O dia 13 de fevereiro de 1960 não foi de grande relevância para a história flamenga – o escrete, sem o artilheiro Dida, aprontava-se para uma excursão em solo argentino, onde empataria com o River Plate em 1 a 1 na primeira porfia, para perder a segunda por 1 a 4 (tomem, saudosistas).
Naquela precisa data, porém, um escritor apaixonadamente alvinegro surpreendeu os leitores da revista “Manchete”, edição número 408, com um dos mais deliciosos textos rubro-negros impressos até hoje, uma pérola prestes a comemorar 60 anos.
Na crônica, com link abaixo para quem não teve o prazer, o poeta Paulo Mendes Campos se vê às voltas com um ferrabrás na Suécia, sem conseguirem se entender – e é enfim, magicamente, “Salvo pelo Flamengo”, em incidente ocorrido em 1956.
(Paulo Mendes Campos, figuraça, não deixaria que o caso diminuísse seu fervor e sua ranhetice de botafoguense. João “Pato” Fontes, eterno “presidente” do Leblon, contava que um dia recebeu um pedido do escritor: a filha, Gabriela, precisava fazer aulinhas de natação. João prontamente foi ao clube da Gávea, tirou a carteirinha para Gabriela e a menina começou a nadar alegremente. Em poucos dias, João recebia um recado desaforado na secretária eletrônica: “João, maldito seja! Agora há uma pequena rubro-negra em minha própria casa! Com carteirinha e uniforme…”)
O mais incrível, contudo, é que o mirrado poetinha não foi o único a salvar seu pescoço espetacularmente por obra e graça do Mais Querido. Sim, em 1984 a história se repetiu. Não na Suécia, mas na Colômbia. Em vez de um escritor mineiro em apuros, um marinheiro carioca, à deriva por quatro semanas. E que também não era flamengo desde garotinho.
Tudo começou num navio da marinha mercante, onde Aldemir Chaves, então com 22 anos, trabalhava conectando rádios e telégrafos. A embarcação já voltava ao Brasil quando se deparou com um fenômeno tão raro quanto uma bela crônica rubro-negra de Paulo Mendes Campos: de 60 em 60 anos, o mar naquela região baixava tanto que os rochedos ficavam à mostra. Para piorar, como narrou Aldermir em seu livro “Entre dois inimigos”, e no programa de Fábio Porchat no canal GNT, as rochas surgiram no momento exato em que o comandante do navio, um animal, deixou o timão na mão de um marinheiro para debater besteira com um de seus imediatos – célebre tradição brasileira que pode ser vista no governo atual, por exemplo. O resultado foi óbvio: deu água.
Com o navio adernado, arrombado e quase virando, Chaves dirigiu-se até sua cabine e encheu a mochila com uma muda de roupas, canivete e uns poucos pertences, e dirigiu-se à baleeira a motor própria para a fuga. Quando, contudo, o barquinho ficou preso mecanicamente à nave-mãe, coube ao mais novato ir lá soltar. Quando o fez, o comandante arrancou e o deixou para trás, louco total.
A história a partir daí é boa pacas, mas destaquemos apenas as melhores partes daqueles 28 dias entre a vida e a morte:
Chaves agarrou-se a um kit com bote inflável e ração e nadou como um personagem de desenho animado para fugir do navio que era sugado por Netuno;
Ao chapar, passou a ser acordado de noite por Astolfo, um pequeno tubarão que começou a acompanhar o infeliz marinheiro, dando cabeçadinhas no fundo do barco laranja. “O que você quer, Astolfo? Eu já estou magrinho, não tem nada aqui para você…”, papeava, para manter a sanidade.
O sinalizador luminoso não atraía ninguém, a comida era seca e terrível e Chaves começou a misturar a água salobra em latinhas com urina;
Ao atravessar dois furacões, com ondas de 13 metros de altura, Chaves passou a se amarrar no bote, descarnando as canelas, pulsos e mãos.
Foi quando ele avistou os urubus.
“Vem me comer, urubu! Aqui, vem!”, berrou o náufrago, doido para caçar um galeto. Até que sua mente se iluminou: se tinha aves por perto, tinha terra.
Ao enxergar a costa, passou a remar feito doido, até espiar os aparentes índios colombianos que já haviam notado a pequena balsa alaranjada. Ao chegar perto, contudo, viu que os instrumentos à mão dos locais eram metralhadoras e rifles, com cinturões de balas cruzando os ombros. Sim, o sortudo tinha ido parar numa comunidade de traficantes de cocaína fortemente armados, numa época em que Pablo Escobar chegou a transportar de barco 23 toneladas de pasta de coca.
Aldemir torceu por ondas, novos furacões e até por Astolfo, mas não teve sorte: foi arrastado do mar pelos cabelos, sob forte desconfiança de ser um espião, ou pior, um policial monitorando o tráfico na praia. Com a boca toda rachada e a garganta estropiada, não conseguia falar muito menos se explicar.
E o Flamengo na história? Calma, cacete, confia. Eis então que surgiu o filho do cacique da tribo e chefe dos traficas, que antes do linchamento promoveria um rápido julgamento, provavelmente para escolher se seria a faca, a bala ou enterrado vivo. Foi aí que lembraram de abrir a mochila do homem.
Documentos de marinheiro, apetrechos e… uma camisa 10 do Flamengo. “Quando embarcamos, me perguntaram qual era o meu time e eu disse que torcia para o Radar, time da praia de Copacabana. Mas o Mauricio, um marinheiro invocado, disse que até o fim da viagem ele me convenceria a ser flamengo, e me deu uma camisa do Zico”, ele recordou, em papo com Fábio Porchat, que é vascaíno.
Ao pegar aquele tecido místico, com aquelas cores sagradas, o chefinho da tribo abriu um sorriso:
– Flamengo! Zico! Pelé! Brasileño! Amigo…!
E Aldemir Chaves, após quase um mês de sofrimento, teve então direito a um banquete dos deuses, como só um brasileiro da terra do Flamengo, de Zico, e hoje de Gabigol, podia mesmo merecer.
O nobre leitor planeja viajar em dezembro? Seja na terra, seja no mar, ou mesmo no Catar, fica a dica: não saia de casa sem seu Manto Sagrado.
* Paulo Mendes Campos salvo pelo Flamengo:
href=”https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/7112/salvo-pelo-flamengo”>https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/7112/salvo-pelo-flamengo
* Aldemir Chaves salvo pelo Flamengo:
https://www.youtube.com/watch?v=OJ_xJGw3rVE
Sensacional! pelas cores da camisa e pela marinha mercante.
Que maravilha, Dunlop! Esse RP&A tá cada dia mais foda. Agora tem que ter livro teu, do Murtinho e da Vivi também!
Parabéns!
Mestre Carrilho, acho que você está lendo pensamentos… Aguarde que já já o povo solta as novidades. SRN!
O teu baú é fundo e bem fornido, ein Dunlop?
Pra quem não viu a festa da Fla-Londres. Tem flamenguista na porra do mundo todo.
https://www.youtube.com/watch?v=VeDNsGfzv8M
Filipe Luis, depois da cirurgia no joelho, só tem entrado em campo para entregar o ouro ao bandido, erodindo rapidamente o patrimônio.
Enquanto não transmuta-se em técnico, na vaga do mister, deve ser deslocado para a meia, substituindo Arrasca, que também não aguenta jogar uma partida inteira em alto nível.
Deixa Renê (o maior pulmão da Gávea) marcar, enquanto Filipe fica a armar, ora pois pois !!..
Outra boa, essa histórica. Que não seja um presságio e que não naufraguemos em Doha