Supõe-se que um dos acontecimentos mais relevantes no universo rubropreto em 1917 foi a saída de Baena pra entrada de Hydarnés no gol do Flamengo. Othon de Oliveira Baena deixou seu nome marcado na história como um dos prescientes que se rebelaram contra as decisões atrabiliárias do Ground Comitee tricolor e seguiram os passos de Alberto Borghert até o número 22 da Praia do Flamengo para fundar a Secção de Esportes Terrestres do Clube de Regatas do Flamengo em 1911.
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Hoje se sabe que Baena foi tão ou mais importante para o futuro do planeta quanto o cartógrafo de Américo Vespúcio, mas na época era só um goleiro barrado. Bicampeão Carioca em 14 e 15, Baena só jogou as duas primeiras partidas do Carioca 17, duas derrotas em que alguns corneteiros disseram que frangou. Em seu lugar entrou o jovem Hydarnés Cintra Vidal, batizado em honra do líder militar do Império Arquemênida de Dario, um dos Sete Persas que derrubou o usurpador Esmérdis e se tornou o primeiro sátrapa da Armênia. O moleque entrou na vaga de Baena, fechou a casinha e não saiu mais. Mas não adiantou.

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O Flamengo em 17 deu vários moles, apesar de ter dado de 5 no foguinho e de 8 no sãocrista. levou algumas piabas na hora errada e não arrumou nada no Carioca. Foi um ano bem merda, o Flamengo só ganhou o Troféu Asilo Bom Pastor, ainda com Baena no gol, e a Taça Sport Club Juiz de Fora. Mas enquanto o Flamengo passava suas vergonhas no então Distrito Federal e o mundo começava a se despedir da estética curvilínea do Art Noveau algo relevante acontecia no National Winter Garden em Nova York.
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No palco do primeiro teatro burlesco da cidade que nunca dormia a macharada na platéia apreciava com moderação a apresentação da comediante Mae Dix. A atriz, preocupada com os custos de manutenção de seu caro figurino, despretensiosamente, tirou o gola de seu vestido. O gesto casual feito no palco acabou deixando os cueca em alvoroço. Malandra rife, Mae sentiu a vibe, tirou também os punhos e começou a abrir os botões de seu vestido.
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Aí vagabundo aloprou, bigodudos subiam pelas paredes do teatro como lagartixas profissionais, gordinhos de suíças e chapéu côco se balançavam nos lustres, os mais abastados lançavam nickels e dimes no palco, estava inventado o strip-tease. Os famigerados Irmãos Minsky, donos do teatro, aproveitaram a sorte de ter um teatro na hora certa com o elenco certo e a platéia certa e já programaram uma apresentação regular da esperta Mae Dix “despindo-se provocando”.

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A nova forma de expressão artística era muito mais do que uma gostosa ficando peladinha. Era o feliz fechamento de uma tríade de elementos onde divertimento, provocação e exibição se confundiam em uma apresentação marcada por um distanciamento do público que era um catalisador de tesão.
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Foi esse distanciamento do público, depois de hexaperfurar a vasca o Flamengo ficou 10 dias sem botar a cara, que fez do Flamengo x Grêmio pela oitava rodada do Brasileiro um catalizador de tesão das massas rubro-negras. Havia urgência em rever o Papaizão da Porra Toda e, principalmente, saber como a rapaziada não uruguaia ou chilena se comportaria durante o defeso da Copa América. São justamente essas dificuldades que excitam o rubro-negro médio e mais 50 mil bem vestidos acorreram ao estádio tijucano.
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E o Flamengo pisou o gramado do Maracanã nu, sem os paramentos dispendiosos que o orçamento parrudo o permite exibir conspicuamente para mortificação da rancorosa e hipossuficiente arco-íris. A maioria dos times do mundo quando despido de cinco de seus titulares nem sai de casa, o Flamengo não. Valente e afirmativo, o Papa-Tudo da Gávea rearrumou seus valores, pastorinhas e cantores, pra encarar um Grêmio que tinha muito pouco a oferecer em termos de entretenimento.
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Deficiente na criação, com vários amigos improvisados em posições antinaturais em nome da manutenção do esquema titânico o Flamengo deu uma sofrida nos minutos iniciais do jogo. O adversário, esquizofrenicamente orientado por Renight, fingia não saber quem era quem na fila do pão e assenhourou-se do balão, colocando o Flamengo em estado de reatividade. Essa inversão de papéis causou algum estranhamento e por uns poucos mas longos minutos o Flamengo sentiu o drama de ser a vítima da opressão.
