A primeira refeição do dia é a pedra fundamental para uma alimentação saudável e equilibrada. Em dia de jogo do Flamengo fazer o desjejum no Simpatia da Gávea, ali na esquina da Acácias, do ladinho do Sport Sucos, já virou tradição.
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Na manhã do dia do jogo do Corinthians, mal adentrei o Simpa e tive a passagem em direção à minha mesa habitual no fundo do salão obstruída pelo corpanzil de Marcelo Dunlop, debruçado sobre o balcão, indeciso entre torresmos e moelas. Ao seu lado, o célebre Serginho Cambalhota descascava um ovo rosa enquanto orientava a decisão de Dunlop.
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– Pede moela. Moela é de pássaro, gavião é pássaro. Corinthians é gavião. Deixa o torresmo pra quando jogar com o Porco.
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Sem se deixar vencer pela lógica interdisciplinar do anatomista veterinário amador Dr. Cambalhota, Dunlop pede moela e torresmo. Os acepipes nos encontraram já em nossa humilde mesa, escoltados por uma robusta porção de pão francês e os 350 ml de Caracu com ovo sem a qual não sou capaz de começar o dia.
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Cambalhota, sempre verboso e assertivo, manifestou preocupação. Não pelo jogo, que o insano já havia cravado 3×0 Flamengo num bolão de 50 reais e ainda nas primeiras horas do dia dava a fatura como liquidada. A sua preocupação era com o jogo entre Atlético x Palmeiras.
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– Palmeiras tem que ser eliminado. Não interessa que seja o Atlético, pode ser qualquer um, menos eles. Não é medo deles, não. É que o Palmeiras é o único time que se for pra final da Liberta a gente vai ter que jogar com camisa branca. Entendeu a minha preocupação?
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Mesmo entendendo a preocupação do amigo preferi encher o saco só pra ver como ele tava de argumento.
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– O que você está dizendo é anticientífico. A maior conquista da história do Flamengo foi usando o uniforme branco. Isso é mistificação, vê se bebe algo mais forte que cerveja pra ver se corta essa caretice matinal. Parece botafoguense com essas crendices.
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– Onde que eu fui anticientífico? A estatística não é mais digna de se abrigar sob o vasto dossel da ciência? O Flamengo jogou duas finais de Libertadores com a camisa branca e perdeu as duas. Botafoguense é a tua mãe!
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O promissor bate-boca foi interrompido pelo Dunlop, de quem até então só ouvíramos o mastigar. Parecendo menino na escola, o cronista de havaianas levantou a mão antes de falar.
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– Acabou o torresmo, vamos pedir outro?
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Eu ia responder com uma malcriação, mas quando abri a boca saiu um arroto muito escroto, alto pra caramba. Felizmente não havia damas no recinto e não precisei me desculpar com ninguém. Disfarcei.
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– Pede um pão com ovo aí pra mim, Dunlop. Ô Cambalhota, você tá sendo anticientífico pra caralho misturando Mundial com Libertadores. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
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– Eu não misturei nada, eu tava falando de Libertadores e você que botou Mundial na conversa. Eu que sou anticientífico? Não mete essa!
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– Você foi anticientífico e desonesto intelectualmente porque pinçou uma estatística desfavorável pra dar ênfase a um aspecto místico e revestir de pseudociência uma superstição que é apenas sua. Coisa de botafoguense.
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– Apenas minha? Que porra que o Flamengo já ganhou com a camisa branca sem ser o Mundial?
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– Cara, ouve o que você tá falando. Como assim sem ser o Mundial? Pra defender sua superstição você quer apagar um evento histórico? Vamos combinar com a população do planeta inteiro pra fingir que não aconteceu? Não existe esse negócio de sem ser o Mundial, não viaja, anticiência.
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Nessa hora Serginho Cambalhota deu uma exaltada.
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– Mermão, se tu quer tanto a camisa branca leva pra tua casa e cria, porra! O uniforme do Flamengo é vermelho e preto, meu chapa. Eu quero ver o Flamengo campeão da Liberta com o Manto. Tô pedindo muito?
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– Tu tá pedindo pra mim? E eu sou teu pai pra tu me pedir coisa? Quem tem filho grande é elefante, rapá!
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Dunlop, enfim, parou de mastigar.
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– Calma, galera. É perfeitamente possível que o Flamengo vença a Libertadores com o Manto branco. Mas, não há menor necessidade de fazer outra final com o Palmeiras. Tem vários times piores que eles, o certo é torcer pra esses chegarem na final.
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Boa tentativa de apaziguamento do Dunlop, mas agora o Cambalhota já estava a fim de conflito.
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– Isso é cagaço, Dunlop! Toma jeito! O Flamengo ganha do Porco com tranquilidade. A questão que eu coloquei não é futebolística, é estética. Na minha opinião o Flamengo é mais bonito de Manto vermelho e preto e calção branco. Independente da competição.
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Aí o Dunlop aderiu ao tom beligerante.
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– Não fala de independente não que eu lembro daquela merda de final da Sul Americana. Odeio aquele torneio, serie B da América. Só de participar já é meio vergonhoso.
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Cambalhota secundou o amigo nesse tema.
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– Uma das maiores vergonhas da história do Flamengo. Classificar pra Sula já é vexame, mas pior ainda é entrar depois de não passar na fase de grupos da Liberta. Fim de barraco total. Aliás, 2017 foi um dos anos mais filha da puta da história do Flamengo.
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Porra, sou viciado em discutir com Serginho Cambalhota. Mesmo sabendo que jamais irei ganhar no argumento voltei à arena.
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– Você tá completamente maluco. 2017 foi um ano até bom diante da tragédia de 2021. 2017 ganhamos o Carioca. 2021 perdemos tudo!
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– A gente também ganhou o Carioca em 2021, imbecil.
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– Ah, mas as derrotas de 2021 foram muito mais doloridas. Tu quer comparar perder uma Sula a perder uma Liberta?
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– Mas a gente perdeu a Sula em casa, Maracanazo horroroso. Perdemos final de Copa do Brasil. E ainda comemoramos mongolóidicamente um 6º lugar no Brasileiro. O horror, o horror.
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– Melhor perder final da CB do que ser esculachado no Maraca na semifinal, como em 21.
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– Entenda, apedeuta, em 2017, com aquele time mixo e Rueda qualquer coisa que viesse era lucro. Com o time de 200 milhões de 2021 era tudo obrigação.
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– Se fosse obrigação mesmo o técnico não era o Renight.
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– Quem é Renight? Nunca ouvi falar. Jogou com quem?
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Tá vendo como é foda discutir com o Serginho Cambalhota? O cara não sabe brincar. Já tô aqui ansioso pra saber que tira-gosto ele vai recomendar pro Dunlop no café da manhã antes do jogo com o São Paulo.
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Mengão Sempre
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Eu gostei que a discussão era sobre quem era anticientífico pois isso determinaria quem estava errado. Arthur sempre fechado com o que é certo (caracu com ovo, Flamengo e ciência).
Não tenho nível pra discutir nesse buteco, mas eu quero parmeras na final para vingar a final perdida. De branco ou de rubro-negro.
Uma crônica que é metade homenagem ao Flamengo e metade homenagem às amizades. Parabéns, Arthur! Quando eu tiver a oportunidade de ir conhecer o Rio já tenho um bom lugar para o desjejum, hehe
SRN
Chato bagarai esse Cambalhota hein? kkk