Ao contrário do último post, publicado sob o calor da virada em cima do Fluminense e a consequente conquista do Campeonato Estadual, preferi deixar a eliminação na Libertadores dar uma decantada antes de escrever este. Acredito ter sido a melhor decisão.

Sempre me mantive tão longe do coro dos contentes quanto da turma do hay gobierno, soy contra. Os primeiros defendem que, por ser Flamengo, tudo é divino e maravilhoso. Os outros reclamarão, mesmo ganhando Brasileiro, Libertadores e Mundial, se nosso goleiro deixar de pegar um pênalti aos quarenta do segundo tempo com o placar de quatro a zero a favor. A radicalização é improdutiva, pois nos deixa distantes do que considero importante para o clube: reconhecer e elogiar o que vem dando certo, enxergar e criticar o que está errado.

No terreno administrativo, seria preciso abandonar os posts e escrever uma enciclopédia, para registrar com justiça o que a nossa diretoria vem fazendo e que é algo sem igual na gestão de clubes de futebol no Brasil. O ajuste financeiro, o rigor com as contas, o novo Centro de Treinamento, o Centro de Excelência em Performance (que às vezes dá a impressão de que poderia se chamar Centro Especializado em Desconfortos), a análise científica das condições e riscos de contusões dos jogadores, tudo isso merece loas. Entretanto, é preciso falar de bola rolando.

Peço paciência àqueles que sempre batem ponto nos meus textos, mas julgo interessante repetir algumas das ideias que já circularam por aqui.

O post que publiquei após a vitória sobre o Atlético Paranaense tinha, complementado por uma foto de Diego, o seguinte título: “Existe Flamengo inteligente sem ele?” Não era uma constatação, e sim uma pergunta, só que hoje a resposta parece clara: não. A sensação que tive quando Diego saiu machucado foi a mesma de quando os repórteres anunciaram a gravidade da contusão de Neymar na Copa de 2014. Naquela ocasião, eu e minha mulher assistíamos à partida contra a seleção colombiana, e lembro que, ao ouvir a notícia, olhei para ela e disse apenas: fodeu.

Sem Diego, obtivemos uma convincente vitória sobre a Universidad Católica na Libertadores e levantamos o título estadual, porque tivemos ótimo equilíbrio em campo (mérito de Zé Ricardo) e grande superação por parte dos jogadores. Contudo, e este parece ser um dos graves problemas dos treinadores brasileiros, ficamos com a sensação de que o Zé é mais um a acreditar que esquemas táticos e desempenho de funções são suficientes. Não são. Na busca por grandes títulos, aqueles que verdadeiramente nos importam, é imprescindível contar com gente de qualidade. Uma coisa é você ter pelo lado do campo, defendendo e atacando, um cara chamado Gareth Bale; outra é ter o Gabriel. A função? Ora, a função é a mesma.

Ok, apelei e baixo a bola: vamos esquecer o Bale, fechar a conta no pequeno hotel próximo à Gran Vía, tomar o avião de volta e desembarcar em General Severiano. O glorioso Rodrigo Pimpão, velho conhecido de Vasco, Paraná, Ponte Preta, América Mineiro e América de Natal, executa funções semelhantes às de Gabriel. Incluindo os mata-matas da pré-Libertadores, contra Colo-Colo e Olímpia, Pimpão já fez quatro gols no torneio mais importante do continente. Para quem é fã de estatísticas, convém saber que, juntando o Brasileiro de 2016 com o Estadual de 2017, Gabriel não fez um gol sequer em nenhum dos nossos grandes clubes. Nessas duas competições o Flamengo jogou duas vezes contra Grêmio, Inter, Atlético Mineiro, Cruzeiro, Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo, três vezes contra o Vasco, quatro contra o Botafogo e seis contra o Fluminense. Vinte e nove jogos grandes, nenhum golzinho de Gabriel. Mesmo que ele não tenha participado, como certamente não participou, de todas as partidas, pode-se dar a este nobre cidadão baiano o epíteto de atacante?

