Se você não leu o Simas, está por baixo. Refiro-me, evidente, ao livro “Maracanã: quando a cidade era terreiro”, do professor Luiz Antonio Simas.
Mais do que uma necessária biografia do estádio mais cultuado do planeta, mais do que uma leitura perfeita para o verão, trata-se de uma senhora aula do Simas, como as que ele costuma proferir nas calçadas em frente ao bar Madrid. A vantagem do livro é que não tem hora para fechar.
Não vou dar spoiler, nem ficar reprisando os tantos heróis que Simas eterniza no livro – além, golaço, de vítimas quase anônimas cujo destino foi morrer no Maraca. Desgraça – se há um consolo, pelo menos escaparam das enxurradas de Petrópolis. Simas honra os jovens Frederico Castilho, Cláudio Galda e Sérgio Marques, que perderam a vida na final do Brasileiro de 1992, quando torcedores do Flamengo caíram da arquiba.
Mas há outros anjos e bons espíritos que sobrevoam o livro. Um dos mais espantosos, inesperados e apaixonantes é o de um índio. Um velho índio que provavelmente habitou as margens daquele rio ainda de águas limpas e pescáveis, banháveis e bebíveis.
Quem traz à baila esse índio poderoso, logo nas páginas iniciais, é o estudioso Alberto Mussa, flamengo fanático, portanto um sábio.
Por que o nome Maracanã, Mussa?
“Maracanã é um psitacídeo, da turma dos papagaios e araras. Agora, porque o rio e o bairro se chamam Maracanã é outra história”, diz Alberto Mussa, conhecedor do tupi e autor de obras sobre mitologias indígenas.
Ele então prossegue:
“Minha hipótese (baseada na tradição tupinambá) é que devia haver ali uma taba cujo nome era Maracanã, por ter como tuxaua um homem chamado Maracanã, já que as tabas eram nomeadas muitas vezes pelo nome de seu líder. Um homem com nome de Maracanã é plenamente verossímil. Essa conversa de que na região toda havia revoadas de maracanãs não me convence: sendo assim, a cidade iria se chamar Maracanã também”.
O leitor eu não sei, mas eu larguei o livro na hora e fui tomar um copo d’água bem gelada. Um tuxaua! E chamado Maracanã…
Tuxaua, em tupi, é “aquele que manda”. Uma liderança política, responsável pela sabedoria e leis da aldeia. Como Simas escreve, se havia mesmo um cacique ou somente bandos de papagaios, trata-se de uma discussão “que a rigor não pode ser resolvida”. A não ser, digo eu, com uma apuração profunda, num bom terreiro.
Mas, se houve um cacique Maracanã, se esse tuxaua chamado Maraca comandou um dia aquelas bandas, como seria a figura?
Claro, só poderia vestir um imenso cocar rubro-negro. E fisicamente? Ah, a estampa e a pose de Didi. Os olhos de Pelé. O pé direito de Zico, claro. E, já que falou-se de papagaio, a canhota do Canhotinha Gérson.
As panturrilhas seriam como as do Junior, e os calcanhares do Sócrates. O sorrisão seria do Roberto Dinamite. O peitoral, todo decorado de dentes de capivaras? Do Obina, de quem mais? E sua linguagem seria algum grunhido parecido com o do Felipe Melo.
Grande cacique Maracanã. Teria sido um bom líder para seu povo? Ou só fazia e falava asneiras como os de hoje? Não sei. Mas sou capaz de apostar que era um nativo cheio de sabedoria.
Um tuxaua que, se soubesse que há um estádio com seu nome fechado por meses e meses por falta de grama, largaria uns bons feitiços e mandingas nessa cambada de caraíba ruim de jogo.
Kuekatureté, cacique Maracanã! Olhai por nós, ali da beirinha da marquise, onde algum balão de um velho torcedor ecologicamente incorreto ainda há de passar pertinho dos teus pés, rumo aos céus de tua taba, uma taba sofrida chamada Maracanã.
Não deixe de ler o livro do Simas, obra que há de continuar de pé quando o estádio de concreto já estiver arruinado feito um Coliseu.
Maior descoberta do mês esse site.
Maravilha, Dunlop!!
Boa 👏👏👏