Esqueça a versão do jornalista PVC para a demissão de Paulo Pelaipe, ex-gerente de futebol do Flamengo. A coisa se deu assim:
– Alô? Alô?
– Salve, Presidente, saudações rubro-negras. Tudo em riba?
– Em riba uma pinoia. O que está havendo na Gávea? Vamos começar uma temporada na mais santa tranquilidade? Estão malucos?
– Mas, Presidente…
– Não tem uma pichação nova no muro! Para piorar, a massa está eufórica e não para de comprar camisa, a Adidas já está ficando enlouquecida com isso.
– Estamos fazendo o possível, Presidente. Já saímos da Copinha e plantamos na Fox que o Chelsea quer pagar uma nota no Gabigol. Rê, rê, essa foi boa…
– Rapaz, entenda: o Flamengo não é vermelho e preto por acaso. Uma é a cor da energia, a outra do luto. Uma é paixão, a outra pavor. Não há meio termo, o Flamengo só funciona em duas chaves: crise ou oba-oba. E o oba-oba é pior.
– Que tal uma briga com a Globo, a Ferj e o Estadual?
– Não recordam como eram os anos de ouro? A temporada sempre terminava e começava em aflição: “Zico perto da Europa”, dizia um jornal. “Zico quer aumento”, dizia outro. “Zico mercenário”, diziam uns infiéis. E Zico ficava. Era só crise fabricada para domar o oba-oba descontrolado.
– Olha, poderíamos demitir alguém do departamento de futebol…
– Opa, perfeito! E pichem o muro depois. Fui.
E a verdade é que o torcedor flamengo é mesmo amigo da incerteza. Quem aguenta mais um mês com aquele sorriso bobo na boca, o Manto Sagrado como traje para qualquer ocasião, seja a festa do réveillon, reunião com a chefia ou o treino de Jiu-Jitsu (por baixo do quimono)? É preciso recuperar o desânimo. Voltar a tensão. Manter a cabeça povoada com pensamentos do tipo: “Jorge Jesus vai nos abandonar! O elenco vai brigar por mulher! Foi cagada, jamais vai acontecer novamente!” Sim, não há jeito: todo torcedor rubro-negro precisa pisar no oba-oba ao acordar.
Eu, buscando fazer minha parte contra o otimismo que tanto incomoda – e acomoda –, já comecei a formular uma tese, que com a bondade do leitor pode ser que fique de pé. É a seguinte: por algum motivo cabalístico, o Flamengo é sempre ungido e abençoado com glórias épicas em anos que terminam no número 9. Não importa quantos erros nossos dirigentes cometam, no fim acaba dando certo.
E basta ler um pouco sobre numerologia para ver que a coisa faz certo sentido. Nove é o número do fanatismo, do amor incondicional, da fé e do reinício dos ciclos. É o número da camisa que decide, do artilheiro que se acotovela na área, que se finge de morto, que quase falece, mas renasce. Se Deus é dez, Gabigol é nove (ou seja, empate técnico). E é, ainda, o número de meses da gestação, da sinfonia de Beethoven e, não menos importante, o número de renas do Papai Noel – quem sabe diz: Corredora, Dançarina, Empinadora, Raposa (snif), Cometa, Cupido, Trovão, Relâmpago e Rodolfo, astro da equipe.
Eu sei que nem seria preciso, mas como há espaço na lauda convido o leitor a recordar comigo as últimas temporadas terminadas em 9, para que o leitor reviva toda a magia e mística daqueles anos históricos:
* O Flamengo em 1979
Clube abre o ano em crise. Em abril, em jogo em prol dos desabrigados, o Flamengo encaçapa o Galo no Maracanã e dá um grande exemplo ao mundo – e com Pelé em campo, bem vestido como nunca antes. Em maio, no 2 a 1 sobre o Campo Grande, o clube atinge a marca histórica de 52 jogos sem perder, recorde que poucos times no planeta detêm até hoje. Atulhado de tantos canecos estaduais, o Flamengo enfim percebe que chegou a hora de decolar nos campeonatos nacionais – o título brasileiro, porém, escapa por conta do oba-oba pré-semifinal, contra o Palmeiras no Rio. Mas nem isso apaga este ano particularmente mágico para a história flamenga, que acompanhei atentamente entre mamadas, fraldas sujas e chapinhas no berço.