Quando anunciou a renovação do contrato de Márcio Araújo – que apesar de ter melhorado muito esse ano, tem limitações que o impedem de ser o meio-campista adequado a um clube que pretenda grandes conquistas –, o presidente Eduardo Bandeira de Mello declarou (reportagem do UOL, assinada por Vinicius Castro e publicada em 25 de novembro de 2016) que a comissão técnica rubro-negra concluíra ser positiva a avaliação do nosso volante em comparação com Moisés do Palmeiras, Rafael Carioca do Atlético Mineiro, Walace do Grêmio e Renato do Santos. Pensei: se é assim, a dívida de Márcio Araújo é gigantesca. Deve um título brasileiro (Moisés tem o do ano passado), deve convocação para a seleção (Tite chamou Rafael Carioca para os jogos contra Equador e Colômbia), deve dez milhões de euros (foi por este valor que o Grêmio vendeu Walace ao Hamburgo). E nossa comissão técnica deve algumas toneladas de bom senso, pois comparar Márcio Araújo à elegância e à eficiência do futebol jogado por Renato é brincadeira de péssimo gosto.

Gostaria de lembrar, ainda, o post publicado sob o título “Achar que nosso time é melhor do que é não nos ajuda”, que me parece uma ideia cada vez mais pertinente. Ao mesmo tempo em que enchemos a boca para enaltecer nosso elenco, vivemos a reclamar de Muralha, Vaz, Márcio Araújo, Rômulo, Cuéllar, Mancuello, Adryan, Berrío, Gabriel, Leandro Damião, Éverton, e só aí temos um time inteiro. Se as reclamações procedem, que diabo de elenco bom é esse?

Amigos e amigas: não se trata de caçar bruxas, mas quem é que monta o elenco do Flamengo? E aí volto ao que escrevi em um terceiro post (“A sutil diferença entre convicção e teimosia”): ou Zé Ricardo vem errando por não conseguir armar o time de modo a aproveitar os melhores – e por acreditar piamente na tal história do desempenho de funções –, ou Rodrigo Caetano errou feio em algumas contratações e na montagem geral da bagaça. Creio que há um pouco das duas possibilidades.

Por outro lado, não podemos ignorar os acertos, e a vinda de Diego representa o maior deles. Somando técnica com identificação, e sem querer comparar um a outro, creio que não temos um jogador assim desde o canto do cisne de Petkovic em 2009. (Bem mais técnico do que os dois, faltou a Ronaldinho Gaúcho o mínimo de dedicação para virar ídolo do Flamengo, e saiu do clube sem deixar saudades.) Também gosto muito – embora aí não haja unanimidade – do Guerrero, e em jogos como o da última quarta-feira só não sinto pena dele porque faço uma leve ideia da grana que leva todo mês. Achei boa a contratação de Willian Arão, jogadores como Rodinei e Renê são fundamentais em competições longas, o calculado risco da aposta em Conca é justificável, ou seja, há inúmeras coisas bem-feitas. Todavia, provoca enorme incômodo a percepção de que, com finanças equilibradas e pagamentos em dia, temos um elenco e um time titular vários furos abaixo do que poderíamos ter.

Para encerrar: ano passado, depois de uma derrota do Internacional para o Cruzeiro e quando o fantasma do rebaixamento já assombrava o time gaúcho, vi uma entrevista bastante lúcida do meia Alex. Esbanjando sinceridade e autocrítica, ele disse mais ou menos o seguinte: “A gente está errando demais. Não adianta chutar a bola pra fora e querer que ela entre.”

Está mais do que na hora do Flamengo admitir que – desde o presidente até o ponta-esquerda, passando por diretor executivo de Futebol, treinador e demais integrantes da comissão técnica – não dá mais para fechar os olhos a esta realidade: temos chutado muitas bolas para fora, e depois lamentamos que elas não entram.