O indestrutível sobrevivente Keith Richard disse uma vez que Jumpin’ Jack Flash tinha o riff que mais gostava de tocar na vida, o Cadillac dos Riffs. O modesto Richards, que leva a fama mas não criou o riff, uma autoria não creditada do baixista Bill Wyman, aparentemente entende alguma coisa de riffs. Mas o que sempre me chamou a atenção na canção dos Stones de 1968 foram os versos iniciais de Jagger sobre a gênese de Jumpin’ Jack (uma homenagem galhofeira a Jack Dyer, o jardineiro de Redlands, a mansão elizabetana de Keith Richard em West Sussex).
I was born in a crossfire hurricane And I howled at my ma in the driving rain But it’s all right, now, in fact it’s a gas But it’s all right, I’m Jumpin’ Jack Flash It’s a gas, gas, gas
Eu nasci em um furacão sinistro
E uivei pra minha mãe debaixo de um toró
Mas agora tá tudo bem, na verdade, tá demais
Mas tá tudo bem, eu sou o Jumpin’ Jack Flash
Isso é demais, demais, demais!
O jeito suave com que Jumpin’ Jack veio ao mundo é uma das coisas mais flamengas que existem pra se ouvir no volume 10. Nascer no meio do esporro, sob chuvas torrenciais, desafiar a própria genitora e ainda assim achar que tá tudo bem. Mais do que achar tudo bem, se comprazer plenamente com suas origens e explanar a plena satisfação em ser o que é. Isso é Flamengo demais.
Pra quem nasce sob o signo do perrengue a felicidade muitas vezes não está na paz e na quietude. As tribulações, as dificuldades, os pequenos desafios cotidianos que se magnificam diante de um momento capital, tudo que poderia abater aos fracos, para o torcedor do Flamengo se torna um fortificante. O flamenguista se dopa, se chapa, se escorna no perrengue. E gosta disso.
Parece brincadeira, mas é a só vida real. Depois de 38 anos mofando na fila da carne da Libertadores o Flamengo finalmente chega numa final da maior competição do continente. E justamente na primeira experiência de fazer essa final em um jogo único a Conmebol escolhe Santiago, que todos julgavam ser uma ilha de tranquilidade e prosperidade na América do Sul. Julgaram errado, otários.
Santiago arde, o povo chileno sangra, o kisuco ferveu pra sempre. E a Conmebol, que há pelo menos sete dias assiste à convulsão social que já adiou três rodadas consecutivas do Campeonato Chileno, numa demonstração alucinada de porralouquice mantém o discurso de que a sede da final não mudará. Ah tá, senta lá, Cláudia.
É evidente que a decisão será jogada alhures, até as crianças de colo corredoras já sabem disso. Enquanto a Conmebol faz seu teatrinho corporativo os felizes torcedores que tem bala para ir ao jogo se desesperam vendo suas reservas de transporte e hospedagem caírem, tendo que renegociar folgas, férias e luas de mel e ao mesmo tempo correr atrás de ingressos para um jogo que não se sabe onde será jogado. Um cenário de caos, uma verdadeira zona (no mau sentido).
Mas quem na maior torcida do mundo se surpreendeu com tal configuração dos acontecimentos? Essa monumental cagada envolvendo esporte, política e justiça social tinha que rolar justamente no ano que o Flamengo tá na final, claro. Parece até que, de uma maneira meio inconsciente, a torcida do Flamengo estava pedindo por isso. Os torcedores do Flamengo, quase todos eles, sentem uma irrefreável nostalgie de la boue (saudade da lama), uma necessidade louca de passar por perrengues desnecessários e sem fim para que a experiência flamenga se valorize ainda mais.
Para a maioria dos times do mundo a excelência da performance, a efetividade nas conquistas, a voltinha olímpica segurando a taça são o bastante. Louvam seus esquadrões, comemoram seus triunfos, penduram a foto do time vencedor na parede e vida que segue. Para o torcedor do Flamengo isso é pouco. É preciso que o Flamengo, além da performance e da conquista, seja heroico. Que enfrente não somente o time adversário e as quadrilhas de arbitragem. É preciso que o Flamengo enfrente o mundo.
