Depois de todo sangue, suor e lágrimas que o Flamengo verteu e fez correr ao longo do ano, finalmente chegamos ao Mundial, não o supermercado do menor preço total, mas ao torneio um tanto quanto avacalhado/organizado pela FIFA. Nem é necessário que comentemos que o simples fato do Flamengo chegar a disputar esse torneio é o significante da expressão religiosa Rumo a Tokio, muito invocada pela torcida rubro-negra nos últimos 38 anos.
Uma expressão de fé genuína da crença mulamba fundamentalista alto astral, que a intolerância religiosa e a visão invejosa, recalcada e de curto alcance, dos arcoiristas malvestidos interpretava erroneamente como bravata ou insanidade. Taí, manés! Agora que o Mais Querido está humildemente tirando sua onda nas areias escaldantes do Catar, no chamado cume do apogeu do ápice do zênite da temporada futebolística mundial, só resta a esses buchas ver o show pela TV e chorar.
Antigamente o campeão da Libertadores chegava a Tokio, botava o time pra treinar em dois coletivos e um solteiro x casados pra firmar a amizade e se partia pra grande final com o campeão europeu. Mas para globalizar o troço agora tem que jogar com os CONCACAF, com os África, os Ásia e os Oceania. Tá certo, todo mundo tem que ter oportunidade mesmo. E lá foi o Flamengo, clube cidadão, cumpridor das regras e com nome limpo na praça, jogar com o Al-Hilal, o time árabe campeão da Ásia.
Comecei a respeitar o futebol árabe em 1978, quando o Príncipe Khaled, então o dono e manda-chuva do Al-Hilal (que por aqui era chamado de El Helal) meteu dois cheques borrachudos de 200 mil dólares no Fluminense para pagar pelo passe do Tricampeão Rivellino. As tricoletes ficaram em polvorosa, choraram muito, mas levaram o beiço do príncipe argamendel e Rivellino vazou pra Arábia praticamente no amor, deixando de nos encher o saco com aquela canhota nojenta. Ponto pros árabes.
Meu respeito pelos mouros aumentou ainda mais no ano seguinte, quando Luís Alberto Duarte dos Santos, centro-avante que o Flamengo contratou à simpática Portuguesa da Ilha do Governador, em uma atuação de gala no Maracanã, substituiu Pelé no time do Flamengo naquela que talvez tenha sido uma das maiores substituições da história do futebol brasileiro. Junto com Zico, Adílio, Júnior e Uri Geller, Luisinho não apenas levou o Mengão à impiedosa goleada de 5×1 sobre o Atrético Mineiro como provou ao mundo inteiro que naquele momento ele era, sim, melhor que Pelé.
Os dirigentes do Al-Nassr, arquirival do Al-Hilal em Riad, não perderam tempo e ofereceram um caminhão de dinheiro e dúzias de camelos (que à época podiam ser trocados por mulheres sortidas com paridade cambial) para contratar o Luisinho, que com o bom termo da negociação adicionou automaticamente o epíteto das Arábias ao seu prenome. Para coroar essa historia toda e confirmar o provérbio árabe ”Quando a poeira baixar, ver-se-á quem estava montando uma mula e quem estava montando um cavalo” (eindama yastaqiru alghubar, sataraa man kan yarkab bighalin waman kan yurkib hsanana.) foi Luisinho das Arábias que fez o gol que decidiu o Campeonato Árabe de 1979, na vitória do Al-Nassr sobre o seu cambalacheiro rival Al-Hilal, com Rivellino e tudo. A bola pune!
Noves fora meu respeito histórico pelos sarracenos não duvidei por um instante sequer da superioridade ou do favoritismo rubro-negro na semifinal com o Al-Hilal. Entretanto, o michuí estava um pouco mais duro do que imaginávamos. Pra manter a adrenalina lá no alto e prestar seu sacrifício ao deus Perrengue o Flamengo conseguiu tomar um gol dos cara logo no começo, em manjada jogadinha pela direita, idêntica ao gol do River (aquele do Fantasma de la B) na final da Libertadores.
E não foi só gol árabe que foi parecido com o do River. Os malucos vieram a campo no mesmo esquema empregado pelas gallinas. Jogo extremamente físico e pegado, marcação insana e bicudas ao léu para não deixar o Flamengo impor seu futebol de arte, manha e agressividade civilizada. Apertaro nóis, não deixaro a bola rolar e ainda metero gol. O que deve ter um pouco a ver com o fato de que era apenas o 9º jogo dos sarracenos na temporada enquanto o Flamengo jogava a sua 72ª partida no annus mirabilis de 2019. Nem cavalo aguenta. Fomos pro vestiário com a batata já ficando corada.