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Foi um momento melancólico, o telão se atrasou e a tradicional homenagem ao passamento de muitos rubro-negros invadiu o tempo regulamentar. A morte, evento privado por excelência, quando tornada pública evidencia o quanto ninguém está nem aí pros outros. Somos assim, humanos, autocentrados e egoístas, que se pode fazer? Mas o ímpeto ofensivo dos gaúchos foi arrefecendo, vagabundo foi ficando cansadinho.
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Cansadinho de tanto enfiar a porrada em nossos craques de segunda e terceira prateleira, com a coadjuvância leniente do péssimo árbitro que tudo fez pra estragar a noite do reencontro da torcida com o time. Incentivando a violência pampeira, invertendo faltas, distribuindo amarelos injustos e comprovando que a familia Oliveira cultiva uma bronca injustificada com o Mengão. Apenas nos primeiros 45 minutos dois dos nossos tiveram que ser substituídos por excesso de porrada.
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Com o esquema titânico naufragado entraram em campo Bruno Henrique e Luiz Araujo. E foi aí que o bagulho se transformou. Muito se fala da intrigante dualidade rubro-negra, o conceito religioso e filosófico que admite a coexistência de dois princípios necessários, de duas realidades contrárias entre si, como o espírito e matéria, o corpo e a alma, o bem e o mal e que estejam um e outro em eterno conflito.
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A dualidade mulamba se caracteriza pela alternância brusca e inadvertida entre a eterna crise na Gávea e o sempre inadiável Rumo a Tóquio. Os períodos entre esses dois estados d’alma são tão breves que a ciência ainda não encontrou um nome para defini-los. Entre a saída dos estourados Cebolinha e Igor Jesus e a entrada dos dois atacantes o Flamengo esteve mais nu do que nunca, todo exposto à visitação pública.
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Felizmente Luiz Araujo não compartilha da altivez natural e da nonchalance cênica de Mae Dix. Luiz Araujo não finge que a platéia não está ali ao alcance dos olhos e dos ouvidos. Ele sentiu que havia urgência de uma definição daquele Flamengo desnudo, que era preciso deixar claro para a arquibancada que os peladões não convocados pra Copa América seriam capazes de segurar o pagode sem deixar cair. E antes que o tempo regulamentar se esgotasse mandou um canudo arrogante que o goleiro gremista não teve como negociar. O time foi pro vestiário com um 1 x 0 aliviante no placar.
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No segundo tempo as coisas não foram muito diferentes. O Flamengo é como o país, precisa de homens de caráter e livros, não funciona legal se não tiver os dois juntos. Por sorte havia caráter até demais em campo, tome como exemplo o jovem Lorran. Com 17 anos e infinitas possibilidades adiante Lorran não usa os retrovisores, só sabe avançar, sempre busca o ataque, só dibra pra frente. E esbanja aquela vontade santa e contagiante de quem está vivendo o sonho realizado. Dá gosto ver o moleque correndo feroz com aquela cotoveleira michaeljordiana em direção ao gol.
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Nessa correria santa o Flamengo fez mais um gol com Luiz Araújo e arredondou a parada toda. Anulando na bola os esbulhos e ladroagens a que foi submetido durante mais de 90 minutos o Flamengo saiu do gramado na liderança do Brasileiro. Exatamente na decisiva 8a rodada, que segundo Pep Guardiola é onde se separam os homens dos meninos no âmbitos das ligas nacionais. O que até pode excitar os Enzos, mas vai de encontro à doutrina do Deixou Chegar Fudeu.
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As teses guardiolianas podem funcionar com times que nasceram pequenos e lutaram para serem considerados grandes, como o Bayern, o City e o Barcelona. Mas pro Flamengo, que nasceu gigante e nunca mais parou de crescer elas não são aplicáveis. O Flamengo curte, ou pelo menos curtia antes de se tornar afluente e superavitário, ficar no sapato durante a maior parte da competição e só dar o bote na liderança na hora do vamo ver. Mas como dizem os rábulas: tempus regit actum. Se a moda agora é ficar na liderança uma caralhada de tempo não será o Flamengo que vai lutar contra o zeitgeist.
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Domingo o Flamengo vai até a 5a Comarca enfrentar o chatíssimo genérico paranaense. Se ganhar dos caras lá no tapetinho deles é bem capaz dos preços dos vôos pra Tóquio subirem um pouquinho. Quem puder que se antecipe, toda crise é uma oportunidade disfarçada. O Flamengo peladinho está provando isso.
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Mengão Sempre