Desejos são uma parada muito complicada, temos que ter muito cuidado com eles. Oscar Wilde escreveu numa peça que eu não vi e nem li que só existem duas tragédias neste mundo. Uma ocorre quando não satisfazemos nossos desejos e outra quando satisfazemos.
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O problema dos desejos, sobre o qual especialistas em malucos como Freud e Lacan pontificaram com extraordinária gato-mestrice, é que eles são como buracos sem fundo. Satisfazemos um desejo e ao invés de sossegar a perereca criamos novos desejos, num ciclo infinito de carência e satisfação que não acaba nunca.
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Eu já estava há alguns dias bolado com o fato do Flamengo, não exatamente por seus próprios méritos, ocupar prematuramente a parte mais alta da tabela do Brasileiro. Por um átimo de tempo o Flamengo foi até líder do bagulho e eu, momentaneamente com a barriga cheia dos gases tóxicos do Carioca, desdenhei da fugaz honraria e desejei com a fé genuína dos convictos que aquela falta de timing jeca do Flamengo terminasse o quanto antes.
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A língua é o chicote da bunda, em apenas duas rodadas o Flamengo despencou da liderança para o meio da tabela, satisfazendo meus desejos idiotas. Notem, na sociedade em que vivemos é permitido ser idiota, o que não é bacana é ser incoerente. Se ver o Flamengo líder antes da hora ofendia minhas sensibilidades esquisitonas é obvio que agora que o Flamengo chafurda nos pântanos de Mediocriland eu não possa reclamar. Isso é coerência, que é um tipo de pedágio moral que pagamos por aquilo que dizemos. Ou que, pelo menos, deveríamos pagar. Não existe almoço grátis nem no campo das ideias.
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Mesmo tendo vencido apenas o semi-amador Campeonato Carioca, isto é, sem um mísero fato que a sustentasse, o Flamengo provocou a alucinação coletiva de que nunca mais ia perder um jogo na vida, que o Rossi nunca mais iria buscar a nêga no fundo do barbante. E do nada, de uma hora pra outra, inadvertidamente, o Flamengo que nem tomava gol agora perde dia sim, dia também. Bem feito pra eu deixar de ser retardado.
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A mesma tabela do Brasileiro que entre duas rodadas provocou e soterrou delírios e alucinações agora serve como a tauba de salvação para os lógicos e os coerentes. É ela que alegra, inspira e acalma, e deixa a moçada de cuca legal. Porque até as crianças de colo sabem que no fim da 4a rodada os times que estão acima do Flamengo, plunct, plact, zum, não vão a lugar algum. E se eles não vão é porque é nóis que vai. Mas não agora.
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O jogo com o Foguinho foi de amargar. Não bastasse o calor saariano, o horário impróprio e uma arbitragem rapace, que atuou pressionada por elementos alienígenas preocupados apenas em tumultuar o bagulho, o Flamengo todo jogou de chico. E mesmo com o uniforme certo atacou pro gol errado. Os pequenos de Excesso de Contingente Severiano, que nada tinham a perder, jogaram com a leveza dos puros e deixaram que o Flamengo se desgastasse com a posse de bola estéril. Na primeira boca aberta da nossa defesa o maluquinho deles meteu uma tacada de sinuca e fez 1×0. Ah, não! Vou nem continuar a destrinchar o que foi o jogo, sofrimento desnecessário. Pra resumir, o Flamengo, inerme, acabou levando o merecido segundo gol e fim de papo.
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Toda derrota do Flamengo é essencialmente errada, inoportuna e sem graça. Mas algumas derrotas ainda trazem de brinde consequências para as quais não estávamos preparados. Esse negócio do Flamengo jogar como defensor, representante e campeão da Ciência, por exemplo. A primeira vista parece ser uma coisa legal, todo mundo é a favor da Ciência, pelo menos até a página dois. Mas quando o Flamengo Científico Farol do Conhecimento perde isso motiva um revival absurdo do cloroquinismo anticiência. Meus amigos, o Flamengo jogou mal pra caralho. E a Ciência não teve nada a ver com isso.
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Cá pra nós, se o Flamengo fosse mesmo o defensor da Ciência a pobrezinha tava perdida. Mas, felizmente, o Flamengo não é. A única hora em que a Ciência esteve presente no Maracanã ontem foi quando fizeram aquela parada pra hidratação dos atletas. Naquele calor do cacete até eu que tava vendo o jogo em casa no ar condicionado fui tomar uma aguinha que eu não sou otário.
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Otário é quem pensa que a ciência é um valor absoluto, imutável e que é sempre boazinha, amiga dos peixes e das crianças. Robert Oppenheimer, o Doutor Smith e Walter White já demonstraram que dá pra fazer muita coisa ruim com a ciência. Não é legal ficar contra ela, mas também não é muito esperto ficar de pelasaco dela. Porque as verdades científicas não são dogmas imutáveis, ela são como a tabela do Brasileiro, a fotografia de um momento. O que é verdade científica hoje amanhã pode não ser mais. Os paradigmas científicos nascem e morrem todo dia nos laboratórios dos cientistas malucos.
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A Ciência, que o Tite só tirou do armário pra justificar a não escalação dos supostos titulares do Flamengo em tudo que é pelada, não está a favor do Flamengo. Nem contra. A Ciência simplesmente é. Gravidade, relatividade, atracão e repulsão dos corpos, etc, as leis da Ciência serão respeitadas por todos, quer queiram, quer não. Se o Tite resolver que na quarta-feira vai meter o time todo que jogou ontem pra pegar o poderoso Amazonas pela Copa do Brasil porque a água bateu na bunda e se o Flamengo não ganhar quatro jogos seguidos o bagulho vai ficar escroto isso não deixará de ser Ciência. Alguém poderá até dizer que é uma ciência burra, mas ainda será Ciência.
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Os ponderados, uma minoria demográfica entre os rubro-negros, já jogaram suas cartas mais poderosas, entre elas a paciência. São eles que dizem, não totalmente sem razão, que o campeonato é longo e que quem hoje reclama, corneta e protesta deveria esperar até dezembro pra fechar essa conta. Mas a maioria da massa bem vestida, que é imediatista, intolerante e resultadista, não pensa assim. Estão cientes e escolheram o modo parcelado. A corneta vai cantar.
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Mengão Sempre
Tem toda razão, Arthur!
Se a gente quisesse ver ciência, assistia Telecurso 2o Grau e não o campeonato brasileiro.
Se ciência ganhasse campeonato, o Einstein tinha sido técnico da Alemanha.
Por outro lado, no limite, se a gente não ganhar a Liberta esse ano, a gente pode pleitear o prêmio Nobel. É o único que falta na Sala de Troféus!
De acordo.
Arthur, perdão pela não audiência de 1 ano pra cá… depois da partida da Vivi achei que o projeto fosse dar uma parada… enfim, julgo meu, unilateral. Hoje passei por aqui no modo “rolê aleatório”, que bom que o espaço continua em atividade!
É verdade…..até a paciência acabar.