Para desfrutar da plenitude do ser flamengo time e torcida tem que vencer juntos a adversários de força descomunal, sejam eles reais ou imaginários. As vitórias impossíveis e as inexplicáveis ressurreições após a expedição apressada de atestados de óbito forjados pelos nossos magoados rivais são obrigatórias durante a nossa caminhada.
O torcedor do Flamengo tende a acreditar que só quando tudo parece perdido e só a o darwinismo banca a aposta em nossa sobrevivência é que se faz o milagre flamengo. É nesse preciso momento, com a chapa bem quente e escassas chances de êxito, a finest hour de qualquer rubro-negro. É quando o torcedor, investido mediunicamente dos poderes divinos do Manto Sagrado e da longa sequência de Pais da Nação que remonta a 1895, se percebe indispensável, necessário e decisivo. Essa é a doutrina dominante na Nação.
Nessa Libertadores 2019 o Flamengo já conheceu os dois lados da linha do trem. Já fomos o patinho feio da fase de grupos e nos transmutamos em um cisne exterminador dos mata-matas. Na sua reencarnação sob a dupla égide de Jorge e de Jesus o time do Flamengo parece não ser afetado por nenhum tipo de perrengue. Em campo tudo funciona sob germânica precisão. Os jogadores rubro-negros desfilam olimpicamente rumo ao topo. Vê-los em campo é a própria negação do perrengue.
Ainda bem que do lado de fora o mundo continua alucinadamente louco e imprevisível. Não sabemos onde vai ser o jogo, não sabemos como chegar a um lugar que ainda não sabemos qual vai ser. Não sabemos se vamos arrumar ingressos, passagens, comida, bebida, dinheiro enfim. Só sabemos que Onde estiver, estarei! Oh, meu Mengão! A torcida do Flamengo respira. E é desse jeito que ela quer vencer.
Pra encerrar mais um versinho de Jumpin’ Jack Flash que é a nossa cara nessa Liberta.
I was drowned, I was washed up and left for dead I fell down to my feet and I saw they bled , yeah yeah I frowned at the crumbs of a crust of bread Yeah, yeah, yeah
Me afoguei, fui chacoalhado e deixado para morrer
Caí de pé e vi que eles sangraram, sim, sim
Fiz careta para as migalhas de uma casca de pão
Sim, Sim, Sim
Arthur, pra variar excelente artigo, me fez lembrar daquela história do americano neurótico que com medo da guerra começou a pesquisar exaustivamente um lugar improvável da guerra chegar, logo que suas pesquisas indicaram mudou-se pra lá com armas e bagagens ( ia falar com mala e cuia) uma paradisíaca ilha perdida no Pacífico: nome do lugar Pearl Harbor.
Obrigado pelo texto e pelo mimo…
Ao ler mais uma antologia do Arthur, me lembrei da inacreditável (entre tantas) conquista da Mercosul 99.
Quem diria que seríamos campeões depois de ter o maior ídolo e artilheiro da competição escorraçado do clube depois de indisciplina?
Quem diria que venceríamos um poderosíssimo Palmeiras em dois jogos em que os destaques foram jogadores da base?
Ainda, quem diria que o autor do gol do título seria um até então ilustre desconhecido Lê (Que hoje joga peladas brejeiras na zona norte do Rio)?
Valeu Muhlenberg, por relembrar mais uma vez quem somos
SRN
Lamento, mas não é a minha praia.
C’est boue et pas bue.
Valeu Arthur.
FlaParis.
Arthur, pra variar excelente artigo, me fez lembrar daquela história do americano neurótico que com medo da guerra começou a pesquisar exaustivamente um lugar improvável da guerra chegar, logo que suas pesquisas indicaram mudou-se pra lá com armas e bagagens ( ia falar com mala e cuia) uma paradisíaca ilha perdida no Pacífico: nome do lugar Pearl Harbor.
Concordo Ricardo Carvalho, BOM PRA CARALHO mesmo.
SENSACIONAL! FABULOSO! BOM PRA CARALHO!
se o jogo for mesmo transferido de local,eu vou ficar muito animado pra ir.
santiago ficou muito caro .
assunção é na minha opinão o mais viável.
esperançosas SRN