Libertadores, 3ª rodada da fase de grupos.
Há partidas que a gente perde porque faz parte do futebol. Não dá para ganhar todas. E há algumas que a gente perde por uma lamentável combinação de burrice com arrogância. A derrota para os uruguaios do Peñarol mostrou, mais uma vez, o quanto ainda temos de aprender com os argentinos no que se refere à Libertadores. A manha não nos pertence.
Em meio às várias eliminações mais ou menos recentes, nenhuma me marcou tanto quanto a de 2007, justamente pela fatal combinação. Nosso time era ruim – Irineu, Moisés, Jailton, Claiton, Paulo Sérgio –, só que o Defensor Sporting nos superava na ruindade. O jogo de ida das oitavas de final foi realizado no Estádio Centenário (Montevidéu), num campo que tinha um monte de buracos com um pouco de grama em volta. Teimoso como todo treinador que se preza, Ney Franco escalou Juninho Paulista, meio-campista então em final de carreira e que gostava de conduzir a bola. Fomos para o intervalo com um a zero no lombo. No segundo tempo, em vez de pedir ao time que segurasse a onda e se mantivesse no sapatinho, Ney Franco fez duas substituições ofensivas e mandou a rapaziada partir para cima, no melhor estilo “isso aqui é Flamengo, porra!”. Engolimos mais dois indigestos caroços de azeitonas. A vitória na partida de volta, no Maraca, não foi suficiente para corrigir o malfeito. Era papo de perder por um a zero lá e deixar para resolver a parada em casa – algo que vemos os argentinos fazerem o tempo todo, aumentando suas chances de seguir na competição. Fato é que lá se vão doze anos, outras sete participações rubro-negras na Libertadores, e ainda não sabemos como jogá-la.
Existe um simples e sábio ditado no futebol que afirma o seguinte: tem dia que é noite. E aos vinte minutos do segundo tempo aconteceu um lance que poderia funcionar como senha para o time entender que não ia rolar. Cuéllar tocou a Renê e daí a Rodrigo Caio, que empurrou para Willian Arão. Em vez de organizar a passagem da defesa para o ataque – função básica de todo meio-campista –, Arão recuou na fogueira para Léo Duarte. Nosso bom zagueiro, que já há algum tempo vem mostrando firmeza e regularidade, ficou indeciso e acabou chutando em cima de Gastón Rodríguez. A bola subiu e, sem que ninguém o incomodasse, Léo Duarte cabeceou para trás, cedendo lateral junto à bandeirinha de escanteio. Foi feio. Era hora do time dar uma parada, respirar e alguém gritar: arrecua os arfe pra evitar a catastre.
Embora trazendo um desagradável gosto de decepção, o empate nos manteria em primeiro lugar no grupo e permitiria a passagem para as oitavas com uma vitória simples, em casa, sobre o San José – algo que, se não conseguirmos, nos forçará a admitir que seria melhor nem ter entrado na brincadeira. Agora, é provável que o Flamengo precise de pelo menos um pontinho a mais, em uma das duas partidas como visitante.
Lembrando: no título da Libertadores 1981, com Zico, Leandro, Júnior e o melhor time da história do clube, empatamos na primeira fase, no Maracanã, com o Olimpia. Na conquista da Copa Mercosul 99, empatamos no Maraca com o Colo-Colo. Não haveria mal algum em cozinhar o empate com o Penãrol – até porque eles não queriam nada além – e ir dormir de quarta para quinta com a classificação encaminhada. Coisa de argentino.
Porém, houve ainda mais. Apesar dos esforços de Diego no primeiro tempo (no segundo ele se apagou) e de Everton Ribeiro no segundo (no primeiro ele pouco apareceu), era nítido que naquela noite o time sentia falta de alguém com clarividência e bom toque de bola, que acertasse lançamentos surpreendentes e tivesse, mais que Everton Ribeiro e muito mais que Diego, capacidade para definir. E esse cara estava lá, sentado no banco, prontinho para entrar e, certamente, louco para que isso acontecesse.
Entretanto, aos 22 minutos do segundo tempo, talvez irritado com a jogada de Arão descrita no quarto parágrafo, Abel decidiu sacá-lo. Vem aí Arrascaeta, pensei. Que nada, veio Vitinho. Perto do fim, Abel tirou Bruno Henrique. Quem entrou foi Uribe. Sem comentários. O Flamengo terminou a partida com uma substituição por fazer, e com Arrascaeta olhando.
Não dá para entender como é que, mesmo estando longe do que o vimos jogar no ano passado, um cara com as qualidades dele não é lançado numa partida em que construímos, apenas, duas chances de gol. Duas. É o fim do mundo.
