Existem duas classes de pessoas que vão se fuder muito esse ano (em termos econômicos): os pobres (pra variar) e os rubro-negros. Vejam, o ano mal começou e já estamos tendo que gastar dinheiro com faixas de campeão. Ontem o Flamengo sapecou o genérico paranaense sem ser incomodado e se tornou o Supercampeão do Brasil. Não é grande coisa, tanto pelo valor esportivo da conquista quanto pelo grau de dificuldade oferecido pelo adversário. Mas a vida é mesmo assim, a gente tem que perseverar e aprender a escolher melhor nossos governantes.

Tenho me mantido em respeitoso desdenhoso silêncio durante a disputa do anacrônico, falido e clandestino Campeonato Carioca, que é mantido vivo através de aparelhos (principalmente o aparelho Flamengo, máquina de imprimir dinheiro) com o único fito de manter os nababos da FERJ solventes, pra não dar moral pra essa lamentável farândola de chupa-sangues. A Supercopa também serve pra cevar bois gordos, mas como é de caráter nacional me rendo à obrigação de lhe dedicar umas poucas linhas.

O Flamengo se impôs com uma facilidade incrível sobre os paranás, não deu nem pra passar por aquele perrenguinho de rigor. A zaga rubro-negra ainda precisa de uns ajustes no tempo de bola pra voltar a atuar como a perfeita Offside Machine de 2019, mas o Gustavo Henrique terá que ser muito pereba pra não conseguir fazer o que o Marí fez no ano passado. No resto do time nada mudou, os caras continuam jogando o fino sob a orientação de Jesus. E ainda tem os caras que chegaram, ou seja, ganhar bem no domingo era mesmo obrigação. E foi só, nada de foguetórios, que a Supercopa não passa de uma Copa Mickey com premiação melhor. Até agora estamos iguais ao que estávamos na mesma época do ano passado.

Isso abala um pouco a nossa autoconfiança. Que uns imbecis insistem em chamar de arrogância. Todo arrogante é Flamengo. Mas nem todo Flamengo é arrogante. Aquele indisfarçável ar de superioridade, a fronte alta, o peitoral à frente, os passos decididos adiante (seja lá pra onde for) são algumas das características distintivas que a natureza em sua infinita sabedoria outorgou aos que fecham com o certo. O que é bom para que possamos nos identificar e, em caso de necessidade, encontrar facilmente nossos irmãos em Zico com uma simples inspeção visual.

Mas tem muito rubro-negro com saudade do tempo em que ser arrogante tinha um pouco de nonsense, de contrariar o bom senso, de ir contra as estatísticas, etc. Agora, com esse time foda, a coisa perdeu um pouco a sua graça original. É indiscutível que nós brilhávamos muito mais no tempo em que tínhamos culhão pra ser arrogantes e torcer pelo Menguinho Pocotó. Mas com esse Flamengo Conan – Máquina de Fazer Viúvas, não há lá grande mérito em ser arrogante. Com esse time, qualquer um que nos veja em plena arrogância há de dizer: — Olha lá, mais um sensato se jactando da própria afluência. Vamos combinar, não há nada mais idiota que um rico falando em meritocracia.

Foi mais ou menos isso que boa parte da ínclita imprensa esportiva andou dizendo das últimas declarações do Míster, que como todo bom português alicerça sua retórica na literalidade. Após uma previsível derrota em um Fla-Flu, os florminensistas explicitaram sua revolta com o fato de seus gols ilegais terem sido anulados, mas a imprensa ficou chocada foi porque o treinador do Flamengo disse que era natural que o Fluminense dedicasse ao carioqueta grande valor e que pro Flamengo ele não valia nada. Uma inversão de valores do caralho.

Jesus não falou nenhum absurdo, mas denunciou uma certa ingenuidade que não se espera dos grandes estrategistas. Já tá aqui em Banânia há quase um ano, já devia ter percebido que atualmente nada ofende mais aos brasileiros autointitulados de bem do que dizer a verdade. Pra comprovar que Jesus ainda é juvenil no tema Brasil na segunda-feira circularam por aí umas fotos constrangedoras dele com o imbecil do Bolsonaro (desculpem o pleonasmo) e o descarado Paulo Guedes. Poxa, mas será que Jesus ainda não tem um amigo no Brasil pra avisar que era uma cilada? Mas que atire a primeira pedra quem nunca viu ou cometeu um erro de português.

De minha parte posso dizer que tenho encontrado alguns empecilhos para exercitar a plena arrogância. Um pouco se deve à indigência técnica, anímica e financeira dos outros times, pelo que andei vendo em alguns jogos o Flamengo não tem adversários, só sparrings. Mas, felizmente, no mês que vem já temos Libertadores e essa falta de tesão provocada pelo baranguismo nacional deve passar. O Flamengo precisa ser exigido, se ficarmos só deitando cabelo na freguesia local muito longe não iremos.

Outra coisa que tá tirando um pouco o tesão pra ser autoconfiante é essa parada do Ninho. O Flamengo tá todo errado e não há como ser arrogante enquanto isso não for resolvido definitivamente. Claro que tem quem ache que o Flamengo é a vítima, mas essa galera já abandonou o lado certo há muito tempo, não adianta nem argumentar. O Flamengo já errou demais. Enquanto a poeira do esquecimento não recobrir essa tragédia só peço que a diretoria do Flamengo cumpra seu dever, que é zelar pela imagem do clube. Não é pedir muito.

Depois de quase um ano brocando todo mundo, a superioridade do Flamengo (dentro de campo) já deveria ser tratada como um fato natural, uma dessas coisas da vida. Mas ainda tem um monte de gente que insiste em tratar a realidade como se fosse um escândalo. E são exatamente as mesmas pessoas que normalizam os absurdos que acontecem fora de campo. Isso sim, é um escândalo.

Mengão Sempre