Eu morava na rua Lauro Muller, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Tínhamos um time de pelada bastante bom, que primeiro se chamou Aperta e Bate e depois, pressionado pela força da grana, adotou o nome de Lauro Muller FC. Explico. Seu Hélio, nosso vizinho um pouco mais endinheirado, era dono de um posto de gasolina na Praça Saens Peña e decidiu bancar uniforme e bolas. Só que ele não se conformava com a sutil referência à ganja escondida no nome Aperta e Bate, e não sossegou até conseguir a caretésima mudança.
Fizemos algumas campanhas memoráveis no Campeonato de Pelada do Aterro do Flamengo, mas os treinos eram meio esculhambados. Houve um período em que nosso time ganhou o reforço de Dudu, atacante que tentava iniciar a carreira no rubro-negro e era irmão do Fio Maravilha. Dudu, que se aproximou da rapaziada porque seu irmão mais famoso – o outro era o Michila – tinha uma namorada lá na rua, morava no local conhecido por Sede Velha, junto com outros jogadores das divisões de base. Entre eles, Geraldo.
Certa vez alguém marcou um jogo noturno do Aperta e Bate sem avisar devidamente a rapaziada, muitos não puderam ir e nos vimos com um a menos. Atacante veloz, apesar do shape mais puxado para o rechonchudo, Dudu rapidamente atravessou as três pistas entre os campos do Aterro e a Sede Velha, e convocou o amigo Geraldo para completar nosso time.
Foi a mais impressionante experiência estética que eu pude apreciar num campo de pelada. Geraldo deslizava pela cacarecada terra batida (grama sintética é para os fracos, modinha recente), a bola grudada no pé direito, cabeça erguida. Era tanto controle e visão de jogo que ele parecia enxergar não apenas o que acontecia naquele campo, mas em todos os outros sete que compunham o complexo peladeiro. Mais de quinze anos depois, quando vi Marty McFly com seu skate voador em De Volta para o Futuro 2, imediatamente me veio à cabeça a imagem de Geraldo flutuando por aquele maltratado campinho da Zona Sul carioca. Era como se ele jogasse futebol de patins.
Eu estava no Maracanã, no zero a zero com o Vasco que deu a Geraldo sua primeira conquista como titular absoluto no time de cima do Flamengo – o campeonato estadual de 1974. E me marcou, também, uma partida entre cariocas e paulistas disputada em 1975. Nos últimos minutos do amistoso, os treinadores Mário Travaglini e Oswaldo Brandão se sentaram à beira do gramado para um relaxado bate-papo, enquanto os trepidantes Denis Menezes e Washington Rodrigues informavam que o tema da conversa dos técnicos era Geraldo. O meia encantara Brandão pela elegância e a qualidade. (Segundo o maestro Júnior, “Geraldo era o cara que fazia as coisas mais difíceis com a maior simplicidade”.)
Em 6 de outubro de 1976, o Flamengo organizou um jogo com renda revertida para a família de Geraldo. O adversário era a seleção brasileira, o Maracanã recebeu 142 mil pessoas e Pelé fez questão de vir dos Estados Unidos para participar da homenagem.
Mesmo tendo falecido com apenas 22 anos, Geraldo foi um dos maiores que eu vi jogar e, não tivesse morrido tão cedo, hoje certamente seria reconhecido e admirado como um dos mais espetaculares armadores de toda a história do futebol brasileiro. E um pouco antes de sua morte completar vinte anos, participei com orgulho da produção da fita de vídeo Os Mais Belos Gols de Zico. Em um dos dias de trabalho no CFZ, Deus se referiu emocionado à data que se aproximava, e que ele sabia de cor: “26 de agosto de 1976. Daqui a pouco vai fazer vinte anos.”
A morte de Geraldo, tão precoce e besta, foi mais do que fatalidade. Foi maldade inaceitável com a família e os amigos, com todos os rubro-negros e o futebol.
Texto maravilhoso que nos conduz a um passado onde tivemos muito prazer em jogar nossas peladas e campeonatos. Viajei no tempo. Abração
Muito boa esta homenagem ao Geraldo.
SRN
Lindo texto Murtinho, obrigado!
Obrigado por compartilhar. Grande Geraldo. SRN
Nobilíssimo Murtinho, no auge dos meus 34 anos agradeço mensagem enviada. Memórias do futebol são o que mais o torna vivo.
SRN
Saúde e paz
Confraria RPA
Buno Melo
São 7,42h, dou uma pausa no calhamaço de 1366 pags. do Conde de Monte Cristo que, finalmente resolvi ler na íntegra (ah, essa minha falsa cultura) e fico pensando, por que essa angústisa que me oprime o peito? Simplesmente, meu caro Watson, o Flamengo vai jogar logo mais e o resultado é absolutamente incerto. Foi-se o caso em que jogo do Flamengo era tranquilidade pura, favas contadas, que falta fzem os zicos e os geraldo assoviado da vida…
…quer dizer os geraldos assoviadores da vida.
Se o Flamengo foi campeão da Libertadores e Mundial sem o Geraldo, imagina com ele…
Que esteja em paz, batendo sua bolinha no céu ao lado do bom zagueiro Figueiredo, do grande mestre Ziza, de Dida, de Leônidas e outros cracaços de bola como ele…
SRN!!!
