Nunca foi a minha intenção, posto que não costumo pratica-la, escrever sobre poupança. Mas o momento que o Flamengo atravessa torna uma abordagem ao árido tema quase obrigatória. Jamais, em tempo algum, a conjugação do verbo poupar esteve tão na moda entre os tradicionalmente imprevidentes torcedores do Flamengo. Fenômeno raríssimo, que pouca vezes testemunhara, mas que não poderia ter surgido mais naturalmente.
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Porque tudo que o Comissário Tite tem feito ultimamente é poupar nossos melhores jogadores no Brasileiro, poupar na Libertadores, poupar em toda ocasião em que for possível. Menos no safado Carioca, a única competição do planeta na qual o Flamengo parece estar devidamente autorizado a colocar em campo sua força máxima. Quando age assim o Comissário Tite parece um adepto da economia planificada e dos planos quinquenais que levaram à União da Repúblicas Socialistas Soviéticas à garra no fim do século passado.
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Como a justificativa mais frequente para essa sanha poupatória do Comissário Tite se alicerça essencialmente nas tecnicidades fisiológicas às quais a torcida, esse lamentável sodalício de apedeutas, não possui nem o preparo, nem a predisposição e muito menos o acesso aos dados para se educar adequadamente, sobra muito pouca margem para uma expressão de pensamentos coerente. Restando ao torcedor contrariado fazer biquinho, bater o pé no chão e lamentar que a comissão técnica do Flamengo não compartilhe a sua visão de mundo.
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O que podemos fazer é combater a nossa própria ignorância e entender o conceito da poupança como algo um pouco além do que a muquiranagem praticada pelos mão de porco, pão duros e casquinhas. Na economia, poupança é um conceito amplo que se refere a toda receita não destinada ao consumo imediato. E existe um campo das ciências econômicas, a economia comportamental, que estuda os efeitos de fatores psicológicos, sociais, cognitivos, emocionais nas decisões de indivíduos e instituições. No momento, nada pode ser mais útil ao rubro-negro do que tentar entender o processo de tomada de decisões adotado pelo Comisário Tite.
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É lógico supor que na raiz das decisões tomadas pelo treinador esteja a aversão ao risco. O medo pânico que Tite parece ter de perder jogadores por esgotamento físico ou mesmo por contusões provocadas pela fadiga tem sido determinante no seu processo decisório. Por isso mesmo que a economia comportamental está principalmente preocupada com os limites da racionalidade dos tomadores de decisões.
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A racionalidade dos tomadores de decisões é fundamental, mas a racionalidade é um valor inteiramente subjetivo, que varia de acordo com as circunstâncias, espírito da época e a grandeza dos objetivos. O que é racional hoje pra você e sua galera poderá ser considerado terrivelmente irracional sob a ótica de outros grupos em outros momentos.
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Uma decisão que foi considerada racional antes do Curica jogar com o Deportivo Táchira nos 900 metros de altitude de Caracas na Liberta em 2012 pode ser idiotamente irracional antes do Flamengo pegar o Bolívar nos aprazíveis 3.640 metros de La Paz hoje à noite. As decisões racionais não são intercambiáveis. Como a marcha da história tem dolorosamente nos ensinado, a experiência profissional é uma valência superestimada.
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Porque até os profissionais mais experientes estão sujeitos a cair no golpe da “Utilidade Condicional Esperada”, uma forma de raciocínio em que o indivíduo tem uma ilusão de controle e calcula as probabilidades de eventos externos e, portanto, sua utilidade como uma função de sua própria ação, mesmo quando não têm capacidade causal de afetar esses eventos externos. O Comissário Tite parece ter plena convicção de que todos os cuidados, precauções e previdências tomadas são inúteis e que ele nada poderá fazer se hoje à noite o ar se tornar por demais rarefeito e o Flamengo tomar uma girombada dos bolívia.
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É aí que meu lado burro, sempre com maior posse de bola, argumenta grosseiramente que toda essa poupança, popularmente chamada de economia, é o princípio da porcaria. De que adianta poupar os caras no Brasileiro, na Libertadores, na Copa do Brasil. É pra eles estarem 100% no Mundial que nem sabemos ainda se vamos jogar? E se perder alguma dessas competições com os caras devidamente poupados? É como o caso dos velhos fazendo ginástica febrilmente em vez de beber, fumar e pegar prostitutas que lhes sugarão as aposentadorias. Pra quê? Pra morrer cheio de saúde? Nonsense!
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Em 1952, Maurice Allais, que receberia o Nobel de Economia em 1988, elaborou um teste que ficou conhecido como Paradoxo de Allais. O teste eram duas perguntas, que adapto aqui aos objetos de nosso interesse para um melhor entendimento.
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1) Você prefere a situação A ou a situação B?
