Quem já teve o privilégio de pisar o chão da antiga Fazenda Bangu, fundada em 1673 por Manuel de Barcelos Domingues, um dos primeiros povoadores do Rio de Janeiro, sabe que fora uma opressora semelhança climática, o aprazível arrabalde na Zona Oeste carioca não é nenhuma Las Vegas. Mas o sábio costume adotado pelos visitantes da maior cidade do estado de Nevada de não explanar na volta pra casa o que rolou por lá, pode e deve ser seguido pelos torcedores rubro-negros após a festiva partida contra o Nova Iguaçu do sábado. What happens in Vegas stays in Vegas e o que acontece em Bangu em Bangu deve permanecer. De lá devemos trazer apenas a imagem pungente dos heroicos mulambos que se aglomeraram no crematório de Moça Bonita em pleno sábado de praia só pra dar moral ao Mais Querido. Que torcida espetacular tem o Flamengo.
Mas com todo respeito aos profissionais do Nova, para o Flamengo o jogo não passou de um treino mais puxado disputado sob um calor do capeta. Os 4 gols foram maneiros, mas dizem pouco sobre o real estágio de desenvolvimento do time. E nós já somos grandinhos pra não ficar viajando em delírios de triunfo no âmbito regional, vamos manter os pés no chão e um mínimo de coerência porque o bagulho é sério. Encaremos os fatos, enquanto só enfrentarmos as carne-assada do carioqueta vai ser difícil saber o quanto estamos preparados para a disputa do Mundial Interclubes em dezembro. Reforcemos pois a dosagem do Vinho Antiempolgatório Silveira de Araújo.
O Flamengo tem cumprido com seu dever, ganhando suas peladas com estonteante superioridade e com Zé Ricardo bicho solto, testando várias formas diferentes de jogar. Com os desfalques de Diego, Rômulo, Conca, Berrío, Vizeu e Rondinei, o Mengão fez o que pode para subjugar a Laranja Mecânica da Baixada. Até Cirino entrou. O time correu bem, mostrou entrosamento e até alguma classe nos pés de Mancuello, que estava doido pra se amostrar pro Márcio Araújo e acabou metendo golaço. Márcio Araújo foi outro que aproveitou a oportunidade, jogou bola e tentou até umas gracinhas. Mais uma vez faltou sangue no olho ao jovem Adryan, que ainda não convenceu. E chega de falar em jogador, no cômputo geral todos jogaram bem, apesar de Gabriel ter sido eleito o melhor em campo. Eleição é complicado, como disse o Pelé, o brasileiro ainda não está preparado para votar.
Beleza, mas sabemos que jogar bem e até mesmo jogar melhor que os adversários é muito pouco pra ganhar o Carioca. Ô campeonatinho sem vergonha! No despovoado jogo do Foguinho, no anecúmeno municipal do Engenho de Dentro, a cleptocracia esteve em alta. O gol ilícito que salvou a pele dos lamentáveis alvinegros foi marcado após o término do jogo, depois de um cruzamento maroto em que a bola saiu tanto pela linha de fundo que quase foi feito por trás das placas de publicidade.
Toda essa violência contra o belo esporte rolou a centímetros do olhar atento e perscrutador do juiz auxiliar, aquele cara que fica em pé ali do lado do gol gastando nosso oxigênio e emitindo dióxido de carbono na atmosfera durante 90 minutos só pra ver se bola saiu pela linha de fundo. Um escândalo que apenas confirma a tese de que todos os jogos do Campeonato Carioca (menos os nossos) deveriam ser disputados em Bangu. Não no Moça Bonita, estádio histórico, mas nas áreas reservadas ao banho de sol em Bangu I, II, III e IV.
Mas o carioqueta é isso, meus amigos. Uma zona, uma ação entre amigos, um esqueminha safado pra botar um dindim no caixa da FERJ, a única que ganha alguma coisa com essa competição anacrônica e aparentemente imoralizavel. O Flamengo devia parar imediatamente de jogar esse campeonato inidôneo. Não porque fatalmente seremos roubados e podemos perder um título na mão grande, como já aconteceu inúmeras vezes. Mas porque o Flamengo jogando confere legitimidade a essa palhaçada rural. Ainda por cima tem o seguinte: se o Flamengo sai essa porra acaba na mesma hora. Nós vimos agora mesmo o desespero de geral quando o Flamengo fez cu doce pra assinar com a Globo. Vagabundo queria se matar.
Claro que não podemos ser hipócritas, é óbvio que num campeonato essencialmente mafioso o Flamengo às vezes, contra a sua vontade e para grande contrariedade dos capos da quadrilha, acaba sendo beneficiado pelo clima de imoralidade e desapego às regras e vencendo uma partida ou outra a qual não fez jus à vitória. Mas pensa bem, teve alguma graça ganhar o Carioca 2014 com gol roubado? Tenho que confessar que teve graça, sim. Foi maravilhoso ganhar da vasca daquele jeito e espero repetir a experiência ainda nessa encarnação. É mais ou menos assim que os 18 botafoguenses devem estar se sentindo hoje.
Mas nós, fechados com o certo, bem vestidos e defensores da ordem constitucional, na hora em que vemos tal esbulho acontecer, sem que sejamos nós os beneficiados, naturalmente nos indignamos. E não é uma indignação esportiva, clubística, é uma indignação cívica, apartidária, de quem não pode mais tolerar tanta corrupção, tanto desprezo pelas regras, tamanho aviltamento moral. O certo seria irmos todos pras ruas, organizar panelaços, tirar os dirigentes safados e temerários e colocar outros em seu lugar. Mas tava aqui olhando as estatísticas e é melhor deixar quieto. Povo indignado na rua é muito bom pra tirar os caras do poder, mas é péssimo em substituições. Fica, Rubinho!
Mengão Sempre
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