Bruno Henrique foi improdutivo. Gabriel deveria ser punido com uma considerável multa pela estupidez. Léo Duarte esteve confuso quando pressionado. Rodrigo Caio, que vinha firme no jogo, pecou por se colocar erradamente no lance do gol. Willian Arão fraco, Renê mal, Pará pior. Depois de um bom primeiro tempo, Diego sumiu no segundo. Uribe e Vitinho nada acrescentaram. Salvaram-se Diego Alves – que fez uma grande defesa em conclusão à queima-roupa de Canobbio e não tinha como salvar a precisa cabeçada de Viatri –, Cuéllar e Everton Ribeiro.
Tem dia que é noite. Mas, ao optar por não botar Arrascaeta em campo, Abel ajudou a escurecer.
Lances principais.
1º tempo:
Aos 12 minutos, Pará deu um balão para afastar a bola da área rubro-negra. Bruno Henrique dominou no meio-campo e tentou um lençol em Pereira, Diego interceptou o lance, botou na frente e lançou Gabriel pela meia-esquerda. Ele carregou em velocidade, invadiu a área e concluiu cruzado para fora, perdendo uma das duas chances reais de gol que o Flamengo teve em todo o jogo.
Aos 22, triangulação entre González, Pereira e Canobbio pela direita, Renê falhou ao tentar tirar e González cruzou na área. Pará cortou mal e deu sorte: a bola bateu em Brian Rodríguez e voltou para ele, Pará, afastar.
Aos 39, boa jogada de Everton Ribeiro, que dominou no meio-campo, livrou-se de Pereira e tocou para Gabriel na risca da meia-lua. Formiliano fez falta. Diego cobrou mal, em cima da barreira.
Aos 41, no rebote da cobrança de Diego, o Peñarol saiu em velocidade pela esquerda e Núñez lançou Brian Rodríguez, que cruzou. Canobbio emendou de primeira, quase da pequena área, e Diego Alves fez uma defesaça para escanteio.
Aos 47, depois de uma jogada confusa envolvendo Willian Arão e Renê, Diego sofreu falta de Formiliano na intermediária do Peñarol. Everton Ribeiro levantou para a área buscando Rodrigo Caio, que tocou para o meio. Gabriel raspou de cabeça, o goleiro Dawson deu um tapinha de leve na bola e, quando Bruno Henrique ia pegar a sobra, deu outro tapinha, salvando o perigo. Foi a nossa segunda e última chance de gol na partida.
2º tempo:
Aos 10 minutos, boa troca de passes do Flamengo, começando lá atrás. Diego Alves, Léo Duarte, Everton Ribeiro, Willian Arão, Diego, novamente Everton Ribeiro, Pará, outra vez Willian Arão e na tabela curta para Pará, que cruzou forte, à meia-altura. Impedido, Gabriel completou para a rede. Gol corretamente anulado.
Aos 23, o goleiro Dawson deu um chutão para a frente, Canobbio ganhou no alto de Pará e desviou para Brian Rodríguez, que passou por Léo Duarte, chegou ao fundo e tocou sem ângulo. Diego Alves pôs a escanteio.
Aos 30, repetindo a estupidez cometida por Bruno Henrique contra o Fluminense, na semifinal do segundo turno do Campeonato Estadual, Gabriel fez falta desnecessária e desclassificante em Rojo, e levou o cartão vermelho direto.
Aos 42, Canobbio cobrou escanteio, Rodrigo Caio tirou de cabeça, Everton Ribeiro recolheu na meia-lua rubro-negra e disparou, entre quatro adversários. Na intermediária do Peñarol ele acionou Pará, que fez a escolha errada: em vez de virar a jogada para Uribe e Renê, que entravam pela esquerda, devolveu a Everton Ribeiro, a essa altura morto pela longa arrancada. González cortou com facilidade e deu início ao contra-ataque que terminou nos pés de Hernández, e daí o cruzamento na cabeça de Viatri. Com a zaga mal posicionada, quem sobrou para marcar Viatri (1,85m) foi Renê (1,74m). O centroavante testou firme, para baixo, sem chance de defesa para Diego Alves. Um a zero Peñarol.
Ficha do jogo.
Flamengo 0 x 1 Peñarol.
Maracanã, 3 de abril.
Flamengo: Diego Alves; Pará, Léo Duarte, Rodrigo Caio e Renê; Cuéllar, Willian Arão (Vitinho) e Diego; Everton Ribeiro, Gabriel e Bruno Henrique (Uribe). Técnico: Abel Braga.
