Como brilhantemente pontificou o pensador e galã do Irajá Jessé Gomes da Silva Filho, na vida a coisa mais feia é gente que vive chorando de barriga cheia. Contudo, para o também galã e pensador piemontês Umberto Eco, a feiúra é um conceito fluído intimamente relacionado ao espírito do tempo. O que é feio hoje poderá ser belo no futuro, cada um que faça sua aposta.
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O fato é que ninguém precisará fazer uma harmonização facial caso admita que depois que o Flamengo se tornou o TRI Campeão da América a vida socio esportiva do rubro-negro padrão se escornou no macio sofá da mediocridade. Desde a gloriosa tarde de 29 de outubro de 2022 que o Flamengo só proporcionou ao seu torcedor emoções mornas e tranquilas, fora o tumulto selvagem com a nata da mulambada mundial parando o trânsito do Centro do Rio pra comemorar o TRI da Liberta.
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Mas dentro de campo o time do Flamengo não quis mais porra nenhuma com o serviço. As rodadas finais do Brasileiro foram palhaçada, os caras todos nitidamente de sacanagem. Por sorte os torcedores também estavam de sacanagem ou tinham coisa mais importante para comemorar e ninguém deu nenhuma importância para os escalafobéticos resultados obtidos pelo Mengão.
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Aí veio Copinha do Mundinho, os caras saíram de férias, piranhou-se um novo treinador, os caras voltaram de férias, amigos foram vendidos, amigos foram comprados, começaram a treinar, jogaram o Carioca mesmo sabendo que não valia nada.
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Enquanto isso o torcedor rubro-negro, com o sorriso de orelha a orelha, as costas vergadas pelo peso das faixas das Copas conquistadas, assinou duplicatas, inventou baralhos, passeou de dia e dormiu de noite, consertou vitrolas para ouvir música enquanto esperava que aparecesse em sua vida um jogo que realmente valesse a pena. E o jogo apareceu.
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Finalmente, depois de três meses em que nada aconteceu o Flamengo e seu povo estão de volta ao lugar que pertencem: a chapa quente das decisões, o mata-mata ancestral e highlander onde só um pode permanecer vivo. Praticamente o habitat natural do Mengão.
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O Flamengo, que tem um retrospecto espetacular na Supercopa (nunca perdeu um jogo!) chega à Brasília todo favorito e dando forte impressão que vai panhar a sua terceira Supercopa sem precisar fazer maiores esforços. Tudo porque a noiada torcida do Palmeiras tá de guerrinha com a sua noiada diretoria, que por ser extremamente muquirana dá motivos pro seu noiado treinador continuar sua guerra maluca contra a imprensa mundial. Briguem, desgraçados, briguem!
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É uma delícia ver o chiqueiro em chamas, saber que os caras realmente vão passar mal se perderem outra pra nós. O que é por si, absurdo. Sem querer desmerecer a impoluta Supercopa, mas já desmerecendo, isso é uma tacinha de início de temporada, um jogo praticamente à brinca, que não vale quase nada. Ganhar uma Supercopa é possível, mas é impossível para qualquer adulto conceber a ideia de perder uma Supercopa. É uma maluquice, Supercopa é passeio, times sérios não entram em crise por motivo de Supercopa.
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Com isto não se está dizendo, nem sequer aventando a remotíssima possibilidade, faça-me o favor, de o Flamengo não ganhar essa porra hoje em Brasília. Ainda que soe esquizofrênico em relação às linhas anteriores deste texto, pro Flamengo, ganhar a Supercopa é obrigação, sim.
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O Flamengo tem mais time, tá mais acostumado a vencer a competição, a nossa camisa é mais bonita (beleza é outro conceito fluído, mas a superioridade estética do Manto Sagrado é reconhecida mundialmente) e luta por motivos mais nobres.
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O Palmeiras joga a Supercopa no sábado, mas na segunda treinará pra pegar o Mogi-Mirim ou o Avanhadava pelo Paulista, é um futuro que se projeta cinzento, provinciano e mixuruca. Enquanto isso o Flamengo, sempre fodão e de roupa nova, joga a Supercopa de olho no Mundial, um termo que sozinho é capaz de provocar profundo mal-estar na porcaiada. Imagina então a alegria dos pobres diabos quando têm que enfrentar logo o Flamengo que está indo para Marrocos pra bisar o título que o Palmeiras não conseguiu ganhar nem por fax.
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Claro que vai ser bom jogo, apesar de retranqueiro e adepto do futebol feio (olhaí a feiúra de novo) o Palmeiras é, ao seu modo, eficiente. O Flamengo por sua vez é apoteose artística, explosão de criatividade, jogo bonito, futebol arte. E ainda que os nossos caras gostem muito de ganhar a nossa superioridade técnica não anula a possibilidade de uma tragédia, pois que Flamengo. A vida sem emoção não vale a pena ser vivida.
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Não tem como não ser bom um jogo que alinha contendores tão essencialmente diferentes. O mínimo que se pode esperar é um festival de foiçadas e jogadas brutas que exprimam fisicamente todos os recalques, medos, compulsões e preconceitos desses bravos atletas. Porque é disso, é disso que o povo gosta, futebol verdade e bioenergética.
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O Flamengo tá na pista, do seu jeito de sempre – esperando o melhor, preparado pro pior e jamais surpreso com o que acontecer entre esses dois extremos – doido pra ganhar mais uma Supercopa já que mal não nos fará. Mas o time, a torcida, a diretoria, os patrocinadores e até os flanelinhas que supostamente vigiam seu carro do lado de fora do estádio, na real estão de olho no que importa de verdade, o Campeonato Mundial. Se o Flamengo jogar hoje como se já estiver jogando o Mundial as chances de êxito do Palmeiras são nulas. Nesse campo do conhecimento o porco não tem lugar de fala.
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Aí sim, vai ser uma beleza. No seu livro Libertinagem, de 1930, Manuel Bandeira mandou “Como as mulheres são lindas! Inútil pensar que é do vestido… E depois não há só as bonitas: há também as simpáticas. E as feias, certas feias em cujos olhos vejo isto: uma menininha que é batida e pisada e nunca sai da cozinha. Como deve ser bom gostar de uma feia! O meu amor porém não tem bondade alguma. É fraco! Fraco!”
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Mas o Flamengo não é fraco, não.
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Mengão Sempre
Talvez numa próxima encarnação (e a expressão aqui usada não passa de uma metáfora) – essa direção do Flamengo consiga me convencer de que estava coberta de razão ou razões ao demitir o Dorival Jr.
Muhlenberg comentou lá no GE, com o que eu concordo: somente após o término da Tala Guanabara, saberemos quem será o próximo técnico do Flamengo. E, assim, teremos mais um ano medíocre, com apenas uma Copa do Brasil e uma Libertadores. Fazer o quê?
SRN!
Vitor Pereira certamente não leu. Mundial também será no início do ano “letivo”. Acreditar em milagre é obrigação. Assim como pensar em quem será o próximo técnico do Flamengo.
Como sempre, poético, sarcástico e com doses de humor do jeito de gosto.
Texto fantastico