Em janeiro, mês das sacrossantas férias dos jogadores brasileiros, já é costume da terra que as páginas esportivas dediquem mais espaço à ficção e à especulação pura do que aos fatos, que escasseiam. Nada mais natural, já que os torcedores, e também os jornalistas, mesmo aqueles crentes na infalibilidade da CLT, não estão de férias e os boletos aos quais todos devemos vassalagem continuam sua incrível sequência de vitórias. Não é nada fácil encher páginas e horas de programação sem os jogos rolando. Mesmo com os jogadores de férias a demanda por notícias não diminui no primeiro mês do ano.

O torcedor do Flamengo, esse abnegado que não abre mão de ser informado sobre absolutamente tudo que está acontecendo na Nação em que o sol nunca se põe, tem uma necessidade física e espiritual de saber qual jogador será contratado, qual será vendido, emprestado ou doado com o frete correndo por conta do doador. Pensando bem, nem é necessidade, estar devidamente inteirado é um dever de todo torcedor.

O fim do empréstimo de Gabigol, por exemplo, é um assunto real, preocupante, que merece nossa atenção. Embora permita as mais loucas especulações por parte dos apuradores dos dois lados do Atlântico. Todo dia tem um clube novo oferecendo zilhões de euros pra levar o nosso centroavante BI da América. O Flamengo já demonstrou estar a fim de comprar o cara em definitivo, e não falta dinheiro em nossos cofres pra isso. Mas será que ele tá a fim?

A venda de Reinier é outra notícia importante, que nos atinge duramente e pela qual temo que, à exemplo da venda de Vinicius Jr, nos lamentaremos pelos próximos anos. Mas a força da grana que ergue e destrói coisas belas se impõe. Tudo indica que assim que o palindrômico moleque completar 18 anos e arrumar aquela peixada pra não servir o exército ele vaze com mala e cuia pra Ciudad Real Madrid.

Tem torcedor que comemora a venda, seja porque torcem pelo sucesso do moleque, seja porque com ela o Flamengo já atinge a meta de arrecadação com venda de jogadores no primeiro mês do ano. Particularmente me dói ver nossas joias indo embora antes mesmo de jogar uma temporada completa pelo Flamengo, mas eu sou da antiga, pouca gente liga pra essas besteiras hoje em dia.

Os torcedores de planilha, assim como os que dividem seu amor entre o Flamengo e o Real Madrid não são aberrações, eles existem e deve ser respeitados, cada um com seu cada um. E ainda tem o mais importante e decisivo nessas questões, a vontade do Reinier. Se o jogador quer ir embora, não há quem segure. E nem seria bom. No Flamengo só funciona jogador que quer mesmo jogar no Flamengo.

O Flamengo comprou o beque do Santos, tá tentando o Michael do Goiás, o lateral do Cruzeiro e outros que agora não me lembro. Temos bala na agulha e viemos de um ciclo de contratações muito bem sucedido em 2019. Vai ser difícil igualar aquele nível de acerto, mas a direção do clube tem a obrigação de tentar. O elenco sempre pode ser melhorado. Quem não muda fica estagnado. Cobra que fica parada não engole sapo.

Por isso que me causou certa espécie a histeria popular motivada pela demissão (ou não renovação do contrato) do gerente de futebol Paulo Pelaipe. Não precisamos nem entrar no mérito da qualidade do trabalho por ele realizado. Ainda mais porque não faço a menor ideia da natureza das suas funções. O fato é que a demissão de um funcionário de segundo escalão do departamento de futebol não deveria ser tratada como a deflagração da III Grande Guerra (evento do qual, dado o seu caráter mundial, o Palmeiras estaria automaticamente excluído).

Em um primeiro momento até se pensou que a demissão do gerente fosse um indício que a entropia, a força da natureza que rege a inevitável desorganização e perda de energia dos sistemas, estivesse colocando suas manguinhas de fora. Há quem prefira relacionar essa tendência à desorganização aos poderes esculhambativos próprios do ser humano em geral e do brasileiro em particular. Posto que é lógico que quando uma coisa está funcionando certinho a única mudança possível é que em algum momento esta coisa deixe de funcionar.

Mas o que ocorreu nesse caso pode também ser explicado em termos filosóficos: aniquilou-se a intuição, que nos indica claramente que a influência de um gerente no desempenho de um time de futebol é ínfima, em favor de um exacerbado raciocínio autogerador. E aí rolam aqueles exaustivos emaranhados conceituais em detrimento da intuição que incidem diretamente sobre o que é real. E especular sem intuição é o equivalente a operar sem energia. Uma espécie de entropia no conhecimento, um aparelho especulativo de motu perpetuo que preenche nosso tempo, mas não nos leva a parte alguma.

Na Halacá, também conhecida como Lei Judaica, a prática estabelecida pela tradição judaica baseada apenas na interpretação oral do Pentateuco, existem inúmeros exemplos de atitudes proibidas no mundo dos negócios. Como quando quando produtos com defeitos são vendidos ou quando qualquer forma de deturpação está envolvida, sendo omitida ao comprador, o vendedor é culpado de Guenevat Daat, cujo significado literal é roubar o pensamento da pessoa. Quem vendeu essa treta pra Flatwitter é que tá errado e não quem comprou. Quem se aloprou além da conta com a mudança na gerência pode e deve pedir a devolução do seu pensamento. Só não sei dizer a quem pedir.

Toda a fofoca corporativa gerada pelo reles evento administrativo que tomou as redes nos últimos dois dias, em que se debateu a estrutura do organograma do clube e até mesmo a natureza do regime presidencialista, se deve a dois fatos isolados: a ausência do Flamengo na Copinha e ao início prematuro da campanha pela sucessão de Rodolfo Landim na presidência do Flamengo. Por que caralhos a torcida tem que se estressar com uma eleição que só vai rolar daqui a 23 meses? É simples. Porque não temos nada mais interessante pra fazer.

Acaba logo, janeiro. Já deu até saudade da porcaria do Carioqueta.

Mengão Sempre

Arte: Bruno De Laurentis