Peñarol: Dawson; González, Formiliano, Lema e Hernández; Gargano, Pereira (Viatri) e Cristian Rodríguez; Canobbio, Núñez (Gastón Rodríguez) e Brian Rodríguez (Rojo). Técnico: Diego López.
Gol: Viatri aos 42’ do 2º tempo.
Cartões amarelos: Cuéllar, Diego; González, Formiliano, Lema e Pereira.
Cartão vermelho: Gabriel aos 30’ do 2º tempo.
Trio de arbitragem argentino. Juiz: Patricio Lostau. Bandeirinhas: Juan Belatti e Diego Bonfa.
Renda: R$ 2.662.773,50. Público: 66.716.
Caro Murtinho
Quem é Flamengo já se acostumou com essas vaciladas que fazem a felicidade da arco-irizada…
Tá certo que o Abel errou ao não colocar o Arrascaeta, mas é inadmissível um ex-zagueiro que se tornou técnico não arrumar a defesa do Flamengo!
Toda bola na área é um “deus nos acuda” do caralho! Qualquer time que queira ser competitivo em qualquer campeonato tem que fazer o dever de casa: arrumar a porra da defesa! Libertadores então nem se fala…
Você tem toda razão: argentinos e uruguaios têm algo que os brasileiros não conseguem: competitividade extrema os 90 minutos e regulamento no suvaco…
Como sou otimista, creio que podemos vencer esses enjoados lá se tivermos estratégia, entrega e determinação.
SRN
P.S. Se puder me responda: o que esse elenco treinou nos dias de descanso? Jogadas ensaiadas e triangulações para surpreender o adversário ou porrinha?
Fala, Ricardo.
Além do lance do gol, com a defesa posicionada de forma bisonha, bizarrice ainda maior foi a jogada que aconteceu aos 41 minutos do primeiro tempo, quando uma falta perigosíssima a nosso favor só não se transformou em gol do Peñarol porque Diego Alves fez um pequeno milagre. Pergunto: se o Pará não bate falta, se ali não havia a menor chance de uma cobrança ensaiada para posterior cruzamento (a falta era frontal e na meia-lua), se o Pará não ia ajudar em nada naquele momento, o que ele estava fazendo lá na frente? Diego bateu na barreira e quase levamos o gol no contra-ataque. Isso não acontecia nem nos times em que eu disputava os campeonatos de pelada do Aterro do Flamengo.
Agora, o que o nosso elenco treina continua sendo um dos grandes mistérios do planeta.
A boa notícia é que, ao contrário do que aconteceu em 2017, quando perdemos as três partidas fora de casa na fase de grupos, em 2018 não perdemos nenhuma. Também acredito que dê para beliscar pelo menos o tal pontinho do qual possivelmente precisaremos.
Abração. SRN. Paz & Amor.
Murtinho, gostei da sua análise e concordo com tudo,aliás, agora de cabeça fria, sem aquela raiva habitual, tipo puxar cueca pela cabeça ( por isso não uso cueca há muito tempo, ah, sim tem gente que puxa calcinha, ainda não atingi tal perfeição) me permito passar uma impressão: todo tipo de análise que li, parece que se esqueceram de um pequeno detalhe, o Flamengo jogou com 10 desde os 29min. do 2o.tempo e isso não me parece pouca coisa, uma desvantagem considerável no futebol corrido que se pratica nos dias atuais. Mas eu acho que a ruindade do Flamengo transcende qualquer análise, parodiando o Barão de Itararé, há algo pairando sobre o céu da Gávea mais do que avião de carreira, ou ainda, shakespearizando a coisa: há algo de podre no reino gaveano. Não é possível, entra ano sai ano e a mesma lerda, o mesmo sofrimento. Para se ter um time vencedor, temos que contar com bons jogadores, e me parece que os que estão aí, são os que de melhor se encontra na praça. E por que esta porra não funciona. Só falta apelar para as mesmas bruxas do bardo citado acima, será que é esse o caminho? Chega. Não aguento mais minhas próprias elucubrações.
Grande Xisto!
Você tem razão. Não fui claro quanto à importância da expulsão, mas creio que ela está subentendida em dois momentos. 1) Quando eu falo na considerável multa com que Gabriel deveria ser punido, pela estupidez. 2) Quando defendo que o empate não seria mau resultado, levando-se em conta a situação do grupo, a enorme vantagem que significaria fazer um pontinho (além de evitar que o Peñarol fizesse os três) e – óbvio, embora não devidamente exposto, reconheço – o desgaste provocado pelo fato de ter que disputar os últimos vinte minutos com um a menos.
