Cezar Pereira, PVC, Vitor Birner. Elogios de Alisson, Firmino, Alexander-Arnold – talvez o melhor lateral-direito do mundo, que teve tanto trabalho com Bruno Henrique que, em certo momento da partida, como se para lhe dar um pouco de sossego e respiro, Jurgen Klopp o trocou de posição com Robertson.
Embora tenha sido muito mais do que isso, 2019 levou, no mínimo, o carimbo de maior ano do clube no Século XXI, pelo tanto de admirável que fizeram a torcida, os jogadores, o treinador, a comissão técnica, o Departamento Médico, os caras que tocam o futebol do Flamengo. Um ano como, confesso, eu já perdera a esperança de ver. Títulos indiscutíveis, recordes quebrados um atrás do outro, Campeonato Brasileiro e Libertadores na mesma temporada – o que jamais aconteceu desde que o Brasileiro virou uma competição nacional de verdade. E o melhor de tudo: a sensação de que aquela aparentemente insana expectativa da diretoria rubro-negra em 2015, que deu origem ao livro, nada tinha de desvairada.
Um pouquinho menos, talvez. Mas o caminho das vitórias e das glórias não tem volta. E a festa na favela é sem data para acabar.
Texto maravilhoso. O Flamengo é isso, parte indissociável de nossas vidas.
Valeu, Rogério.
Muito obrigado pela força.
Abração. SRN. Paz & Amor.
Telegraminha ao Murtinho
Como você mesmo disse, cumpadi!!! Acaba de começar, não tem hora pra acabar e só não vale é deitar na rede!
Saudações Rubro Nigérrimas
Esse jogo eu vi num American Bar, em downtown de Cuba do Norte! o bar estava vazio, não mais que vinte a trinta pessoas num recinto que aportaria mais de 250 tranquilamente. Atrás de mim estava um inglês com a camisa do Arnold, uma infame 66!!
Durante o aquecimento pro jogo, um wyskey do Alabama, se não me engano, lembrei da diferença colossal entre dezembro de 81 e 2019! A grande diferença entre o telão de 90 polegadas e a tv a cores Phillips de 26 da minha casa, apê, no Posto 6 com uma dezena de amigos, metade deles Botafoguenses que vibraram tanto quanto nóis o povo mulambo naquele fantástico primeiro tempo!
Não chorei como você, mas tive a impressão de que dava pra ganhar, impressão essa que acaba na hora em que Jesus comete seu único erro, que seriam dois, durante 2019 inteiro! E o gol deles acabou com meu dia, e quase arrumo uma confusão com o tal inglês traz de mim, que gritava algo como “finalmente conseguimos bater esse timeco”.
Minha trajetória em 2020 consiste em torcer pelo Liverpool na Champions, não gostaria de enfrentar o Citêh na final! E de preferencia que aquele fêla da puta esteja traz de mim pra que eu grite nozovido dele a cada gol do Bruno Henrique!
Saudações Rubro Nigérrimas
Fala, Bill.
Bom, que dava pra ganhar, dava. Basta observar alguns detalhes, sendo o principal deles o gol perdido por Lincoln no último lance da prorrogação.
De qualquer forma, e apesar da badalação impulsionada pela torcida em torno do Mundial Interclubes, pra mim é claro e indiscutível que ganhar Libertadores e Brasileiro no mesmo ano – os santistas que me desculpem, mas isso é inédito sim senhor – é muito mais importante do que vencer o Mundial. (Da mesma forma que, para os europeus, ganhar a Champions League é muito mais importante do que vencer o Mundial.)
Vou arriscar um palpite: embora seja sempre dureza, acho mais viável o Flamengo levantar novamente a Liberta do que o Liverpool repetir a Champions. O time deles está caindo e, teimoso como todo torcedor e mesmo contra todas as evidências, continuo achando estranho um time conseguir ganhar tanta coisa sem um grande cara na armação – o que me parece o maior mérito do Klopp.
