O silêncio da quebrada foi rompido com violência pelo clangor da alabarda se chocando contra a frágil porta da maloca.

.

– Abre essa porra! Abre ou eu boto abaixo!

.

De dentro da maloca a resposta não tardou.

.

– Faz o que você tem que fazer, mano. Cai dentro. Mas vem na consciência.

.

A alabarda golpeou novamente a porta.

.

– Abre essa porra, Jorge! Tô de sacanagem, não!

.

Após um brevíssimo segundo de silêncio São Jorge abriu a porta.

.

– Calma, Judas. Não sabia que era você. Precisa chegar assim de monstro? Assusta a comunidade.

.

Altivo, São Judas Tadeu entra na maloca com passos firmes. Mas na humildade que lhe é peculiar, antes limpa os pés no capacho.

.

– Jorge, na moral, que se foda a comunidade. Acabou o amor, rapá. Vou ficar de dá licença? Parada é a seguinte, saí de uma reunião com o 01 agorinha.

.

– Reunião com o 01 por quê? Qual é a treta?

.

– Tem treta nenhuma, a reunião foi sobre o jogo.

.

– Jogo de hoje? Como que eu não fui chamado pra reunião?

.

– Tá sem moral com O Cara, né? Depois da sua palhaçadinha no jogo do Brasileiro 01 ficou putão. Ele sabe que tu cutucou o joelho do Rodinei pra ele mandar a bola no próprio gol. Quebrou o bolão do Patrão, tempo fechou pra você.

.

– Nada a ver essas ideia, eu nem tava no lance . . .

.

– Para de caôzada, Jorge! Tu vai meter essa logo pro onisciente, onipresente, onipotente? Deus tá vendo, rapá!

.

São Jorge olha pro alto, estende as mãos e num suspiro desabafa:

.

– Perdoa, Pai. Foi excesso de zelo no cumprimento da missão de proteger os mais fracos. Me deixei levar pela emoção. Perdoa, não vai acontecer novamente.

.

– Na Libertadores é que não vai acontecer mesmo, tu tá ligado que pela regra funcionário da firma só pode interferir a favor do San Lorenzo. Como os cara esse ano nem entraram o gerente liberou pra geral. Mas como tu já estourou a tua cota anual com aquela presepada na Bombonera a gerência fez queixa lá em cima.  Melhor pra tu tirar o cavalo da chuva e ver o jogo apenas como observador.

.

–  E tu vai ao jogo?

.

– Claro que vou, o Flamengo não tem nem precisado de mim. Depois que eu consegui enfiar o Paulo Sousa no avião pra Lisboa nunca mais me pediram nada. Vai que eles precisam hoje. Eu tô zerado na Libertadores, se precisar tô autorizado a materializar o impossível.

.

– Só assim mesmo pra vocês ganharem de nós.

.

– Chora não, cavaleiro. Tu fica malzão na foto chorando. Quer ajudar os maloqueiro? Mata o Dragão no jogo da volta da CB. Mas não se meta com o Mengão porque o fluxo piroclástico vai vir top-down. Tu sabe bem que quando a chefia fica puta a divina giromba opera em modo aleatório.  

.

– Estou vestido com as minhas roupas. Que mal pode me acontecer?

.

– Acorda, Jorge! Tuas roupas te protegem dos teus inimigos, mas não do teu Patrão! Menos musiquinha e mais procedimento, mais amor e menos intimidade. O papo foi dado. Segura a sua onda, não se meta com o Mengão.

.

Mengão Sempre

.