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Situação A: certeza de ganhar a Libertadores da América;
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Situação B: 10% de probabilidade de ganhar a Libertadores da América, a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro; 89% de probabilidade de ganhar só a Libertadores; 1% de probabilidade de não ganhar nada.
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2) Você prefere a situação C ou a situação D?
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Situação C: 11% de probabilidade de ganhar a Libertadores; 89% de probabilidade de não ganhar nada.
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Situação D: 10% de probabilidade de ganhar a Libertadores da América, a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro; 90% de probabilidade de não ganhar nada.
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Allais, que era meio puto com algumas das conclusões do Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico, que John Von Neumann e Oskar Morgenstern escreveram em 1944, observou que mesmo pessoas muito cuidadosas, experientes, acostumadas ao cálculo de probabilidades e consideradas racionais, invariavelmente preferiam A a B, mas ao mesmo tempo também preferiam D a C.
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Fica evidente, e a partir daqui não é Allais, mas o meu eu-burro que está falando, que a cobiça, o olho grande, a vontade de ganhar tudo de uma vez só, enfim, de abraçar o mundo com as pernas, é um componente muito importante no processo decisório que não deveria ser desprezado em nome de uma suposta segurança e de e-qui-lí-bri-o que são estados mentais ilusórios.
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É inegável que essa onda de poupar, que pega muito bem entre os planejadores, é filha do medo, neta da aversão ao risco, bisneta do materialismo, no sentido de entender a matéria como realidade ou substância primeira e última de qualquer ser ou fenômeno do universo. E a gente sabe que o Flamengo é muito mais do que isso. Planejamento, para o rubro-negro médio, é comprar meia dúzia de cervejas, em vez de uma só, pra economizar as idas ao botequim.
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Se preocupar com o jogo de hoje é permitido, recomendado até. Jogar no alto do morrão é sempre uma foda. Mas poupar a maior parte da nossa rapaziada, justamente no jogo mais encardido da fase de grupos, coloca em dúvida não os métodos, mas os valores do Comissário Tite. Vai poupar os pica hoje pra jogar completo com a porra do Foguinho no Domingo?
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Nem eu que as escrevo e nem vocês que agora leem estas mal traçadas sabem se ainda estarão no plano dos vivos em dezembro. Nem o Comissário Tite auxiliado por toda a ciência do mundo sabe. Não creio que seja egoísmo, imprevidência ou porralouquice querer ver o Flamengo mais forte do mundo agora, hoje à noite, com os melhores em campo se fudendo todo pra enfrentar a altitude, a hipoxia, a correria aborígene e vencer o jogo terrível. É só uma questão de aproveitar o momento, viver o agora intensamente, carpe diem.
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A prudência é uma donzela rica e baranga, cortejada pela incapacidade. O Flamengo não nasceu pra queimar lentamente como uma varinha de incenso, o Flamengo está vocacionado pra explodir ruidosamente como um cabeção-de-nego do cosmos. Nascemos, crescemos e, eventualmente, nos fudemos de Big Bang em Big Bang. Explode coração, na maior felicidade. É lindo o meu Flamengo contagiando e sacudindo essa cidade. Sem miséria e sem regular a mixaria.
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Mengão Sempre
Adianta nada poupar se a gente não se classificar nos campeonatos. Ano passado ainda tá bem fresquinho na memória pra gente saber q passar em segundo no grupo é furada.
Arthur, saudações rubro negras.
Acompanho seu trabalho desde o Urublog, que já não me recordo mais precisamente em que época era. Lembro que era época de time ruim, sem talento e poucos títulos, mas de muito rubro-negrismo.
Sobre nosso querido Comissário Tite e a “poupança” de nossos craques em jogos do brasileiro contra São Paulo e Palmeiras e na Libertadores, me parece um enorme crime contra os torcedores rubro-negros, o espetáculo, contra a inteligência e a lógica.
Esses são exatamente os jogos e as competições que queremos ganhar, certo?
Estamos guardando nossos melhores para qual competição ou confronto?
Podemos até ganhar com os meia boca, mas como torcedor gostaria de ver os melhores jogando todos os jogos, especialmente na Libertadores e no Brasileiro.
Medo de lesão é medo de viver, de arriscar e de perder. Cadê a vontade de VENCER? Talvez Tite devesse prestar mais atenção em nosso maravilhoso hino: “Vencer, Vencer, Vencer”.
Me sentia realmente representado pelo time com nosso eterno Jorge Jesus. Para ele sempre os melhores deviam jogar e ganhar não bastava, era preciso dar espetáculo.
Fora isso, seguimos torcendo e apoiando.
Grande abraço e parabéns pelo trabalho.
Se puder me mandar um abraço no próximo podcast do GE Flamengo, seria legal.
Um abraço.
SRN
Disse tudo. Só não encabeço o #foratite para não parecer negacionista, mas esse papinho científico do Tite me pareceu maior caô.
Abs!
Que isso, coluna do Arthurzão é muita cultura! SRN