Se eu quiser fumar, eu fumo, se eu quiser beber, eu bebo e se eu quiser comemorar o Flamengo terminar a 19ª rodada do Brasileiro em 1º na tabela, eu comemoro. Mas se eu der mole e falar que o Flamengo foi Campeão do Primeiro Turno do Brasileiro nem minha sincera crença na superioridade ontológica do indivíduo sobre a comunidade me servirá de defesa quando me acusarem de ser, além de um individualista ordinário, um completo imbecil.

Onde já se viu, campeão de turno em competição por pontos corridos? Sou incapaz de conceber algo mais retardado que essa taçaguanabarização do 1º turno do Brasileiro. Temos argumentos e isenção suficiente para falar mal de Taça Guanabara, temos 21 empilhadas no Fla-Memória juntando poeira e demandando lustros e polimentos constantes. E sabemos que mesmo nas ocasiões em que a sua conquista garantia um lugar nas finais do Campeonato Carioca uma Taça Guanabara nunca valeu muito.

A vitória sobre o Santos no Maracanã, a despeito do futebol consciente e de alta responsabilidade social apresentado pelo Flamengo, valeu menos ainda. O Flamengo não conquistou nada. Consolidou a liderança, reafirmou sua força jogando em casa e o golaço de cobertura de Gabriel aumentou ainda mais sua vantagem na disputa pela artilharia. Mas ao trilar do apito final continuávamos na mesma situação embaraçosa em que estávamos antes do jogo começar: há 9 anos, 9 meses e 9 dias inteiros sem ganhar Campeonato Brasileiro.

Apesar do placar esquálido o jogo foi bom. Depois que Jesus chegou talvez tenha sido o único jogo em que o Flamengo teve sua capacidade organizacional efetivamente testada. O time praiano é um dos únicos da competição que soma um elenco equilibrado com uma filosofia de jogo moderna e ofensiva. Aos outros 18 competidores ou falta um elenco equilibrado ou falta uma filosofia de jogo moderna. À maioria deles faltam os dois.

O Flamengo passou no teste com tranquilidade. Numa rara jornada em que Gerson e Arrascaeta não estavam brilhando, o Flamengo dominou o jogo, mandou no meio de campo e anulou completamente o 2º melhor ataque da competição. O jogo foi duro porque os caras bateram pra burro, mostrando que os meninos da Vila estão assimilando perfeitamente os ensinamentos que Sampaoli trouxe diretamente da reprovável Escuela Argentina del Codazo. Mas mesmo levando cotovelada e tostão toda hora o Flamengo não deixou os caras chutarem nem uma bola sequer no nosso gol. Diego Alves saiu de campo com a camisa limpinha. Opressão total. A cozinha tá de parabéns.

Por outro lado, e é vital que isso não passe despercebido, lá na frente não encontramos a mesma facilidade pra dar aquele show que já estava se tornando habitual. Os caras marcaram firme, e com algum violência, nossas jogadas mais fortes. As incríveis chances perdidas por Arrascaeta, Everton Ribeiro e Gabriel poderiam nos ter feito falta. Ainda temos muito o que melhorar. O que é ótimo pro Flamengo. Cobra que fica parada não engole sapo.

A liderança consolidada pode ser um indício de que temos boas chances de sair da ignominiosa fila do Brasileiro ainda em 2019. O Flamengo tem dado a impressão de que está considerando seriamente essa possibilidade. Em campeonatos que premiam a regularidade é melhor liderar do que não, mas a manutenção da posição na tabela tem custos. Custos que aumentam na razão direta do número de rodadas em que se ocupa a liderança.

A liderança para o Flamengo é como se fosse o cinturão da categoria para o boxeador campeão. É bonita, é brilhante, é valiosa, mas fica assim de vagabundo querendo nos dar porrada pra tomar ela da gente. Liderança dá trabalho, precisa ser defendida a cada combate, seja quem for o desafiante. O Flamengo agora terá que defender o seu cinturão entrando no ringue durante 19 rodadas usando aquele roupão onde está escrito em letras de cetim O Time A Ser Batido.

Não é uma tarefa das mais vulgares quando se sabe que o recordista mundial de defesas de cinturão no boxe,  o mítico Joe Louis, teve que defender o cinturão dos peso-pesados por 26 lutas entre 1937 e 1948. Pra se manter no topo da tabela até o próximo jogo com o Santos, em 8 de dezembro, o Flamengo vai ter que encarar quase que semanalmente valentões, fanfarrões, fracos abusados e desesperados oriundos de todas as unidades da federacão querendo tirar o que lhe pertence por direito. Pela evolução que o time mostrou nas últimas 9 rodadas não podemos ter medo de nenhum adversário. Mas podemos ter medo de que o campeonato fique meio chato.

Na humildade, considerando a nossa patente superioridade pode mesmo ficar chato dentro de campo e sobre isso não temos nenhum controle. O campeonato tem vida própria. Mas do lado de fora do gramado a diversão está garantida. A arcoirizada mal vestida está possessa com a supremacia rubro-negra. É hilariante ver torcedor, cartola, jogador, jornalista, e até parlamentares com excesso de tempo ocioso, espumando e babando em suas camisas feias pelas resenhas e mesas redondas da vida.

Divisão da cota de TV, venda de mando, mudança climática, ideologia de gênero, perdão de dívidas fiscais, enfim, absolutamente tudo tem servido como combustível para furiosas diatribes contra a dominação mundial flamenguista. Pateticos ataques de perereca que só prestam para adubar ainda mais nossa proeminência. Ainda não sabemos se o Flamengo será campeão. O que nos anima é que a arco-íris tem dado todos os sinais que já sabe.

Enquanto o mundo gira e o Mengão deita e rola, o ácido heptanóico vai aos poucos se condensando na atmosfera, numa reação química que resulta no ainda incompreendido cheirinho que intriga os aromistas e incomoda tanta gente. É verdade que é um perigo danado o ácido heptanóico ter voltado às ruas, mas basta que aqueles que forem se intoxicar o façam com responsabilidade na dosagem. A regra é clara, mulambada: por enquanto só pode tomar meiota. Juízo.

Mengão Sempre