Caro Domenec Torrent,
Ao longo desta passagem pelo Flamengo, você verá o acento original de seu primeiro nome ser salpicado em praticamente todas as letras, com possível exceção do Dê. Para poupar você, o leitor e em especial o teclado do meu computador já combalido, vamos com seu nome desacentuado neste texto.
Um texto que, sem delongas, pretende listar o básico e o fundamental sobre o Clube de Regatas do Flamengo que seus contratantes ainda não contaram, tudo para que tudo corra bem nesta temporada.
1. Da imprensa
Na quinta vez que for perguntado sobre o som do seu nome, caso você se canse, dê um sorriso maroto e lasque para as câmeras: “Vocês já tiveram um grande jogador chamado Dejan Petković e dois treinadores de nome Izidor Kürschner e Fleitas Solich, certo? Pois é, sei que a pronúncia exata de meu nome não tem tanta importância, em breve ganharei um apelido carinhoso do torcedor. Falem do jeito que preferirem.” Pronto. Com isso as mesas redondas terão horas e horas para debater se você é um gênio ou um grosso – e você terá o que precisa: tempo para trabalhar.
2. Rio x Catalunha
Há profundas diferenças culturais entre o Rio e a Catalunha. Por lá, o pão com tomate é apreciado; por aqui, quem manda é o pão de alho (experimente o do Galeto Sat’s, divino). A mais importante, contudo, é a questão do oceano. Aqui, morar no litoral é para os ricos; na sua terra, era o lugar dos miseráveis – volta e meia pintava um barco mouro ou invasores franceses, e quem estava de bobeira na praia era logo degolado – o que devia atrapalhar bastante as vendas de mate. Nossas praias não oferecem, portanto, grandes perigos. Por via das dúvidas, passe longe das redes de futevôlei do Edmundo e do Renato Portaluppi.
3. O segundo maior crime
O Rio virou um lugar de maluco – praticamente uma Chicago dos anos 1930 com uísque e sem o Robert DeNiro. Hoje, como alguém bem reparou, a cidade lembra uma bela casa de praia, de vista magnífica mas paredes carcomidas. O quarto dos fundos abriga um doente, e na sala, há um bando de criança querendo jogar bola: “Mas paiêeee! Por que qui não pode? O que o futebol tem a ver com a doença do vovô?”. Paciência, entenderão um dia. Tem ainda muito carioca fazendo vista grossa para crimes hediondos, de milícia ao roubo de hospitais, mas dois pelo menos são abominados por 100% da Nação Rubro-Negra. Anota aí: o segundo é fazer gol e recuar pelo resultado. O primeiro é desonrar o Manto Sagrado. Tome cuidado com as más companhias.
4. Somos normais
O adepto flamengo é um torcedor como outro qualquer, um daqueles apaixonados que você cansou de conhecer ao longo desses seus 30 anos de carreira. Como um certo leitor aqui do República Paz & Amor, que um belo dia saltou do metrô e deu de cara com cinco brutamontes de uma torcida uniformizada do Vasco. Pensou rápido: pagou de brabo e chamou o mais forte (esse detalhe é importante) para sair no pau. “Calma aí, deixa eu dar uma alongada no ombro e pescoço…” Tirou a camisa e… tacou a blusa na cara do Wanderlei Silva vascaíno, catando pneus numa corrida louca e desabalada pela vida, da estação Maracanã a uma delegacia mais próxima. Acabou, no desespero, se atirando para dentro de um portão gradeado – era um presídio, onde os guardas o receberam com canos de fuzis apontados para sua boca – que ufa, sorria aliviada. Vai dizer que isso não era comum nos seus tempos no Girona ou no New York FC?
5. Dos mascotes
O mascote do Flamengo, como você já reparou, é o urubu. Mas há outro bicho que ronda o clube: o mico. Todo santo treinador do Flamengo já teve de encarar um micão gigante, sem falar em eventuais orangotangos. Até Jorge Jesus, não se engane, precisou abraçar o mico, num Bahia 3 a 0 Flamengo em que as trombetas dos críticos soaram em altos decibéis. (Num bar em Copacabana, o cantor Sylvinho Blau-Blau berrava descompensado: “Demitam esse português!”. Outros queriam fazer coisa pior.) Portanto, absorva o mico. Entenda o mico. E siga em frente.
6. Das rivalidades
O maior rival do Flamengo, saiba logo, não é outro grande clube do Rio, ou do Brasil. O nosso maior rival é o Oba-Oba, monstrengo gigante que vive nas profundezas da lagoa, tal qual um crocodilo de filme B, e de vez em quando engole nossos treinadores. Se a torcida começar a falar do Liverpool, fale aos jogadores sobre o Barcelona do Equador. Sobre o Atlético Goianiense. Evite o monstrengo. Do mico você pode se aproximar, fazer carinho e até dar uma pipoquinha. Do Oba-Oba, jamais. Fuja sempre que… epa, olha ele ali! Corra!
7. Um Everest ou dois
A última equipa a vencer duas Taças Libertadores consecutivamente foi o Boca Juniors, em 2001. Nos últimos 30 anos, apenas quatro clubes repetiram o título do Brasileiro. Vença o troféu nacional, e verá o Rio de Janeiro virar um imenso baile funk ao ar livre. Vença a Libertadores e verá seu povo enlouquecido bailando a Sardana, dancinha típica catalã. O maestro é você.
8. O som do silêncio
Assim como anda rolando na Champions, seus primeiros jogos serão sem a torcida, chamada por aqui de “nosso 12º jogador”. Desde 1914 o Flamengo não é campeão sem ela, OK. Mas acredite: para um treinador recém-chegado, nada melhor que debutar sem o fumacê, berros e distrações. Concentre-se nas táticas. Aproveite o silêncio e o vazio dos estádios para recuperar aqueles célebres atletas que, como diz um amigo meu, padecem da síndrome do ator pornô amador – tremem quando há muita gente olhando. Quietinho é que é bom. Daqui a pouco a gente chega junto.
9. O Burro e o Cagador
Sabemos que o simpático asno é um bicho cultuado em sua terra. Assim como o bonequinho Cagador, símbolo de boa sorte dos camponeses ao referir-se ao adubo da terra. Esqueça deles. Se ouvir o elogio de “burro” no estádio, ou algum dirigente disser que “está cagando baldes” para sua opinião, seu trabalho talvez não esteja indo por um bom caminho.
Bona sort. Visca el Flamengo!
Caro Dunlop me responda,de onde vem tanto talento,inspiração,bom humor e claro,Rubro-negrismo de excelência pra escrever tão bem?Ah,e a pergunta tb vale pros outros colunistas do RP & A.Meu irmão,é sempre uma imensa alegria minha ler os textos deste site.SRN sempre com muita P&A.Ps:faço coro ao Rubro-negro Orlando de Sousa Silva,esperando que alguém mostre esta “cartilha” ao Domè.
Caro Dunlop, texto nota dez. Espero que alguem faça levar esse texto (ou seria essa Cartilha?) ao técnico Dome.
Espero que comecemos bem essa nova empreitada. Claro que a principio não vamos ver espetáculo, face o período
longo de inatividade. Acho que 2X0 no Atlético cai bem. No mais, manter a equipe motivada e sem mexer no que está bem
e se acostumar com a loucura de se jogar a cada 48h.
abraços.
Orlando Silva
Golaço, Dunlop!