* O Flamengo em 1989
Clube abre o ano em crise. A temporada se inicia com o choque entre Telê e Renato (Telê demitido, num prenúncio do que viria ocorrer com Luxemburgo e Romário anos depois.) O quadro só piora: por total amadorismo, o Vasco nos surrupia Bebeto, e deixa em troca o eterno cântico “Tomate cru, Bebeto”. No Estadual, perdemos a taça para o Botafogo, em gol que hoje o VAR não demoraria nem 15 minutos para anular. Para terminar, alguma besta quadrada aposta num tal de Borghi, o ídolo Leandro passa a temporada no estaleiro e Zico anuncia o fim de sua carreira – coroada, a bem dizer, com um golaço de falta no Fluminense no fim do ano, grande lance. Mas, assim como celacanto provoca maremoto, a penúria provoca renovação. Cansado de comer massa na Itália, Júnior volta ao clube, e o time começa – desde Telê – a apresentar sua nova geração de ouro, a de Djalminha, Marcelinho, Nélio & Cia. Com eles, o Flamengo iria abiscoitar sua 1ª Copa SP de Juniores (com direito ao 7 a 1 no Corinthians num Pacaembu lotado), sua 1ª Copa do Brasil e seu 5º Brasileiro, em 1992, vingando-se de vez do Botafogo. A maior glória de 1989 foi no Maracanã, num dia 5 de novembro: contra todos os prognósticos, o Flamengo aposta em Bujica como camisa 9 e, com Júnior e Zico em dia de gala, tira onda com os marajás do Vasco, 2 a 0. Uma vitória que renovaria, para todo o sempre, a mística da comunhão time, camisa e torcida. Quem dera houvesse organização também…
* O Flamengo em 1999
Clube abre o ano em crise. O time era considerado mediano, bem abaixo do Vasco que vinha voando nas outras temporadas. Mas e daí? Com Rodrigo Mendes e a casquinha salvadora de Nasa contra o patrimônio de Carlos Germano, o Estadual era nosso no melhor estilo Sobrenatural de Almeida. Para coroar a temporada épica, um Flamengo quase eliminado deu de 7 a 0 no Universidad Católica, avançou na Copa Mercosul e conquistou o título sul-americano – seu primeiro troféu continental desde 1981. Com direito a uma vitória esplêndida contra o Palmeiras de Felipão na casa dos caras, com um sabor a mais: a gente tinha 20 anos a menos, ô sorte.
* O Flamengo em 2009
Clube abre o ano em crise. Cansado de comer massa na Itália, entre outras coisas, Adriano decide retornar à Gávea, num presentes dos deuses para a Nação. Sob a regência de Andrade e os refinados toques de Petkovic, o Flamengo impera com memoráveis banhos de bola sobre os principais times do país, e se torna hexa com o gol mais puro de sua história, na cabeçada do humildão Ronaldo Angelim. Ronaldo bom era esse.
* O Flamengo em 2019
Clube abre o ano em crise. Termina, como se os deuses estivessem loucos ou distraídos, com Rafinha (substituto de Pará!) peitando Sadio Mané numa final de Mundial com o Liverpool. “Fuck you, bro”, berrava o meia Henderson para o carrapato Rafinha, enquanto Salah e Firmino lutavam para sair da teia armada por Jorge Jesus, diante de 21 mil rubro-negros embevecidos no estádio Kalifão, no Catar. Só sei que não foi sonho pois vi o Moraes lá e não sou de sonhar com ele, eu hein.
* Previsão: o Flamengo em 2029
Clube abre o ano em crise. A torcida se digladia nas redes sociais após a perda do Campeonato Nacional, o da China, onde o Flamengo também tem filial. No Campeonato Brasileiro, a diretoria inscreve Zico e Adriano para jogar as 13 últimas partidas, após garantir o título antecipado. Presidente do clube, Nivinha Richa nega os boatos de que o Flamengo vá comprar o Liverpool, no máximo uns cinco jogadores. No fim da temporada, contudo, a boa notícia: enfim o clube firma o acordo e paga aos familiares dos meninos.
“Clube abre o ano em crise”
É o mantra kkkkkkkkk
Sensacional
SRN
Linda imagem de dois HERÓIS rubro-negros. Sonho lindo vê-los jogar juntos.
Pobre do clube e que não cultua seus ídolos.
Pobres de espírito aqueles que regozijam dos títulos do seu time, enquanto diminuem aqueles que o conquistaram com sangue, suor e lágrimas dentro de campo.
Não merecem brindar com nossos deuses na Valhalla rubro-negra.
Viva Adriano e Gabriel. Obrigado por tudo, monstros sagrados!!!
Recadinho (outro) para o amigo Chacal –
Não fique imprecionado com as críticas.
Até os poderosos se equivocam …
Trooperianas SRN
FLAMENGO SEMPRE
Sensacional !
A hipotética conversa entre os Diretores, fantástica.
2029, então, foi do caralho !
Imagino que, com meus 91 anos, ainda vou entrar em campo, junto com o Carlos-SP e o Chacal, bem abraçados com a Presidente, para a entrega das medalhas.
SRN
FLAMENGO SEMPRE
Retificando: “… bem abraçados com a PRESIDENTA”.