Mas alguma coisa deve acontecer no coração dos nossos craques depois que levam um papo com Jesus nos recônditos do vestiário. Quisera eu poder conversar com Jesus por 10, 15 minutos e ter a minha vida completamente mudada como acontece com os jogadores do Flamengo. O time voltou pro segundo tempo renascido, revigorado, reavivado e não demorou muito pra começar a explorar o inevitável cansaço que acomete aos times que vem com tudo pra cima do Flamengo no primeiro tempo e quando começa o segundo tempo não tem mais garrafa pra vender.
De boca aberta, língua pra fora e respiração ofegante, os árabes pouco podiam fazer para impedir as evoluções que levavam o Flamengo a porta do gol deles com extrema fluidez. E os gols foram acontecendo em ritmo de pagode, naturalmente. O Flamengo não queria ver ninguém chorar. No primeiro gol, jogada de PlaySation com conclusão classuda de Arrascaeta. No segundo gol foi aquele cruze perfeito de Rafinha pra cabeçada indefensável de Bruno Henrique e no terceiro foi aquele salcero na área, com a zagueirada fiel a Alah entrando em pânico e mandando contra o próprio patrimônio. Molezinha, bora pra final.
A dinâmica que o Flamengo tem adotado em seus jogos internacionais é maligna, cruel e insensível. Faz com que a Nação passe bom tempo durante esses jogos com o seu lado direito do cérebro conversando com aquela vozinha pessimista interna que sempre tem certeza de que o Flamengo vai se foder. Claro que enquanto os miolos a estibordo questionam a razão de termos nos metido na roubada em questão, a bombordo os miolos criativos e artísticos estão confiando nos inesgotáveis poderes regenerativos do Flamengo e mandando aquela vibe positiva pra empatar, virar e golear. Sei que precisamos dos dois, mas depois que o jogo acaba e que tudo deu certo e só queremos comemorar é que percebemos como é chato o lado direito do nosso cérebro.
Confesso que nem dou muita importância pro Mundial e o título em si. Ainda que respeite o título oficial de Campeão do Mundo, não encontro termo de comparação entre as batalhas campais travadas na brutal disputa pela Libertadores, com os passeios no parque que são os jogos da Champions. Tome-se qualquer índice de desenvolvimento social; analfabetismo, mortalidade infantil, população com acesso ao saneamento básico, Coeficiente de Gini ou IDH, e a distância galáctica entre a América do Sul e o velho mundo europeu nos assombra. Como o futebol acontece no mundo e não numa bolha apolítica, essas parada influem demais.
Evidentemente, é muito mais difícil, envolve mais sacrifícios e exige um couro muito mais grosso, ser campeão da Libertadores do que da Champions. Dos hotéis em que os times se hospedam aos gramados onde jogam, passando pelos aeroportos em que decolam e aterrissam às alfândegas onde levam seus baculejos, os caras da Champions só vão no filé. O osso infraestrutural de nosso continente periférico quem rói somos nós e os hermanos que terçamos canelas, tíbias, perônios e bigodes pela glória eterna na Liberta. Vou nem falar da presença conspícua dos batalhões de choque dentro de campo e daqueles escanteios cobrados com a proteção de escudos pra não humilhar os beefs.
Dentro dessa perspectiva sócio cultural é gritante a injustiça e o eurocentrismo da FIFA ao definir de antemão, ex officio, que o vencedor da semifinal da qual participa o vencedor da UCL, seja o mandante na grande final. Aparentemente, tal canetada pouco quer dizer, já que a final do Mundial se joga em campo neutro e longínquo. Contudo, cabe ao mandante escolher seu fardamento e dado esse casuísmo eurocêntrico dos ratos de Zurique o Flamengo vai jogar duas vezes seguidas com sua camisa branca contra os pregos de Liverpool. E digo mais, foi tremendamente deselegante que os liverpoolianos não tivessem recusando a espúria prebenda.
Mas foda-se o Liverpool, que também não tem Copinha e não tem Mundial. E foda-se FIFA e suas regras ratuínas. O Mengão jogando de branco é tão capaz, envolvente e letal quanto jogando de vermelho e preto. A sacralidade é pura, não faz distinção de cor, modelo ou fabricante. Toda camisa do Flamengo é um Manto Sagrado e todo aquele que um dia já rabiscou um CRF entrelaçado em uma camisa da escola sabe disso.
Não que seja muito prudente usar um slogan cristão quando em visita ao Oriente Médio, mas se você olhar pro céu, como fez o Imperador romano Constantino antes da Batalha na Ponte Mílvia contra Magêncio, em 312, e avistar o escudão do Flamengo pode mandar em latim mesmo o In hoc signo vinces (Sob este signo vencerás) que tá tudo certo. Mesmo porque os árabes já vazaram, tão nem aí pros absurdos que os brasileiros andam falando nessa Doha.