Abração. SRN. Paz & Amor.
É isso aí, meu camarada.
Lembra do Reinaldo, aquele extraordinário atacante que jogou pelo Atlético Mineiro? Ele estreou no time de cima com 16 anos, arrebentou, fez gols, ganhou tapinhas nas costas, essas coisas de sempre. O técnico do Atlético era Telê Santana. Quando acabou o oba-oba, Telê o puxou para um canto e disse mais ou menos o seguinte: “Meu filho, nunca se esqueça de uma coisa: a profissão em que o tempo passa mais depressa é a de jogador de futebol. Se na quarta-feira você jogar mal e o time perder, ninguém vai lembrar do que você fez no domingo.”
Deitou na rede, tá morto.
Abração. SRN. Paz & Amor.
realmente o ano de 2019 foi fantástico !
o melhor ano depois de 1981.
somos muito sortudo de testemunhar esses dois grandes anos .
acho que esse ano promete,a diretoria tá fazendo a parte dela mantendo o time vencedor e ainda trazendo reforços de qualidade.
falta assinar com o JJ a renovção.
SRN !!!
PS- PARABÉNS PELO LIVRO
Grande Chacal!
Sem dúvida. Sorte nossa a de ter visto 1981 e 2019. As expectativas quanto a 2020 permanecem lá em cima, vamos torcer para o desempenho e os resultados se repetirem.
Tô com o pressentimento de que o Mister vai continuar sim. Aguardemos.
Abração. SRN. Paz & Amor.
PS: Muito obrigado.
Bravo!!
Muito obrigado, Ricardo.
Vale aqui, pra você, o mesmo que escrevi sobre o livro na resposta ao comentário do Pedro Rocha. Por favor, dá uma olhada lá.
Abração. SRN. Paz & Amor.
Clap clap clap!
Valeu, meu camarada.
Já disse por WhatsApp, mas faço questão de repetir e deixar registrado aqui: fico feliz quando o elogio vem de gente dessa estirpe. Biscoito fino.
Abração. SRN. Paz & Amor.
Como sempre muito bom seu texto!
Olha Murtinho, com tanto time grande aqui em São Paulo torço, e desde criancinha mesmo, pelo nosso Mengão.
Frequento o Maracanã, hoje nem tanto, desde o começo dos anos 1970, indo para o Rio as vezes de carona, pegando caminhão na balança de Guarulhos, de busão ou carro, de avião só mais tarde. E encarei muita torcida adversária quando o Flamengo vinha jogar em São Paulo, ou fora daqui.
Sei como é pra você ser rubronegro longe do Maraca, até moro perto da sua casa.
É é isso que faz da Nação a maior torcida do planeta, tem flamenguista em toda parte.
Obrigado pelo FESTA NA FAVELA
Saudações Rubronegras!
Fala, Ricardo.
Ora, ora, quem tem que agradecer sou eu.
Duas coisas:
1) Pegar carona em caminhão na balança de Guarulhos é prova irrefutável de flamenguismo. Um a zero pra você.
2) Porra, se você mora perto (moro na Cristiano Viana, perto do escadão que dá na Cardeal Arcoverde), bora marcar uma cerveja.
Abração. SRN. Paz & Amor.
Brilhante!
Valeu, Pedro.
Obrigado pela força.
E aí, conseguiu comprar o livro? Ficou bem bacana e a ideia é que, com o tempo, funcione como uma espécie de “registro histórico”. Quer lembrar quem foi que deu o passe para o Bruno Henrique, no início da jogada do primeiro gol nos cinco a zero pra cima do Grêmio? É só ver lá. Além, claro, das crônicas de abertura e dos 57 QR Codes que levam aos vídeos da Nivinha. Tenho certeza de que você vai gostar.
Como disse o Arthur, “não pode faltar na biblioteca de nenhum rubro-negro”.
Abração. SRN. Paz & Amor.