O destino não ousou esperar para se saber quem era de fato, tecnicamente, o melhor e mais promissor, ele ou o Zico? Sem uma boa resposta, embaraçado das grandezas emergentes a apertar a sua mente, resolveu recolher um deles…Como sempre… sobrou pro moreninho…!
Edvan-Alagoinhas-Ba.
PS – Posso dizer com toda tranquilidade; Quem primeiro observou a sua principal característica fui eu. Assistia um jogo com uns amigos e quando começou a se movimentar, exclamei para todos: “Não é possível…ele joga sem olhar para bola, porra…isso é incrível”, nunca vi isso, quem é esse cara mesmo?.”.
Que pena!
Corretíssimo. Sem olhar para a bola.
Fraternas SRN
FLAMENGO SEMPRE
Murtinho, vc não apenas nos brindou com um texto maravilhoso e emocionante, como também nos fez tirar da cabeça, nem que seja por alguns instantes, nossas infinitas discussões por causa de coisas como Márcio Hor… Melhor nem escrever. Vamos ficar com as belas imagens a que teu texto nos remete que é melhor.
Dos tempos do verdadeiro futebol rubro-negro e brasileiro.
Futebol esse que nunca vou cansar de querer de volta e criticar quando atentam contra ele.
Não há nada como a linda história do Clube de Regatas do Flamengo!
SRN e obrigado
Murtinho, não lembro do Geraldo jogando, minhas memórias futebolísticas começam somente em 78, gol de cabeça do Deus da Raça e mais um vice pras bigodudas, mas para DEUS guardar esse respeito e reverência, deve ser isso que você falou e mais 10%.
Com relação ao seu time da época não treinar, vocês estavam a frente do tempo, estavam já no ritmo do Mengão de hoje.
SRNs
O foda não é o Murtinho escrever bem pra caralho. O foda é que além disso ele joga bola pacaralho também. Chego a ter vontade de devolver a pena ao ganso. Mas como eu continuaria a ser um pereba com a bola no pé a vontade passa logo.
Este estupendo artigo-lembrança do nosso Murtinho fez-me lembrar de que NADA vale um DESENTENDIMENTO entre amigos.
Não há sentido em se sentir magoado ou ofendido, menos ainda em se desesperar ou ofender.
Junho de 1976, o dia exato não sei precisar.
Junto com o meu filho mais velho, então com apenas SEIS anos, fui ao Maracanã mais do que lotado.
Decisão da Taça Guanabara.
Flamengo x Vasco.
Mal começado o jogo, um a zero para eles.
Exatamente o Geraldo empatou, com um lindo gol.
Ficou nisto.
Decisão por penalties.
O Vasco bate primeiro e, logo de cara, grande defesa do Cantarele.
4 x 4, falta o decisivo penalty.
Cobrança do Zico, o Maracanã todo, obviamente o meu filho e eu, já delirava.
Zico bate, sai comemorando (podem ver, se encontrarem, a fotografia do lance), mas o Mazzaropi defende.
O primeiro extra vai ser batido pelo Geraldo.
Péssima cobrança e o Vasco é o campeão.
Saio do Maracanã esbravejando, xingando mesmo os nossos dois melhores jogadores.
Dois meses depois, o Geraldo morreria, estupidamente.
Maral de uma história boba mas verdadeira.
NÃO VALE A PENA QUALQUER TIPO DE EXALTAÇÃO.
AFINAL DE CONTAS, TODOS SOMOS, ACIMA DE TUDO, F-L-A-M-E-N-G-O
SRN
FLAMENGO SEMPRE
PS – uns poucos sabem a razão de ser deste comentário chegado ao piegas, posto que autêntico.
A foto diz “Ainda vamos tacar fogo no Maraca Arthurzico!”
SRN!
Nobre xará, você teve a oportunidade de jogar com um ser sobrenatural no nível do chão, a gravidade não afeta seres etéreos.
SRN saudosas!
Disse tudo – ^Foi maldade inaceitável com a família e os amigos, com todos os rubro-negros e o futebol.^
Não sabia que estão se completando exatos quarenta anos.
A notícia, quando ventilada, foi uma PORRADA em todos os rubro-negros, a bem da verdade, em todos os apaixonados pelo futebol.
Não quis acreditar, pois sabia que o Geraldo iria ser operado de amígdalas, como amplamente noticiado pela imprensa.
Ali em Ipanema, na casa de saúde do então Presidente do Flamengo.
Tive a ventura de ver o menino jogar, como juvenil, na Gávea e como titular, no Maraacanã.
Um fora de série, sem a menor dúvida.
A fotografia deste artigo, com os dois meninos e iluminados craques abraçados, estampa perfeitamente o modo de ser do Geraldo.
Risonho e tranquilão, o nosso Assobiador.
Às vezes, lamentavelmente não poucas, o destino me parece incompreensível.
Irrecuperavelmente tristes, no caso, SRN
FLAMENGO SEMPRE
PS – lembro-me perfeitamente de artigo, dos primeiros, da Vivi, em que parece estampado, quero crer que em seu quarto, uma enorme fotografia do jogo em homenagem ao Geraldo. Ele mereceu a homenagem e toda a nossa admiração.
obviamente, APARECE