Na tal jogada que citei na origem do gol, Everton Ribeiro não teve a menor condição de disputar a bola com González, pela arrancada desde a meia-lua rubro-negra e porque, a partir da expulsão de Gabriel, todos tiveram que se desdobrar.
Quanto a não entender “por que esta porra não funciona”, posso garantir que somos dois. Aliás, talvez mais. Talvez uns 40 milhões, aproximadamente.
Abração. SRN. Paz & Amor.
Veio-me à memória o grande Chico Anysio.
Há muitos anos atrás, tinha um personagem que, quando em dúvida, sempre perguntava – ^o quê devo fazer, Dona Malena^.
Sinto-me assim.
Sempre entendi que artigos como o presente seriam fundamentais, para agitar o Blog, trazendo discussões e muitas intervenções.
Surge o primeiro e constato – NADA A ACRESCENTAR.
Concordo em gênero, número e grau.
^O que devo de fazer, Dona Malena (INT)^.
Para não ficar em branco, parece-me que houve uma omissão no lance ocorrido aos 41 minutos do primeiro tempo.
A falta do Cuellar, derrubando um adversário, que, mais do que provavelmente, seria o alvo preferencial do passe a ser dado pelo Bryan Rodrigues.
Recebeu Cartão Amarelo. bem mal aplicado.
Sem a menor dúvida, seria o caso de Cartão VERMELHO, eis que se tratou de uma agressão a adversário SEM BOLA.
Ainda no primeiro tempo, contra o time da casa, faltou CORAGEM ao bom árbitro argentino para decretar a expulsão. Aos 30 da etapa final (caso do ^moleque^ Gabigol) é bem mais fácil.
Em razão da falta, que poderia ser evitada, não considerei, além do mais, como boa a participação do Cuellar no jogo, ao contrário do Murtinho.
Para mim, só se salvou mesmo o DIego Alves, a quem daria uma nota NOVE.
A zaga de área até ia bastante bem, um pouco melhor o Rodrigo Caio, mas, também acho, estava muito mal posicionada no lance do gol.
Da mesma forma, entendo que o Diego foi bem só no primeiro tempo e o Everton Ribeiro apenas no segundo, sendo que, de há muito, chamo a atenção para a inconstância deste último, um excelente jogador que, parece-me, às vezes se desliga.
Pará, René (o falso craque de última hora), Arão péssimos, como sempre.
Gabigol, Bruno Henrique péssimos nesta partida.
Por fim, NOTA ZERO para o Abel, que um grupo de amigos resolveu chamar de Abelstado.
Não escalar o De Arrascaeta já era um enorme equívoco, não aproveitá-lo, optando por Vitinho, é caso típico de chamar os homens de branco.
Bem que o nosso Grão Mestre, em artigo anterior, sugeriu que permanecesse hospitalizado. Teria sido uma boa, sem a menor dúvida.
Aporrinhadas SRN
FLAMENGO SEMPRE
Meu querido Carlos Moraes.
Já que concordamos em quase tudo, vou focar na discordância.
Tenho outra visão daquele lance do Cuéllar. Depois que Diego bateu a falta na barreira, Brian Rodríguez foi lançado na esquerda e Cuéllar voltou correndo, desesperado, para fazer a cobertura do lugar onde Pará deveria estar (favor ler minha resposta ao comentário do Ricardo Ferreira de Carvalho). Só que o atacante Núñez correu junto com nosso volante, fechando-lhe a passagem e impedindo-o de dar o combate a Brian Rodríguez. Tanto que, assim que a jogada se encerrou, com a defesaça de Diego Alves, os jogadores do Flamengo partiram pra cima do juiz, reclamando de uma possível falta de Núñez em Cuéllar. Eu acho, Carlos, que ali os dois se embolaram, Núñez obstruiu Cuéllar, Cuéllar derrubou Núñez, foi uma espécie de momento MMA e Patricio Lostau poderia ter marcado falta para qualquer um dos lados. Como, da mesma forma que você, ele considerou falta do Cuéllar, preferiu aplicar a lei da vantagem em favor do Peñarol e deu cartão amarelo após a definição do lance. Acho que acertou. E a arbitragem foi mesmo bastante correta.
Abração. SRN. Paz & Amor.
Análise das mais precisas Murtinho e….#ForaAbel
Valeu, Marcos.
A questão da hashtag é que, nessa altura do campeonato, tendo a seguir o velho ditado do “só tem tu, vai tu mesmo”.
Tenho dúvida. Digamos que a hashtag vá em frente e funcione. Botar quem? Pra mudar tudo de novo e começar outra vez do zero? Pode ser, sei lá.
Abração. SRN. Paz & Amor.