Foco, povo rubro-negro. Nosso alvo é o freguês Liverpool. O jogo com eles não deve ser uma moleza como em 1981, claro, estamos sem Zico. E provavelmente vai ser sofrido, porque não tem outro jeito do Flamengo ser Flamengo. Sem querer soar messiânico, mas já soando, vamo pra cima dessa inglesada sem medo! Jesus está do nosso lado. Nada nos faltará.
Mengão Sempre
meu deus, vai escrever bem assim na PQP, e pra nossa sorte é flamenguista. kkkkK SRN
Ao contrário da maioria, entendo que a semifinal do Liverpool não valeu para se fazer a menor conjetura.
Imaginem o nosso time entrando em campo com Diego Alves, Rodinei, Thuler, Gerson e Filipe Luís – Piris da Mota, Reinier e Diego –
Vitinho, Lincoln e Bruno Henrique, sendo que, ao curso da etapa final, sairiam Rodinei, Vitinho e Lincoln, para a entrada de três outros jogadores, a saber Rafinha, Arrascaeta e Gabigol.
Que resultado seria de se esperar contra o Al Hilal (INT)
Não tenho condições de responder.
Pois foi exatamente esse o time usado pelo Liverpool contra os mexicanos.
Nada a considerar.
SRN
FLAMENGO SEMPRE
Amanheci com uma tremenda coriza prenúncio de gripe e tomei logo minha aspirina, apresentei uma melhora imediata, eu que estava fungando o tempo todo, dor por todo o corpo, caído, deprê, fui logo fazer minha caminhada diária. Aspirina é o maior antidepressivo que existe. Como eu só vejo o Flamengo tive uma das minhas epifanias, me veio a sensação de que amanhã vamos ganhar, e até com certa facilidade, tipo assim como foi com o Grêmio.
Quem não tem nada a perder, só tem a ganhar.
Nem vou discorrer sobre a propriedade do texto… O Homem é BOM DEMAIS…
Sobre a camisa da decisão: a “segundinha” do Flamengo me incomoda, mas o que fazer? Só nos cabe protestar.
Mas quero aqui fazer a defesa do Liverpool quando se faz de distraído quanto à qualidade de seus adversários.
Acho que é pura picardia, só pra sacanear a dona Fifa. É uma forma de discordar da forma como ela trata a Copa mundial de clubes.
Tem graça disputar uma taça onde se fazem presentes timinhos como esses “campeões” da arábia, e outros, asiáticos, oceânicos, etc e tal? …
Eu também descobriria uma maneira de protestar, não tão silenciosa e disfarçadamente como eles, mas de forma veemente: fazendo-me representar por um time reserva ou até mesmo me recusando a viajar mais de 30 horas para enfrentar timecos de 5ª divisao.
Saudações RUBRO-NEGRAS a todos vocês que escrevem aqui e me deliciam todos os dias com o orgulho de ser FLAMENGO.
Inverteu as bolas, cumpadi. Normalmente o xarope é o hemisfério esquerdo, mas se tratando do teu, tudo é possível.
confesso o medo
Outra antologia do Arthur, as usual. Mas, sei lá, minha expectativa era por uma crônica em uma pegada mais épica e menos zueira. Embora a conquista da Libertadores por si só já faça o ano valer a pena, ser campeão mundial é o ápice, ainda mais nesses tempos de disparidade entre europeus e sudacas.
Pra cima deles, rumo ao bi!
SRN
Vc me fez rir muito hoje.
Será de nervoso …..?
Vamos pra cima deles Mengo e seja o que Jesus quiser .
Questão náutica: o lado chato é o esquerdo, com o direito fumegando emocionalmente!
De volta às pizzas!!
Saudações Rubro Nigérrimas
Esquenta não filho, o Manto branco sempre foi nosso traje de gala para bailes intercontinentais.
O lado direito do meu cérebro entra em modo off line quando o Flamengo do Jesus entra em campo…
Dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe Mengo, seremos campeões!
A melhor parte foi dizer que eles não tem Copinha e não tem Mundial! kkkkk Foco nessa Doha!!!
Um texto de campeão mundial, digo, BICAMPEÃO!
Mais um belíisimo texto, parabéns . Posto isso vamos à grande final de sábado.
Após assistir as semifinais acredito que os dois times jogarão mais do que fizeram, e sinceramente a distância entre as equipes não é tão gigantesca como vários afirmaram. Acho que a defesa do liverpool é vulnerável, sim os zagueiros titulares não estavam no jogo de ontem, mas seus reservas são limitados.
O ataque dos caras é forte, mas o nosso também é, o que eu acredito que seja decisivo será a atuação de Everton Ribeiro e Arrascaeta, se eles estiverem inspirados, poderão enfiar bolas para Gabigol e Bruno Henrique e eles sairão na cara do goleiro.
O maior perigo para o flamengo poderá ser o Salah no setor do Felipe Luis (que não está no mesmo nível de um mês atrás). Após os jogos do meio de semana fiquei bem mais confiante em trazermos o caneco de novo.